quinta-feira, dezembro 31, 2015

A srª Varoufakis, a aspirante a common people, uma das melhores histórias do ano



Uma das revelações mais divertidas do ano terá sido a de que a inspiração de Common People dos   Pulp não só era real como adquiriu imenso mediatismo neste ano que acaba. A rapariga grega que had a thirst for knowledge, que studied sculpture at Saint Martin's College", cujo  her Dad was loaded e que queria to live like common people era, segundo a imprensa grega e a britânica, tão só Danae Stratou, a muito elegante mulher do ultra-mediático ex-ministro das finanças grego Yanis Varoufakis, umas das figuras mais em voga de 2015. tudo se conjuga: a sua passagem pela Saint Martin´s College nos anos oitenta (que confere com a idade), onde estudou escultura, o facto de ser filha de um abastado empresário grego, e sobretudo o facto de ter conhecido o vocalista e letrista dos Pulp, Jarvis Cocker, nesse período. Quis o destino que a música se tornasse em meados dos anos noventa no maior êxito dos Pulp e numa das grandes músicas da Britpop, superior à grande maioria, e numa fonte de inspiração para classes médias-baixas britânicas que aspiravam a algo mais. E que também Danae Stratou se tornasse numa artista plástica com algum reconhecimento internacional e que se casasse com Varoufakis, que se tornaria conhecido pela sua atitude (e pela imagem que criou, reconheça-se). Uma bom trabalho de investigação ou simples lembrança levaram ao enigma. Stratou não confirma nem desmente, antes manda a bola para Cocker, que sobre o assunto permaneceu mudo. A "musa" grega chegou a vir a Portugal há uns meses, ver a bienal de Cerveira, curiosamente a poucos quilómetros de Paredes de Coura - local onde tive o prazer de ver os Pulp e Mr. Jarvis a tocar ao vivo em 2011, e como não podia deixar de ser, a interpretar Common People, deixada para o fim para delírio do público - mas nenhum jornalista português ou galego perguntou o que quer que fosse. a inspiração de Stratou para o single dos Pulp é assim uma das boas histórias que 2015 nos trouxe.










Ficaram outros assunto para explanar aqui, mas deixo-os para Janeiro, ou seja, para daqui a pouco. Boas entradas e um bom 2016 para todos.

quarta-feira, dezembro 30, 2015

Natal e tradições


Passou-se o Natal, mais uma vez. Os habituais encontros à volta da mesa, reencontros com familiares, publicidade e cores da época, etc. Infelizmente os dias não são de alegria para todos - para os que perdem um familiar em plena véspera de Natal por exemplo (como é que se festeja a quadra depois disso?). Enfim, acrescente-se o encontro com locais onde há muito quereríamos ir, e que parecem esconder-se misteriosamente atrás de um nevoeiro que substitui a neve e a chuva da quadra. Ou com tradições ancestrais, semi-pagãs, de comemoração do solstício de inverno à volta de enormes fogueiras, hoje reproduzidas nos madeiros que em certas regiões não faltam em nenhuma localidade.





Tradição única, para além do madeiro, é a que existe em Aldeia Viçosa, no vale do Mondego. Certa benemérita do Séc. XVII, crê-se, deixou em testamento que aos habitantes da aldeia (que na altura tinha o menos airoso nome de Porco) fosse distribuído todos os anos, no dia a seguir ao Natal, castanhas e vinho, em troca de uma missa pela sua alma. Os seus bens não pagaram indefinidamente a oferta, mas a tradição manteve-se graças à junta de freguesia e a alguns patrocinadores e todos os anos um grupo de rapazes da freguesia sobe ao campanário da igreja matriz, iça uns sacos de castanhas e lá do alto distribui (eufemismo para dizer que alveja) as castanhas pelos populares. Diga-se de passagem que quem quiser apanhar algumas terá de enfrentar umas valentes castanhadas em cima. Depois, acompanhados por grupos de música e ao lado do madeiro que ainda conserva brasas, distribui-se o vinho devido, além de azeite da região. Às seis da tarde, remata-se a tradição, com uma missa por alma da velha de quem nem os registos paroquiais conservam o nome. Mas o seu acto e a sua dádiva mantiveram-se ao longo dos séculos, até hoje.






