sábado, outubro 31, 2015

Nas legislativas elegem-se governos



As eleições legislativas servem para eleger os deputados, ouve-se incessantemente em toda a parte. Um equívoco formal. Se assim fosse, o poder executivo não estaria condicionado pelo Parlamento nem os líderes partidários se apresentariam como candidatos a primeiro-ministro.


Se até à revisão constitucional de 1982 podia haver governos de maioria presidencial, como aconteceu em fins dos anos setenta, a partir daí essas hipóteses esvaziaram-se. Caso algum PR tivesse essa veleidade, ela seria imediatamente chumbada no parlamento, tal como o governo que agora tomou posse deverá ser. Apenas Eanes nomeou governos por sua iniciativa. Todos os outros depois dessas experiências saíram directamente de eleições, com excepção do de Santana Lopes, em 2004. Todos os governos minoritários viram passaram o seu programa quando apresentado na AR.


É precisamente a nomeação de Santana de que me recordo quando vejo tantos adeptos da "maioria de esquerda" dizerem que "a maioria parlamentar é o único garante dum governo estável". Será? Quando o presidente Jorge Sampaio tomou a decisão em mãos, tinha toda a legitimidade para dissolver o Parlamento e convocar eleições. Durão Barroso tinha saído abruptamente, com a popularidade em baixa e o pretexto perfeito, e impôs para o seu lugar o então presidente da câmara de Lisboa, que nem eleito deputado tinha sido, ao invés de propor Manuel Ferreira Leite, Ministra de Estado e das Finanças e nº2 daquele governo. A solução mais avisada e que colhia mais apoios era a convocação de eleições, mas Sampaio preferiu chamar o actual responsável pela SCM de Lisboa para formar governo. Uma solução controversa e duvidosa, mas ainda assim legítima. Boa parte da esquerda, acusou-o de traição (à esquerda), Ferro Rodrigues demitiu-se furioso com a decisão, e ouviram-se coisas como "a democracia está em perigo", ou "o 25 de Abril acabou" (desse vulto da liberdade chamado José Saramago), para não falar de tiradas de mau gosto relacionando a morte súbita de Maria de Lurdes Pintassilgo (horas depois) com a decisão presidencial. Porquê? Porque, segundo diziam, aquele governo não tinha sido sufragado pelo povo, ainda que o fosse por uma maioria parlamentar (além da "traição" de Sampaio, aos ideais de esquerda). Precisamente o argumento oposto ao que utilizam hoje. Isso e o de que Cavaco teve um discurso de "líder de uma seita de direita". O discurso do PR revelou-se muito longe de quem pretende ser o chefe de estado de todos os portugueses, é verdade. Mas muitos dos que o criticam hoje queriam que Sampaio tivesse tido idêntica atitude no sentido inverso.

A ideia de que um governo é efectivamente eleito não só resulta de uma convenção tácita mas também da própria CRP, que impede na prática a constituição de governos de iniciativa presidencial e dispõe que eles são formados com base nos resultados eleitorais. Acresce o facto do sistema eleitoral português ser pouco favorável a maiorias absolutas. Como defende a direita agora e defendeu a esquerda há onze anos, o governo resulta das eleições e sobretudo da formação mais votada. É pela ambição desmesurada de poder a todo o custo que se dão estas crispações políticas. Não que elas não sejam necessárias e por vezes desejáveis. Mas escusavam de surgir no meio destes golpes palacianos. Ao menos em momentos como a questão do aborto defendiam-se valores a sério, por maior que fosse a discussão. Aqui, vemos o cinismo da direita, à beira de perder o escasso poder  que ganhou nas eleições, embatendo na hipocrisia da esquerda, que já acha que as maiorias parlamentares têm valor absoluto e que se permite que pessoas como Catarina Martins façam declarações como "este governo acabou", como se fosse a ela que lhe competisse dizer isso. Pelo meio, a extraordinária declaração de que "empossar um governo de Passos Coelho é uma perda de tempo", contrastando com o tão apregoado respeito pelo parlamento, como se estivesse tudo definido antes do programa de governo ir a plenário, e demonstrando um total desrespeito pelas instituições, o que só demonstra que a esquerda radical permanece igual a si própria, e que na luta pelo poder, não é melhor do que a direita a que tanto se atira (nalguns casos até é pior, como quando vem a sua "superioridade moral").

