terça-feira, novembro 24, 2020

Uma época para pôr filmes em dia

Este fim de semana, graças ao "recolher obrigatório", consegui cumprir uma proeza há já muito desejada: ver o Lawrence da Arábia até ao fim. Um filme de quase quatro horas, com uma espectacular fotografia, daqueles que se vêem melhor no grande ecrã, coisa que implicaria também aí uns três intervalos no cinema (hoje já raramente há um).

Já não vou a uma sala de cinema desde Fevereiro, mas acho que nunca vi tantos filmes como este ano. Vida mais caseira oblige. De obras clássicas como a citada, ou o "Dr Jivago", também realizado por David Lean, ou ainda "A Janela Indiscreta", "Blade Runner" e "Os Três Dias do Condor", até ao "The Hangover" - parte 3, "Dumb and Dumber", ou às últimas Missões Impossíveis, passando por algum cinema português de décadas passadas, como a exibição dos filmes de José Fonseca e Costa que a RTP tem vindo a fazer, e "clássicos modernos" que me faltavam, ("Forest Gump", Signs", "A Noiva Cadáver", etc), tenho visto de tudo e ainda me faltarão algumas fitas que queria ver este ano. A TV por cabo, a possibilidade de gravação, a Netflix e os DVDs é que têm permitido esta saciedade cinematográfica sem sair do sofá.

Com esta bagagem variada, daqui a uns tempos ainda me dá para fazer crítica de cinema. Tendo em conta que a maior parte dos críticos parecem estar sempre a escrever uns para os outros, com um vocabulário muito deles, tratando os filmes como se fossem ensaios filosóficos e não narrativas, e aquele mau hábito de descrever o desfecho ("e na última cena do filme, quando, antes de morrer..."), acho sinceramente que não faria pior figura.



quarta-feira, novembro 18, 2020

Ribeiro Telles e Esteves Cardoso

Ainda voltando a Ribeiro Telles, recorde-se também que era ele ainda o líder do PPM quando Miguel Esteves Cardoso surgiu como cabeça de lista pelo partido nas eleições europeias de Julho de 1987, que se realizaram em paralelo às legislativas (as mesmas que deram uma enorme maioria absoluta a Cavaco Silva, reduzriam o CDS ao "táxi" e esvaziaram o balão PRD). Depois de uma campanha imaginativa e irreverente, que fariam escola no PSR e mais recentemente na Iniciativa Liberal, conseguiram cerca de 2,8% dos votos, a melhor marca do PPM, e ficaram a escassos milhares de conseguir colocar MEC no Parlamento Europeu. Em 1989 Esteves Cardoso voltou a apresentar-se, mas com menos percentagem e, sobretudo, devido à abstenção, que começava aí a ser tradição nestas eleições, com menos votos. Se tivesse aguentado o mesmo número de eleitores de 1987 teria sido eleito sem grandes problemas. Mas nesse ano já Gonçalo Ribeiro Telles deixara o seu lugar a Augusto Ferreira do Amaral

Num dos Arquivos da RTP Memória, onde se encontram autênticos tesouros esquecidos e muito interessantes testemunhos, pode ver-se uma festa do PPM numa discoteca, com Ribeiro Telles à conversa na pista e Esteves Cardoso combinando um casaco de ganga com o inseparável laço. Anos oitenta...



quarta-feira, novembro 11, 2020

Gonçalo Ribeiro Telles 1922 - 2020

Uma notícia não inesperada mas muito triste. Deixou-nos Gonçalo Ribeiro Telles. Já tinham anunciado estupida e apressadamente a sua morte, há uns tempos, mas como aconteceu com Mark Twain, a notícia era manifestamente exagerada. Falamos de uma figura maior do nosso país, com quem infelizmente estive vezes de menos. Do arquitecto paisagista que ganhou o prémio internacional mais importante da área (o Sir Geoffrey Jellicoe). Do homem que reorganizou o movimento monárquico e ecologista depois do 25 de Abril, fundando o PPM - partido monárquico, ruralista e verdadeiramente o primeiro partido ecologista português, muito antes do PAN e bem mais substantivo que os Verdes - e na continuidade o MPT, com alguns ex-PPM e do Movimento Alfacinha. que foram precisamente os partidos em que votei quando finalmente ganhei esse direito.

 
Ribeiro Telles era o último líder vivo da AD e curiosamente o mais velho. Exerceu o cargo de Ministro da Qualidade de Vida no segundo governo da coligação e criou a RAN, a REN e os PDMs. Concorreu à câmara de Lisboa pelo PPM, no meio de inúmeras candidaturas, e conseguiu ser eleito vereador. Lisboa deve-lhe o corredor verde de Monsanto, os jardins da Gulbenkian e o jardim Amália Rodrigues, atrás do parque Eduardo VII, entre outros. Defendia conceitos recebidos no início com estranheza pelos puramente citadinos, como as hortas municipais e a necessidade absoluta das cidades combinarem zonas de cultivo e zonas verdes com o emaranhado urbano. Defendia também uma regionalização natural, seguindo as muitas regiões naturais de Portugal, desconhecidas da esmagadora maioria, para além do traçado político e burocrático. As suas ideias levaram muito tempo a ser adoptadas, mas aos poucos começaram a ser implementadas.
 
É esse legado que, embora tarde e a más horas, lhe fará justiça e que o seu nome e projectos sejam preservados. Cabe-nos construir um Portugal seguindo as boas e urgentes ideias que Gonçalo Ribeiro Telles generosamente lhe deixou. O país perdeu hoje um dos mais ilustres portugueses. Eu perdi uma das minhas maiores referências cívicas e políticas.



Reacções ao cordo regional e falta de memória

O acordo para viabilizar o novo executivo açoriano trouxe à memória a constituição da "geringonça" e o precedente que causou. Ou antes, devia ter trazido.

Por um lado, temos o nosso PM, arquitecto da geringonça, o homem que permitiu todo este novo desenho parlamentar, que tirou sentido ao voto útil ao fazer acordos com os que até aí eram inimigos de longa data e de natureza completamente diferente, a criticar o PSD e a referir-se a "linhas vermelhas". Mas a questão em 2015 não era a de que se não houvesse geringonça "a direita ficaria no poder"? E isso implicava atravessar inhas literalmente vermelhas para fazer tratados com os seus velhos inimigos (por vezes mais do que advesários)? Então...
 
Por outro, temos um abaixo assinado de um conjunto de pessoas de alguma forma ligadas ao centro direita que critica os acordos com direitas "iliberais". Os subscritores já foram mimoseados nas redes sociais com os habituais insultos do cardápio - "direita fofinha", "direita de que a esquerda gosta", "cobardes", "pusilânimes", etc. Ora isso lembra muito o tipo de remoques que socialistas como Francisco Assis ou Sérgio Sousa Pinto ouviram por se oporem à geringonça e avisarem com que esquerdas estavam a assinar. Lembram-se dos "traidores", "neoliberais do PS" e "vendidos à direita" que lhes atiravam? É que alguns dos que então os aplaudiam (até havia o jargão "Assis, salva o país") viraram-se agora indignados contra a "direita de que a esquerda gosta".
 
Francisco Assis demite-se de cargo europeu após ser impedido de falar pelo  PS - Política - Jornal de Negócios
 
É fantástico ver como a falta de memória gera os oportunismos mais descarados. E também tem o seu quê de divertido.