domingo, dezembro 20, 2015

O regresso do multipartidarismo em Espanha


As eleições que prometem abalar o sistema representativo em Espanha estão à porta. Muito se tem falado no fim do bipartidarismo. Nada de errado, já que há mais de 30 anos que o PSOE e o PP, antes AP, têm dominado largamente a política espanhola, com melhores ou piores resultados. Mas isso nem sempre aconteceu no actual regime monárquico constitucional. Nas primeiras eleições, embora já houvesse dois partidos dominantes, não havia um tamanho oligopólio. A UCD ganhava com maioria relativa, o PSOE ficava um pouco atrás, e o PCE a a AP tinham resultados honrosos, embora aquém do que planeavam. Na recente biografia de Paul Preston sobre Santiago Carrillo, que já folheei, o velho líder comunista achava que o grande confronto seria entre o seu partido, símbolo da oposição ao franquismo e com militantes aguerridos (e o regresso da mítica Pasionária), e o de Fraga Iribarne, representante de saudosistas do regime anterior.  Ganharia a UCD de Suárez as duas primeiras eleições, seguida do PSOE do jovem González, deixando o PCE, de imagem mais envelhecida, muito atrás. Também a AP obteve resultados abaixo dos esperados. A UCD cindiu se depois, engrossando as fileiras do PSOE e da AP, depois PP, embora durante algum tempo Suárez se tentasse imiscuir com o seu projecto centrista, em vão. O PCE, agora na Izquierda Unida, decaiu. Daí data o bipartidarismo espanhol, que tem hoje data de encerramento.

quarta-feira, dezembro 16, 2015

O Palácio da Música que nunca o chegou a ser



Já tinha falado disso, aquando dos dez anos da Casa da Música, mas volto agora ao tema, com novas imagens. Lamentavelmente, pensei que a exposição que celebra os cem anos do nascimento de Agostinho Ricca, na galeria da biblioteca Almeida Garret, ficasse até Janeiro, mas só vai estar aberta até amanhã, 17. Entre várias obras concretizadas e celebradas do arquitecto portuense, como o complexo do Foco (incluindo o antigo e excelente cinema e a igreja), um conjunto de estabelecimentos bancários, igrejas, edifícios administrativos, habitações unifamiliares, e outros com mais ou menos interesse, podem ver-se os planos da alternativa à Casa da Música, e que nunca chegou a ser do papel ou da maquete. Na realidade chamar-se-ia Palácio da Música, teria atrás de si o imenso espaço do Parque da Cidade, e não a rotunda da Boavista, e o arquitecto seria português e não holandês. Como hoje se sabe, prevaleceu o "iceberg" de Rem Koolhas. A Casa da Música será provavelmente um projecto mais bem conseguido e esteticamente mais belo do que seria o de Ricca, mas para além de ser uma ideia arrojada e corajosa, o espaço envolvente talvez compensasse. O Palácio da Música seria mais atarracado, mais brutalista, teria um impacto estético menos vertiginoso, mas o cenário de fundo do Parque da Cidade torná-lo-ia igualmente um ex-líbris portuense. Aquele que seria o último grande trabalho de Ricca não vingou, mas o edifício consagrado à música que nunca chegou a ser pode ainda ser visto amanhã, na biblioteca Almeida Garrett, ou, do mal o menos, ficar com uma ideia pelas fotografias de baixo.