Ironicamente, a primeira prova de uma estranha união das esquerdas foi a eleição para Presidente da AR de Ferro Rodrigues, exactamente o homem que se demitiu das suas funções partidárias por entender que o presidente da República de então o tinha traído e aos seus princípios ideológicos.

terça-feira, outubro 27, 2015

Levantar a cabeça




Não tenho falado muito do meu Benfica, mas os tempos não estão para grandes comemorações. A equipa comandada por Rui Vitória já tinha um penoso currículo de jogos fora de casa (tirando o inesperado mas espantoso triunfo em Madrid, no Vicente Calderon), mas na Luz somava os jogos por vitórias. Só que a derrota do último Domingo, quando mais precisávamos de ganhar, lançou sérias dúvidas sobre a equipa, o treinador, as suas capacidades e o futuro próximo. Os sinais de recuperação esfumaram-se com o nevoeiro da Madeira, que adiou o jogo com o União, seguido de uma tremida passagem na Taça frente ao Vianense, uma derrota em Istambul com erros parvos, mas enfim, dado o ambiente e o adversário, desculpável, e agora o desastre em plena Luz, frente ao Sporting de Jesus, que urgia vencer, e sobretudo do infame Bruno de Carvalho, um dos mais nocivos elementos do dirigismo do futebol português que me lembro de ver. Até porque aquilo deveu-se mais a demérito próprio do que a um portentoso jogo dos lagartos. Afinal que é que se passou? Uma diferença assim tão abissal dos planteis? Má táctica? Jogadores temerosos de Jesus? Um jogo táctico perfeito deste? Tudo um pouco, e ainda sorte para o Sporting e o natural desalento para os nossos, já de cabeça noutro sítio, como se pôde ver por aquilo que seria o autogolo mais patético que me lembro de ver desde um Rosenborg-Olympiacos, não fosse a estirada de Júlio César.

O desastre não podia vir em pior altura pelas razões atrás ditas, e numa altura de turbulência de jogos, com campeonato, taça e Liga dos Campões a sobreporem-se, e com jogos em atraso. Para mais, o próximo embate para a Taça é exactamente em Alvalade, frente ao mesmo Sporting, numa altura em que também tem a decisiva recepção ao Galatasaray. Com um plantel limitado e alguns jogadores de fora (quem diria que a falta de Nelson Semedo seria tão sentida), não se prevê um mês memorável. A não ser que o orgulho venha acima, e conjuntamente com alguma cabeça, diferentes disposições tácticas e alguma sorte, se possa atirar esta triste recordação para trás. Depois de ultrapassarmos os traumas com o Porto, era o que faltava ficarmos com outros com o Sporting. Uma vitória em Alvalade seria o melhor tónico. Afinal, quem ganhou na casa do Atlético de Simeone pode ganhar em muitos outros recintos. Mas terá de suar muito para o conseguir. A tarefa é hercúlea, sobretudo a psicológica, mas não impossível. Há alguns jogadores que têm de levar umas reprimendas, outros que deviam passar pelo banco (estou a pensar em Luisão, e para isso mesmo é que lá está Lisandro, que cumpre o papel às mil maravilhas), e outros ainda que podiam jogar mais, além do citado Lisandro (Cristante, por exemplo). Alguma coisa terá de ser feita, e é agora que Rui Vitória precisa de mostrar o que realmente vale.
Para os apaniguados de Bruno Carvalho, que acham que nada os travará, e que terão de recuar muito tempo para recordar triunfo semelhante (já há comparações com o bojudo mas inútil 7-1), recordo-lhes que também em tempos de Vale e Azevedo o Benfica ganhou em Alvalade por 4-1. Caso haja dúvidas, a comparação de presidentes não é forçada.

quarta-feira, outubro 21, 2015

O regresso ao futuro com o "Grande Educador"



Hoje, 21 de Outubro de 2015, é o célebre dia em que Marty Mcfly chegou ao futuro, vindo dos longínquos anos oitenta. Não há os carros voadores, skates propulsores, alimentos cozinhados por hidratação previstos pelo filme, e a saga Tubarão há muito que acabou. Pelo contrário, se esteticamente e nos elementos superficiais as coisas nem mudaram assim tanto, a revolução das comunicações e da net mudou a forma de nos interligarmos, como seria impossível, à data, de prever.


