As reacções que se observaram a umas simples palavras de Isabel Jonet na televisão há poucos dias foram das coisas mais miseráveis que tenho visto nos últimos anos. Há muito tempo que não via tanto ódio injustificado. Ainda hoje estava ouvir o Eixo do Mal, coisa que já não via há uns tempos (não admira), e a ouvir uma quase que narcotizada e blasée Clara Ferreira Alves a dizer que as declarações de Jonet eram "perniciosas e abjectas". E que disse de tão grave, Jonet, para merecer tais desaforos?
Simplesmente que "estávamos já a empobrecer"; que havia pobreza em Portugal, e não miséria, como na Grécia, situação a que não queria chegar; que não poderíamos "comer bife todos os dias"; que a "necessidade permanente de bens era irreal, e deu o exemplo de que "ou íamos a um concerto de rock ou tirávamos uma radiografia"; que muitos jovens iam a concertos quando os país comiam Nestum; que havia um desemprego sem esperança, e que havia gente que nunca mais teria lugar no mercado de trabalho e cuja solução seria montar um pequeno negócio". Basicamente, foram estas as terríveis declarações da presidente da Federação Internacional de Bancos Alimentares, que provocaram o rasganço das vestes a uma enorme matilha de ressabiados. Mas para quem quiser realmente analisar as declarações, aqui fica o video.
O modo como foram proferidas e alguns exemplos dados talvez tenham sido desastrados. Mas na substância dou-lhe toda a razão. Sem querer generalizar, porque sempre houve quem não alinhasse em loucuras, imensas camadas da população se endividaram para consumir brutalmente. Havia quem deitasse ao lixo comida só porque não a queria aquecer. O parque automóvel aumentou enormemente, os i-phones e toda a gama de Steve Jobs venderam-se que nem ginjas, assim como os plasmas, os bares e discotecas proliferaram por toda a parte, gasta-se desalmadamente em bebidas alcoólicas, o índice de possuidores de internet em casa subiu até à estratosfera, e os concertos e festivais de Verão, não exactamente a preços low-cost, estão sempre a abarrotar de gente. Poupar tornou-se sinónimo de "forretice", ou na sua versão política, de "pobreza salazarenta". E isso muitas vezes com o recurso ao crédito e ao "paga-se mais tarde".
Ou seja, Jonet limitou-se a falar dos custos desse consumismo desenfreado, e até da perspectiva de que os recursos são escassos, coisa que qualquer criancinha percebe. E a antecipar um futuro de menos consumo e mais dificuldades, que é o que nos espera pelo menos nos próximos anos. E ainda que não se quisesse prestar atenção, ou se discordasse por qualquer razão, eram meras palavras, como as que ouvimos quotidianamente.
A chuva de ácido odioso que se seguiu revelou que Jonet pôs o dedo na ferida. Mas também constituiu uma janela de oportunidades para que os detractores do Banco Alimentar e associações similares, mas sobretudo o Banco, que é a mais mediática e representativa, a aproveitassem. A extrema-esquerda mais lunática (não pôr no mesmo saco a esquerda lúcida, que
não confundiu o essencial) lançou uma campanha rancorosa, cobrindo Isabel Jonet de insultos, usando a habitual linguagem da "tia de Cascais" que "usa a caridadezinha que dá um caldinho aos pobrezinhos" para se promover". Querem exemplos? Alguns deles
do mais rasca possível, outros dos
inevitáveis lambe-botas socráticos citando a ex-primeira companheira, e isso para não falar no que passou nas redes sociais e nos fóruns. A dita extrema-esquerda não só desdenhou do enorme trabalho do Banco Alimentar como chegou a passar a ideia de que era uma negociata, que as pessoas que lá trabalham levam comida para casa, e, absurdo dos absurdos, que "enriqueciam com o negócio da pobreza", embora não tenham explicado como é que se enriquece trabalhando como voluntário.
A fonte sabe-se qual é. As primeiras atoardas partiram de uma "académica" de seu nome Raquel Varela, escriba no famoso albergue de doidos estalinista que dá pelo nome de
Cinco Dias, onde se tecem louvores a tudo quanto é regime tirânico neste mundo e ainda se acredita nos "amanhãs que cantam". Varela enviou uma "
carta aberta" onde, entre outros delírios, se diz que "(Jonet) é co-responsável pela fome em Portugal" e que "A fome é um problema cuja origem reside única e exclusivamente no sistema capitalista". Ficámos então a saber que A Coreia do Norte e a URSS são dos regimes mais capitalistas que a humanidade já conheceu.