Maquete do Palácio da Música, com imagem do seu mentor em segundo plano.

terça-feira, dezembro 15, 2015

Águias que são fénix


 E quase um mês depois do terror nas ruas e nas casas de espectáculo, Paris regressa à vida e retoma-a no ponto em que estava quando os terroristas entraram em cena. Os U2, que tinham cancelado o concerto em que actuariam no dia a seguir aos tentados, realizaram-no agora, e com convidados especiais. A meio do concerto, Bono Voz recorda aqueles a quem tiraram o palco na noite fatídica e a quem pretende devolvê-lo. De imediato, entram os Eagles of Death Metal e começam com People Have the Power, de Patti Smith. Como sou um dos muitos que só ouviram falar dos Eagles... e das sua incrível e irónica existência pela triste circunstância dos atentados (embora já conhecesse bem o grupo-irmão, os Queen of Stone Age, ambos expoentes da cena musical de Palm Desert), deixo a palavra a quem sabe mais disto do que eu e as imagens do regresso do grupo aos palcos parisienses, desafiando o terror e a submissão.


segunda-feira, dezembro 14, 2015

Áustria-Hungria


A propósito dos adversários do grupo que a selecção portuguesa vai encontrar no Euro-2016 (Islândia, Áustria e Hungria), lembrei-me de um episódio passado com o Arquiduque Otto de Habsburgo, filho do último Imperador austro-húngaro (que está sepultado no Funchal): quando lhe disseram que ia haver um jogo entre selecções de futebol, quis saber quem jogava; "Áustria-Hungria", responderam, ao que perguntou: "e contra quem?"

sábado, dezembro 12, 2015

O declínio dos jornais



As últimas semanas têm sido negras para a imprensa portuguesa. As más novas não são exactamente uma surpresa, embora se fique sempre com esperança de que ocorram o mais tarde possível. Mas inevitavelmente acabam por acontecer.
As aquisições de grupos de comunicação social em situação deficitária por empresas estrangeiras (sobretudo angolanas) já faziam temer um futuro sem suporte quando os novos donos perdessem o interesse. Assim, o Sol, jornal fundado por José António Saraiva para rivalizar com o Expresso de que fora director e com o qual se incompatibilizara, perdeu as ajudas iniciais do BCP e acabou por ser adquirido pela Newshold de Álvaro Sobrinho; notou-se logo a mudança quando o preço surgiu também em kwanzas. Da mesma forma, o I, um jornal inovador no grafismo e atraente na estética(tanto que ganhou vários prémios) e nos artigos algo minimalistas, embora não desprovidos de informação, começou por ser propriedade do grupo Lena, passou por Jaime Antunes e por mais alguns proprietários, e acabou também na empresa de Sobrinho.
Agora, com a saída da Newshold, haverá um enorme remodelação dos dois jornais. O I continuará à semana e o Sol como jornal semanário. O modelo será este nos próximos meses, em que se avaliará se o projecto continua ou não. Entretanto, e com as remodelações, serão despedidos dois terços dos trabalhadores, mais de cem pessoas, em grande parte jornalistas.


Mas os despedimentos não se ficam por aqui ou por estes dois jornais. Também o Público se prepara para "reestruturações" e vai despedir mais umas dezenas de trabalhadores para fazer face aos défices repetidos. E a revista dominical, a 2, vai acabar. Julgo que será a primeira vez que o jornal não terá uma revista ao domingo, desde o pioneiro Público Magazine, a menos que haja algum sucedâneo menos dispendioso.


Ao mesmo tempo, surge a notícia de que as sedes do DN e do JN deverão ser vendidas. Sim, o histórico edifício da Avenida da Liberdade, construído por Pardal Monteiro nos anos quarenta para servir de raiz de quartel-general do DN, e que se tem mantido nessa função até agora, e o prédio brutalista da Gonçalo Cristóvão, símbolo maior do JN, vão ser alienados e os dois diários, embora sólidos, terão de procurar outro poiso. Felizmente já tive oportunidade de visitar a sede do jornal portuense. Convém despachar-me se quero ainda conhecer o DN por dentro no seu ambiente natural.