O que certamente não se imaginaria nos anos oitenta é que trinta anos depois Arnaldo Matos, o "grande educador da classe operária", estaria de volta para liderar (ou educar?) o MRPP, que quase não mudou nos últimos quarenta anos, a não ser pela saída de militantes que entretanto ganharam notoriedade.

Nos últimos dias tem sido um corrupio no velho partido maoísta, que nestas últimas eleições se destacou pelo slogan "morte aos traidores!" e por ter o médico Pinto da Costa como mandatário nacional. Agora, os comunicados do seu site lamentam os fracos resultados eleitorais, suspendem os membros do Comité Central do partido e o secretário-geral por "incompetência, oportunismo e anticomunismo primário", e marcam um congresso extraordinário para breve. Tudo assinado pelo "camarada Espártaco" (o nome é de antologia) com auxílio da "camarada Marta", e rematado com o potente "Morte aos traidores!". Ao que tudo indica, Garcia Pereira será um dos dirigentes suspensos.

Entretanto, no jornal, agora online, do partido, o Luta Popular, os editoriais têm sido assinados pelo mítico Arnaldo Matos, que não se coíbe de comentar a actualidade política, e não é particularmente meigo com os partidos representados na AR, muito menos com a esquerda e com um eventual governo formado por PS, BE e PCP. Ao que tudo indica, as tumultuosas movimentações dentro de velho partido terão mesmo a ver com um eventual regresso do próprio Arnaldo Matos à liderança. Ou seja, se a linguagem, os propósitos e a estética e o grafismo já eram devedores dos anos setenta, só faltava mesmo lá recolocar o líder carismático que há muito se tinha afastado para se dedicar à advocacia. Definitivamente, a esquerda em Portugal movimenta-se.



Se a moda pega, poderemos ver Jorge Sampaio e Vítor Constância a enfrentarem-se para substituir António Costa, caso a este as coisas não lhe corram bem (só porque Soares talvez não esteja disponível); ou Cavaco, quando sair da presidência, disputar o PSD com Balsemão, se Passos também sair. Portas poderá ser substituído por Freitas do Amaral, enfim de regresso ao CDS, quiçá com a oposição de Adriano Moreira. Jerónimo pode estar ameaçado por Carvalhas, Catarina Martins por Louçã ou Mário Tomé, Paulo Estêvão (PPM) ou José Inácio Faria (MPT) por Gonçalo Ribeiro Telles, o general Eanes a reconstituir o PRD com Hermínio Martinho e Pedro Canavarro, e assim sucessivamente. Nada como os clássicos. É bem verdade quando dizem que o retro está na moda.

terça-feira, outubro 20, 2015

A questão do financimento dos partidos (com agradecimentos e desejos de boa sorte ao Livre).



Um pormenor de que pouco se falou na sequência das eleições, excepto como piada ao Livre, é a questão da subvenção dos partidos.


O Livre/Tempo de Avançar, com fundadas expectativas de eleger deputados, gastou mais de cem mil euros na campanha. Como se sabe, as contas saíram furadas e o movimento nem elegeu representantes nem chegou à barreira dos cinquenta mil eleitores, o mínimo para se receber uma subvenção anual por parte do estado e que liquidaria esse montante. Assim, teve de procurar outros meios para o fazer, com uma espécie de peditório aos seus apoiantes para que contribuíssem para o pagamento. Uma opção que deu origem a alguns remoques trocistas, como a pergunta se não queriam renegociar a dívida, entre outras. Não me parece que o Livre pudesse fazer nada de muito diferente: todos esperavam que metesse ao menos um deputado, e que ficasse com fundos para se ressarcir; as expectativas foram goradas, e por isso recorreram ao crowdfunding. Nada de especial nem criticável.