O Joaquim tomou logo a dita "historiadora" pela pinta. Não sei se por ânsia de protagonismo ou se por fanatismo ideológico, daí partiram os primeiros ataques a Isabel Jonet, numa campanha concertada com outros grupos, como um tal "Movimento sem Emprego", que lançou outra "
carta aberta" no mais piroso estilo neo-realista (não gosto de dar publicidade a grupelhos que não a merecem, mas o link tem de ser), ideológico até ao tutano, acusando-a de ser "rica e previlegiada", de "promover a miséria", de "lavar o sangue que lhes escorre das unhas", que os seus pais e avós "lhe aviavam a mesada". Percebe-se pela indigência presente por que é que estão sem emprego (que empresa quereria contratar gente desta?), mas eu tive acesso à "carta" via e-mail e testemunhei a imensa hipocrisia deste movimento: pediam no fim doações para custear a sua "luta", e como exemplificaram, panfletos, manifs, e sabe-se lá que mais. Em lugar de procurar emprego e de constituir uma rede nesse sentido, o grupo prefere gastar o dinheiro em manifestações e insultos, ao mesmo tempo que critica o Banco Alimentar.
Mais patético ainda são as petições que pedem a demissão de Isabel Jonet. Pergunto-me como é que se pode pedir que alguém se demita de uma instituição privada sem fazer parte dos corpos sociais, ou pior ainda, quando se ataca essa mesma instituição. E estarão a falar apenas de Portugal ou também de toda a Europa, visto que a coordenadora não só o é em Portugal como também está à frente da Federação Europeia dos Bancos Alimentares? É que não me parece que as pessoas por essa Europa fora estejam dispostas a aturar os desaforos dos esquerdistas radicais e dos"camaradas" aqui da terra. Sorte a deles.
A confirmação da origem política desta perniciosa campanha contra o Banco e Isabel Jonet veio enfim de Francisco Louçã, que usando a demagogia radical que lhe é característica, perguntou se eles é que eram radicais
"quando criticavam as declarações do movimento nacional feminino a brincar à caridadezinha". Além de comprovar todos os tiques e linguagens da extrema-esquerda e de onde partiu o ódio, no seu habitual papel de inquisidor trotsquista, vendo salazarismo em toda a parte , como se tivesse parado nos anos setenta, "
brincando à demagogiazinha", Louçã respondeu à sua própria questão.
Compreende-se a raiva a quem pratica Caridade (ou "caridadezinha", como eles dizem): um somatório de gente a morrer à fome acirra os ânimos e permite maiores protestos e convulsões sociais, quando não a tão almejada "revolução". Além disso, acha-se que estão a fazer campanha desleal, porque eles é que se preocupam com as "massas" (embora nunca estejam presentes nos bairros sociais) e com as "medidas estruturais" (quais são, já agora?) para resolver os problemas de carência. Haver quem alimente os mais desfavorecidos obviamente só pode causar rancor a esta gente. Além do mais, a liberdade de expressão é acima de tudo um veículo para expressarem a sua ideologia. Quando os outros dizem algo que a contrarie, vêm à tona os instintos totalitários e dá-lhes para isto. Eis a moral de quem provavelmente nunca ajudou os mais pobres para insultar quem o faz.
Sou voluntário do Banco Alimentar desde meados dos anos noventa. Fiz campanha em vários sítios, e, tal como os outros voluntários, nunca recebi nada, excepto o pequeno lanche que se dá no fim do trabalho de armazém. As acusações da maralha dos fóruns da net são por isso falsas e próprias de quem nada tem para fazer ou não sabe como expulsar as frustrações, e mostram bem a maledicência e espírito viperino deste país. Nunca conhecia Jonet nem simpatizo particularmente com a sua imagem e com algum do seu protagonismo, mas não lhe nego o enorme mérito de ter encabeçado o Banco em tempos de enorme consumo, quando parecia já não haver gente com fome, coisa de que os críticos se esquecem. É uma instituição louvável, meritória, insubstituível, que merece o máximo apoio. Está impecavelmente organizada, com distribuição à medida dos pedidos das entidades intermédias que requerem ajuda, e faz vigilâncias constantes para verificar se a esta é bem distribuída. Recebe alguns apoios de empresas e da União Europeia para ajudas de custo, armazéns e transportes. Espero que as declarações de Jonet não prejudiquem o Banco. Há quem diga que "depois disto" nunca mais ajuda a instituição. É duvidoso que muitos tenham realmente ajudado, e revela bem que há quem coloque a ideologia à frente de quem tem fome. Se é para isso, não dêem nada, a bem da coerência.
A única forma de contrariar o ódio, o egoísmo, a má-língua, a hipocrisia e a demagogia é fazer com que a campanha do Banco alimentar, nos próximos dias 1 e 2 de Dezembro, seja um êxito ainda maior. Para que acima de tudo aqueles que precisam possam manter a sua dignidade.