Desde que há imprensa que os jornais vão e vêm. Morrem títulos e outros surgem no seu lugar. Mas há já uns anos que assistimos ao desaparecimento de órgãos da imprensa sem que haja grande substituição. Nos últimos quarenta anos, depois de monstros como o Século, o República e o Diário Popular e o Diário de Lisboa, assistimos à despedida do Comércio do Porto e da Capital, de tablóides como o Tal e Qual e o 24 Horas e de jornais mais recentes mas que deixaram história, como o Independente. O Primeiro de Janeiro, outrora o melhor jornal português, está reduzido a um boletim. E se alguns dos edifícios que lhes serviram de poiso conservam em alguns aspectos a memória, como o de O Século (hoje Ministério do Ambiente), ou o d´O Comércio do Porto (uma sede bancária com a célebre garagem atrás sempre mantendo as funções originais), outros, como o de O Primeiro de Janeiro, hoje um shopping, só ficaram com a fachada.

Muitos prenunciam o fim dos jornais como o conhecemos - a versão em papel - e o advento definitivo do digital. Quero crer que isso ainda vem longe, até porque os livros têm resistido bem melhor do que se anunciava. Mas estas quedas de vendas, com os consequentes fechos de títulos, são já um sinal de que o papel tem muito menos importância de que outrora. Até porque hoje se dá grande importância à notícia curta e de preferência sensacionalista. As consequências negativas serão o "autojornalismo" de rede social, a informação deturpada ou mal tratada, a falta de profundidade e a ausência de artigos relevantes e explicativos. Nem sempre o progresso é amigo do conhecimento.

quarta-feira, dezembro 02, 2015

O neo-czar e o neo-sultão


Sobre a actual tensão entre a Rússia e a Turquia por causa do abate do avião daquela por esta entre as fronteiras turca e síria, e a morte de um dos pilotos russos, supostamente responsabilidade de uma milícia pró-turca que combate Assad (e por isso a Rússia), para lá das violações de espaço aéreo, de um eventual crime de guerra, da troca de acusações, das sanções russas - que se poderão repercutir no turismo - e dos interesses de cada um dos países no teatro sírio, retém-se sobretudo uma confirmação: Putin e Erdogan são dois autocratas que admitem muito pouca oposição e que têm ambições nacionalistas que pretendem restaurar, na devida medida e com as devidas adaptações, os tempos gloriosos dos antigos impérios russo e otomano. Sem se expandirem territorialmente mas alargando a área de influência. E apoio popular nos respectivos países não lhes falta. O neo-czar há muito que o demonstra, e a crise da Ucrânia é a melhor prova. O neo-sultão, afirmando-se progressivamente como a potência mais sólida no Médio-Oriente, a par do Irão, também tem dado provas sobejas, e o alargamento dos poderes presidenciais deverá ser o próximo passo. Recordar também que a Crimeia, anexada pela Rússia no ano passado, mantém uma importante minoria de tártaros aos quais a Turquia dá um discreto apoio. E que a saída dos russos do Mar Negro passa necessariamente pelo estreito do Bósforo e pela velha Constantinopla. 