Mas a notícia deveria servir para repensar o financiamento dos partidos, que continuam a depender sobretudo do financiamento público. Ao todo, e anualmente, os partidos que elegeram representantes para o Parlamento ou que tiveram mais de cinquenta mil votos (casos do MRPP e do PDR) vão receber mais de 14 milhões de euros, aos quais se juntam mais 6,8 de subvenção para as campanhas. Mas este último valor cabe apenas aos partidos com aquele determinado número de votos. Os outros, como o Livre ou o MPT, ficaram excluídos. Assim, os partidos da Coligação receberão por ano perto de 6 milhões de euros, o PS 5 milhões, o Bloco 1,6, os partidos da CDU 1,3, o PAN 2,12 mil euros, e o PDR e PCTP/MRPP cerca de 170 mil casa um (sem contar com a tal subvenção de campanha). Mesmo assim, esse valor já baixou em relação a 2011...

Uma das propostas do MPT (e de outros partidos, incluindo o MRPP, em tempos) era o fim deste financiamento público. É óbvio que o financiamento privado pelos  apoiantes correspondentes tem os seus perigos, sobretudo de pessoas colectivas. Mas dever-se-ia estabelecer definitivamente uma norma que apenas permitisse que particulares singulares, à parte as quotas dos filiados, contribuíssem para os partidos, com respectivas contas descriminadas e sujeitas a recibo, e previamente escrutinadas pelas entidades competentes. O único financiamento público seria uma subvenção de campanha, extensível a TODOS os partidos, tendo em conta, aí sim, o número de votos e os gastos com as respectivas campanhas, de forma proporcional (claro que não se contam aqui os gastos dos eleitos para cargos públicos no desempenho das funções, como as da organização dos grupos parlamentares). Dessa forma, poupava-se o estado a mais gastos, permitia-se que partidos mais pequenos tivessem também alguma ajuda e estabelecia-se um sistema controlado de financiamento privado. Teria os seus riscos, mas seria bem mais justo e menos oneroso para os contribuintes do que o actual. Fica-se sempre a imaginar o que farão o PDR e o MRPP com os actuais 170 mil euros anuais. E percebemos como pode o PCP controlar toda aquela organização (e manter sedes como a da antigo Hotel Vitória, em Lisboa, ou a do prédio  feito de raiz na avenida da Boavista, no Porto), fazer marchas e organizar inúmeros comícios se lhe acrescentarmos o pagamento mais apertado que os seus representantes lhe fazem. O ideal seria que estes fossem os únicos e que não se dependesse sobretudo dos meios do estado.

terça-feira, outubro 13, 2015

Os cem de Ankara valem menos os 16 de Paris?



Fico pasmado quando, depois de no início do ano os noticiários dedicarem horas e horas aos atentados em Paris, de vários chefes de estado e de governo se juntarem em marchas "pela liberdade de expressão" e de até se inventar o bordão "Je Suis Charlie" (que provavelmente poucos compreenderão a sério), se dê tão pouco tempo de antena aos enormes atentados que houve em Ankara. Estamos a falar de um país importantíssimo, em parte europeu, onde foram mortas quase cem pessoas e várias centenas ficaram feridas. Não é propriamente um acidentezinho doméstico. É um ataque el larga escala à população civil de um estado fulcral entre o Médio Oriente e a Europa. Não devia ser tão noticiado como o que aconteceu em França?

domingo, outubro 11, 2015

A "maioria de esquerda"


A propósito das negociações para formar governo e dos contactos que o PS tem mantido à sua esquerda, com a possibilidade real de fazer um acordo com os respectivos partidos representantes, refere-se a eleição de "uma maioria de esquerda" no Parlamento. A história dessa tal "maioria de esquerda" que supostamente vai votar em massa contra um governo de direita já enjoa. De que "maioria de esquerda" é que estão a falar? Da que ganhou a câmara de Lisboa entre 1989 e 2001? É a única que conheço. Basta ir a 1975 para perceber que tudo isso é uma ficção. Só talvez um partido como o Livre se poderia coligar com o PS, isto se tivesse tido apoio eleitoral para isso. A esquerda tem várias naturezas, completamente diferentes entre si, e por isso a apregoada "maioria" é uma história da carochinha. Senão, porque é que não haveria apelos para que o PSD e CDS chamassem também o PNR se este tivesse representantes no parlamento?


Também ouço falar de exemplos noutros países europeus, como o Luxemburgo, ou a Dinamarca, tão bem retratada na série Borgen, em que partidos que não ganham eleições têm uma maioria parlamentar, formando assim governo e deixando de fora o partido que as ganhou. Mas posso também ir buscar os dos países da UE mais falados deste ano, a Alemanha e a Grécia. A CDU/CSU de Angela Merckel ganhou as eleições alemãs sem maioria absoluta, e viu o parceiro favorito de coligações, os liberais do FDP, ficarem à margem do parlamento, com menos de 5%. O SPD ficou em segundo. No conjunto, a esquerda contava com maioria no Bundestag - além dos sociais-democratas, há ainda os Verdes, que até já estiveram no governo, o partido esquerdista Linke (passe a redundância). O SPD preferiu fazer uma grande coligação com a CDU, como já tinha acontecido antes, sem pensar em qualquer maioria de esquerda. 
Na Grécia, como é sabido, o Syriza voltou a ganhar as eleições de Setembro, já despojado da sua ala mais radical. Ficou a seis deputados a maioria absoluta. Tinha várias opções à esquerda, como a coligação onde está o PASOK, os comunistas ortodoxos do KKE, ou o centro-esquerda do To Potami, Preferiu reeditar a coligação com a direita nacionalista do ANEL, de Panos Kammenos, que entrou à justa no parlamento. Também aqui se estiveram a borrifar para uma qualquer "maioria de esquerda", quando teriam toda a legitimidade e força para o fazer. E claro, recordar que em França há um acordo tácito de que a Frente Nacional não receberá apoios da ex-UMP (a direita gaulista e "republicana", como aliás agora tem na designação), e o PSF também não parece inclinado a acordos com a Frente de Esquerda de Mélenchon.

Esquerda e direita continuam a fazer sentido. Mas melhor será falar em "esquerdas" e "direitas", porque são tantas e de tantas naturezas que é impossível falar-se em unidades ou convergências. Que é que liga o PSD e o CDS ao PNR? E o PS ao PCP, o seu velho inimigo, ou ao BE? A colocação num determinado espectro é insuficiente para se poder colar este ou aquele partido. À esquerda, então, ainda se notam mais essas diferenças. Por alguma razão os republicanos perderam a Guerra Civil de Espanha, ou não tivesse o PCE tentado eliminar os trostquistas e anarquistas que combatiam do mesmo lado. Mas ainda falando de Espanha, o recente exemplo da ida de Felipe González à Venezuela para defender opositores políticos presos, sob os insultos e os entraves do regime de Maduro, é bem um exemplo do que pode distinguir a esquerda democrática da radical. é bom lembrarmo-nos disto quando voltarmos a ver o PCP a justificar e defender o actual regime venezuelano.

segunda-feira, outubro 05, 2015

Notas breves das eleições



Ainda na ressaca do meu dia de estreia nas mesas de voto, deixo as seguintes notas:


- Há um ano, António Costa alcandorava-se a líder do PS e andava nas nuvens, os partidos do governo estavam condenados a uma inapelável derrota e o BE a um apagamento progressivo, em detrimento do Livre. Tudo mudou, o que mostra que uma campanha inteligente e sem erros pode fazer milagres.


- Portas teve um discurso cínico, ao seu tom. Passos um discurso de vitória humilde e positivo, a abrir as portas ao PS. Bom sinal.


 - Costa pareceu entrar no palco derrotado, para a pouco e pouco recuperar e afirmar que se mantém à frente do PS. Lançou alguns sinais de que poderá viabilizar algumas soluções com o governo. Sai derrotado mas não morto politicamente. O mesmo sucedeu a Durão Barroso (também ele um "desejado") em 1999, e não muito tempo depois era primeiro-ministro. Veremos se à desilusão sucede a resistência.

- O MPT ficou muito aquém do que pretendíamos. Sem grandes meios materiais e humanos e com uma comunicação social pouco atenta (exceptua-se a TSF), os resultados desiludiram, mas ainda assim ficou acima de formações como o Nós, Cidadãos! e o Agir.

-Dos partidos emergentes, só o PAN, incrivelmente, sobressaiu, ao conseguir um lugar na AR. Como os animais não votam, ignoro qual seja o eleitorado desta formação. Mais incrível é que o LIVRE, tão apoiado por inúmeras figuras públicas e que pretendia tomar o lugar do BE e ser um parceiro de esquerda menos radical para o PS, fica à porta do Parlamento com resultados desoladores. Vá lá, o PDR também falhou o objectivo. Sem representação e dependente dos humores do seu mentor, é de duvidar que este partido dure muitos anos.