terça-feira, dezembro 01, 2015

Depois de Kirchner



O kirchnerismo acabou, finalmente. Já não se aguentava com aquele populismo para os novos "descamisados" de Cristina Kirchner, com a economia a arrefecer, dívidas empurradas para baixo do tapete, uma relação próxima do chavismo e sobretudo alguns casos cuja explicação será no mínimo uma história de terror, como a morte do procurador Nigran, na véspera de ir ao congresso apresentar conclusões arrasadoras que implicavam Kirchner e o encobrimento de investigações a um atentado em 1994 contra judeus em Buenos Aires, ao que tudo indica da autoria do Hezbollah. E o Partido Justicialista, nome oficiall do partido peronista, que assume qualquer ideologia e a sua contrária para se manter no poder, coisa que tem conseguido com assinalável êxito, sofreu também uma pesada derrota, mesmo a nível provincial, apesar dos esforços do seu candidato, Daniel Scioli, de se demarcar de Kirchner.
O candidato Mauricio Macri, representante do centro-direita (mas com apoio da União Cívica Radical, em tempos à esquerda) ganhou em toda a linha e é o novo presidente da Argentina, prometendo uma ruptura. Para já, pediu a suspensão da Venezuela do Mercosul. Mas em termos de populismo, pode não ficar muito longe de Kirchner, noutro espectro, evidentemente. É que Macri distinguiu-se por ser presidente do Boca Juniors - um dos gigantes do futebol argentino - durante uma década. Com imensos êxitos, não haja dúvida, já que durante a sua presidência o clube dominou o futebol sul-americano e conquistou incontáveis títulos. Mas presidir a um clube, com tudo o que isso acarreta, não é a mesma coisa que presidir a um país da dimensão daqueles. Por isso, é bem possível que o populismo não deixe a Casa Rosada. Do que não há dúvida é que a geostratégia da América do Sul pode mudar, até porque daqui a dias há eleições na Venezuela. Um aspecto curioso será o de ver como é que uma presidência que pretende aproximar-se dos Estados Unidos vai lidar com a questão das Falklands/Malvinas.

segunda-feira, novembro 30, 2015

Análise parcial e fragmentada ao XXI governo



O tão anunciado governo da esquerda já aqui está. Em primeiro lugar, e também como primeira crítica, há que dizer que está longe de ser o governo da "maioria de esquerda", de que tanto se falou como o "sonho" próximo e o "cumprimento de Abril". O seu processo de formação, demorado, sinuoso e dependente de acordos ambíguos e alianças duvidosas, enfraquece ainda mais a sua legitimidade política: trata-se de um governo exclusivamente do PS, do partido que ficou em segundo lugar nas eleições, com a anuência (para já) dos partidos mais à esquerda. O objectivo era tão só o de impedir que PSD e CDS voltassem a governar. O "governo de esquerda" é, como se podia imaginar, uma ficção: mais uma vez, o PCP (e o seu apêndice PEV) e o Bloco ficam fora de um governo, por sua vontade, desresponsabilizando-se dos problemas que o novo executivo venha a encontrar ou com os erros que possa vir a cometer. Preferirão sempre o protesto e assumir uma condição moral que manifestamente não têm. Definitivamente não conseguem assumir responsabilidades reais, mas agora já não podem arguir que não tiveram a sua oportunidade.


Mas apesar de tudo, e já que a maioria dos deputados assim o quis, é  o governo que temos e com que teremos de viver. Não se sabe por quanto tempo, mas imaginar que um futuro presidente vá a correr dissolver o Parlamento se não houver razões plausíveis para isso só cabe na cabeça dos mais atarantados. Mas com os frágeis suportes que o sustentam, não é improvável que a legislatura não dure quatro anos.


Analisemos a sua composição. Passando António Costa, que finalmente chega ao cargo para o qual se preparou nos últimos anos (com alguns truques à mistura), temos alguns nomes esperados e algumas surpresas (nem todas agradáveis). A primeira delas desagradou-me francamente: Augusto Santos Silva. Estava curioso para saber quem seria o novo inquilino das Necessidades, sabendo de antemão que não seria Seixas da Costa. Desfeita a dúvida, sobram muitas mais. Santos Silva é um político arguto e culto, e não se lhe conhece qualquer historial de casos menos lícitos. Mas o seu perfil conflituoso e quase persecutório e o seu historial pouco amistoso e de progressiva agressividade verbal (sobretudo nos governos Sócrates) fazem dele a pessoa menos indicada para estar à frente da diplomacia portuguesa. Veremos, mas para já não é um bom sinal.
Mário Centeno é o menos inesperado dos nomes. O rosto do programa económico-financeiro do PS era já o ministro-sombra de costa, assim como Caldeira Cabral. Nada de novo, a não ser o magno pormenor do seu programa ter sido desvirtuado com os acordos à esquerda.


Azeredo Lopes é, de todo o elenco governamental, o que melhor conheço, mesmo que seja dos menos mediáticos (embora tenha tido a responsabilidade de regular os media). Conheço-o de há muito das aulas de Direito Internacional Público na UCP do Porto e de vários seminários que organizou. Especialista em DIP, comentador televisivo de assuntos internacionais, colunista do JN, antigo presidente da ERC, era ultimamente, além das funções académicas que exercia, chefe de gabinete de Rui Moreira na câmara do Porto, depois de ter sido porta-voz da sua candidatura, chega agora ao governo, e logo numa pasta com alguma visibilidade. Nem sempre sendo de trato fácil, terá de se socorrer dos seus conhecimentos de política internacional em tempos de choques entre potências, contestação da NATO, terrorismo e secessões (o tema da sua tese de doutoramento). E terá também de gerir os cacos e os conflitos deixados pelo seu antecessor.

Depois, velhos conhecidos de anteriores governos socialistas que voltam aos lugares onde foram mais ou menos felizes, como Vieira da Silva, Capoulas Santos, e, de certa forma, Manuel Heitor e Maria Manuel Leitão Marques. Destaques para a nomeação de uma magistrada, a discreta Francisca Van Dunen (embora o facto de ser a primeira negra num governo português e das suas funções em tempos da prisão de Sócrates lhe dar algum destaque), e de João Soares, que chega finalmente ao cargo de ministro, no caso da cultura, depois de ser falado para a pasta da defesa. Não é de estranhar: ocupa uma vaga governamental para o soarismo e a área não lhe é exactamente estranha - recordar, por exemplo, que era vereador da cultura em tempos da Lisboa Capital da Cultura 94, antes de se tornar presidente do município - além de que se afastam os sempre salivantes "agentes culturais" que se atiravam ao cargo, não dando azo a tantas invejas.

De Matos Fernandes (ambiente) e de Constança Urbano de Sousa (administração interna) apenas posso dizer que ouvi excelentes referências. E para além de Santos Silva, o nome que mais se assemelha a equívoco é o de Tiago Brandão Rodrigues: chamar um académico, um investigador científico de 38 anos, que há 15 estava no Reino Unido para a sempre difícil pasta da Educação não lembra ao diabo. Compreendia-se se fosse para a ciência e ensino superior. Para a educação, ficamos a pensar que os restantes candidatos ao cargo seriam péssimos.

Os dados estão lançados.

terça-feira, novembro 24, 2015

Azelhice, infelicidade e prejuízos alheios no Benfica



A derrota (mais uma) com o Sporting no último fim de semana, que teve o efeito de afastar o Benfica da Taça, reduzindo a sua luta a pouco mais que a Liga dos Campeões (e a uma classificação digna no campeonato), terá colocado Rui Vitória mais perto do risco? Talvez, e as contendas que se avizinham - o relvado sintético na longínqua e gelada Astana e o confronto em Braga - são tudo menos fáceis. As ausências de Luisão, Salvio e Semedo, e amanhã, de Gaitan, são baixas profundas num plantel que já de si é curto. Mas a verdade é que já lá vão três jogos com o Sporting em que são perdoados penaltys aos "lagartos", acrescendo as agressões do argelino de serviço, sempre impune. Neste campeonato, os sportinguistas já beneficiaram de vários penaltys e julgo que terão sofrido um. Entretanto, Jaime Soares, ex autarca de Vila Nova de Poiares durante 39 anos, em que se entretinha a insultar os adversários políticos e os antecessores, e presidente da Assembleia Geral do Sporting, i.e., alguém que entrou com a direcção de Bruno de Carvalho, especialista em enviar "comunicados" e em cortar relações quando as arbitragens não lhe agradam (mesmo quando lhe são favoráveis), e que ultimamente se empenhou  numa campanha negra contra o Benfica, acusa os benfiquistas de estarem a ser "primários" nas suas queixas e de terem "mau perder". Vindo de um capacho do mais primário dos presidentes de clubes de futebol, Soares sabe certamente do que fala. Espero voltar a ver mais do enorme fair-play que costumam demonstrar quando o Sporting for prejudicado numa qualquer competição, que pelo andar da carruagem, não há de ser no campeonato. As queixas e as pressões constantes fazem mesmo milagres nos homens do apito. Vem nos livros.
Quanto a Vitória, tem mesmo de mostrar o que vale. E isso não se pode limitar a revelar juníores com algum talento. Contrataram-no para isso, é certo, mas também para algo mais. Exigem-se resultados, se possível, algum fio de jogo, e saber porque raio Cristante e Djuricic não têm mais oportunidades.
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sábado, novembro 21, 2015