-O Bloco elegeu 5 deputados no Porto (efeito da nova Catarina Martins). Com a rotatividade que costuma haver com os seus deputados, é bem provável que o 6º da lista, o actor Mário Moutinho, vá um dia destes parar à AR. Lembram-se dele? Ficou mais conhecido por protagonizar uma série dos anos noventa chamada "Os Andrades".



Mais tarde deixo uns testemunhos mais pessoais sobre estes dias e uma opinião mais demorada sobre os resultados.

sábado, outubro 03, 2015

Nacionalismos com pouca base histórica



Na sequência das eleições regionais/referendários na Catalunha, que deixaram as reivindicações independentistas em banho-maria, recordo que com tantas pulsões secessionistas por essa Europa fora, as de Espanha são exactamente casos que não correspondem a antigos estados, ou então são casos perdidos no primeiro milénio da nossa Era.


O Condado da Catalunha é uma reminiscência dos fins do primeiro milénio, resultante da Marca Hispânica, e que se integrou no Reino de Aragão, que por sua vez se uniria a Castela e Leão na sequência do casamento entre Fernando e Isabel, formando a moderna Espanha. Revoltou-se por diversas vezes contra os impostos e as condições de Madrid, em 1640, quando pela primeira vez se falou numa "república catalã", na Guerra da Sucessão de Espanha, em que apoiou a Casa de Áustria contra Filipe de Anjou (que venceria, instalando os Bourbons no trono), e nas duas breves repúblicas espanholas. Sempre teve pulsões autonomistas e separatistas, mas as breves concretizações duraram muito pouco, não sendo mais que realidades efémeras e falhadas.


O Reino da Galiza é mais um nome honorífico e identitário do que a memória de um real estado. Há quem atribue esse nome ao Reino Suevo, sediado em Braga, e ao reino que se desenvolveu a partir das Astúrias. Na realidade, e embora se possa dar esse nome ao reino dos suevos, o antigo território do Noroeste peninsular é mais conhecido pelo nome do povo que o habitou. Quando ao que surgiu no Séc. VIII, a designação comum é Reino das Astúrias, que depois evoluiu para o Reino de Leão. Numa ou noutra ocasião, ressurgiu o Reino da Galiza, sobretudo como divisão feita pelo soberano entre os príncipes para evitar guerras internas, numa época em que a concepção de estado era bastante diferente da de hoje e era sobretudo o território de um Senhor. A Galiza, apesar de uma forte identidade cultural, acompanhou efectivamente a construção de Espanha, como parte do Reino de Leão, que em 1230 se uniu a Castela, e que nos séculos XV e XVI complementaria as uniões com a junção, por casamento, a Aragão, e a conquista de Granada e da Navarra.


E o País Vasco é o nome que se dá actualmente às províncias Vascongadas, que sempre foram castelhanas, mas que com a expansão da língua basca criaram, com outros elementos culturais, uma identidade própria. Mas a única antiga entidade estatal da região chama-se Navarra, e apesar de muitos bascos a considerarem como parte integrante do Euskadi e de haver falantes de basco na região, a grande maioria dos navarros não é adepta da solução independentista basca. Recorde-se que durante a Guerra Civil de Espanha, a Navarra era um dos bastiões dos nacionalistas, com as suas aguerridas tropas de requetés carlistas, inimigos mortais dos autonomistas bascos.

 (Mapa da Península Ibérica em meados/fins do Séc. XV).

É curioso verificar que estas pulsões separatistas tem mais incidência em Espanha do que noutras partes da Europa. Mas a Escócia também reclama a separação do restante Reino Unido, e há um ano a independência esteve quase a ganhar o referendo. Mas a Escócia era efectivamente um reino independente, que entre algumas anexações pela Inglaterra, só se lhe uniu definitivamente (e por vontade própria) em inícios do Século XVIII. Ou seja, a legitimidade história para obter a independência é muito maior do que a de qualquer região de Espanha. E se há outras regiões com pulsões separatistas sem grande base em antigos estados, casos da "Padânia", da Córsega ou do Ulster, outros há que foram estados reais , duradouros e poderosos, como Veneza, a Baviera,  e a Flandres. curiosamente, nunca ouvi falar de movimentos independentistas numa região que chegou a ser, durante a maior parte da Idade Média, um dos estados feudais mais importantes da Europa Ocidental: a Borgonha.


sexta-feira, outubro 02, 2015

Fim de campanha



A campanha está a acabar. Os partidos dão as últimas, fazendo as arruadas nos grandes centros urbanos, os comícios para apelar desesperadamente ao voto, lançam as últimas cartas, que nunca podem ser notícias bombásticas que soariam a oportunismo e demorariam a digerir, espalham os seus militantes por toda a parte.

Hoje pude ver ao meu redor um bom exemplo do funcionamento de uma grande máquina partidária. Na estação de metro da Trindade, onde o MPT se dirigiu o propósito da sua posição oficial crítica perante o ajuste directo feito pelo governo (á pressa e sem informar as autarquias) para a concessão dos serviços do Metro do Porto, o PS tinha três bancas para distribuição de propaganda e canetas, duas carrinhas, um autocarro de dois andares a expelir discursos de António Costa, inúmeros militantes, muitos deles da JS, com t-shirts próprias, a distribuir panfletos, ou seja, toda a capacidade de um partido grande e com meios. O contraste com a distribuição de panfletos do MPT era enorme. Tratando-se do PS, fazem justiça ao seu plano de "acabar com a austeridade".

Os grandes partidos são assim. O encontro de arruadas de ontem, na baixa do Porto, mostrou isso mesmo. A Coligação, juntando o CDS ao PSD, ainda teve mais militância. A CDU tem o empenho dos seus militantes e funcionários. O Bloco também tem os seus meios, embora a imaginação de outrora pareça um pouco gasta.

Na falta de meios e militância, os que não têm representação parlamentar precisam de mais engenho. Assim, o Partido da Terra, apostou na Campanha "Gonçalo", distribuindo bonecos em que nasce erva em lugar de cabelo, aos quais deu o nome do fundador do partido, Gonçalo Ribeiro Telles, em operações que chamassem a atenção ao público, como as arruadas ecológicas em tuk tuks ou a faixa pedindo a recuperação da ponte Dona Maria Pia.
O Livre apostou nas inúmeras personalidades que o apoiaram, mesmo que algumas não sejam tão conhecidas do grande público. O PDR aposta tudo em Marinho "e" Pinto e em métodos tradicionais, como carros de som, o PNR no medo dos refugiados, fazendo encenações de mulheres de niqab pelas ruas de Lisboa (há mesma imensas refugiadas com tais vestimentas...), O PCTP/MRPP nas frases sonoras, o AGIR nos sucessivos streap-teases de Joana Amaral Dias e em manifestações encapotadas contra o governo (como aquelas dos inquilinos que era encabeçada por Daniela Serralha, nº 3 por Lisboa pelo AGIR, coisa que ninguém se lembrou de referir), o PPM no mediatismo e à vontade de Gonçalo da Câmara Pereira, etc.

Se se confirmarem as sondagens, o PS perderá com uma percentagem de 80% por sua culpa. Campanha errática, confusa, com aqueles suicidas "amigalhaços do BPN" ou "se perdermos, não viabilizaremos o próximo orçamento de estado". Quando se tratou de mudar a mão, era tarde. Até a afonia de António Costa, hoje, na Cervejaria Trindade, se tornou um mau prenúncio. Não aproveitou os erros e a impopularidade do governo, a vitória no debate televisivo e o falhanço recente da venda do Novo Banco. E em contrapartida, a PaF teve uma campanha bem mais profissional, embora sem rasgos de imaginação, sem grandes ondas e Passos Coelho ainda teve o bom senso de afirmar que se não ganhasse viabilizaria o orçamento de estado.

Já agora, um traço comum à esquerda: o uso das palavras "gente" e "confiança". "Gente séria", "Gente de verdade", "gente que não se vende", ou "avança, com toda a confiança" (este começa a ser um clássico da CDU) e "tempo de confiança". Gente de confiança, será a mensagem que a esquerda, involuntariamente, está a passar? Se não quiser formar um governo de conjunto mesmo que a PaF ganhe, talvez. Mas em Portugal, por razões que deviam ser óbvias para qualquer pessoa, e tirando uma situação anormal, nunca haverá qualquer "frente de esquerda".