A fúria dos fracturantes (e onde param os democratas-cristão no PS)?




As esquerdas inauguraram com estrondo as questões fracturantes da nova legislatura, aprovando a adopção para casais do mesmo sexo, novas regras para a procriação medicamente assistida (que poderá incluir no futuro as célebres "barrigas de aluguer"), e claro, a revogação das alterações à lei do aborto (ou IVG, em linguagem assepticamente correcta). Se a primeira me deixa dúvidas, pelo conceito de família que introduz e à rapidez da discussão, e a segunda me deixa muitíssimas dúvidas (por me parecer mais uma forma de fabricar seres humanos, muito para além do normal tratamento à infertilidade), a última não me deixa nenhumas: trata-se de uma reviravolta ressabiada, para vincar a "união da esquerda", com um espantoso ódio à mistura, e que nem ao menos se lembra que surgiu por iniciativa cidadã. A conversa da "dignidade da mulher", do "só as mulheres decidem sobre o seu corpo", é sempre a mesma, sem nunca, mas mesmo nunca, referir que o que está em jogo está muito para além da disposição do próprio corpo. Fosse apenas isso e ninguém discutiria. Ainda por cima, a palavra que mais bradam é a da "hipocrisia", quando a hipocrisia suprema é a de virem falar minutos depois no "superior interesse das crianças". Ou seja, nos referendos do aborto diziam-nos que tudo seria feito com racionalidade, que ninguém era a favor do aborto, que era só para não punir as mulheres que o faziam ou para evitar o aborto clandestino, blá, blá, blá, e defendem agora regras que claramente promovem o aborto. Falarem ao mesmo tempo no "supremo interesse da criança" é um insulto à inteligência das pessoas. Fica a pergunta: que é que dizem a isto os democratas-cristãos Freitas do Amaral e Basílio Horta, que ainda bem recentemente afirmavam que a democracia-cristã se sentia muito bem no PS?

O facto de ainda não haver governo efectivo e de estas propostas já terem sido lançadas e votadas revela que a pressa em fazer valer o factor ideológico e fracturante era muito, e o desejo de ajustar contas também. Mas agora que estão esgotadas as questões fracturantes (ou segue-se algo pior?), onde é que as esquerdas vão arranjar agora factores de união?

terça-feira, novembro 17, 2015

Saint-Denis, dez anos depois



Em 2004 encontrei-me por breves dias em Paris. Passei no Champ de Mars, base do monumento mais famoso de França, e ao olhar para as medidas de segurança à volta, imaginei que um atentado em larga escala na cidade teria fortes probabilidades de acontecer no futuro. Esses pensamentos não eram fortuitos ou obra de qualquer imaginação mórbida: uma semana antes tinham ocorrido os terríveis atentados na estação de Atocha, em Madrid, com mais de cem vítimas mortais, e ainda andava tudo horrorizado e desconfiado. Escusado será dizer que as medidas de segurança eram mais que muitas, nos aeroportos, nas estações de metro ou junto aos pontos mais notórios da cidade.


Paris não era propriamente virgem em atentados e tem uma longa e sinuosa história de violência. Basta pensar na Revolução Francesa, nas comunas ou na 2ª Guerra. Na repressão aos manifestantes argelinos em 1961 e nas tentativas de atentados nos últimos vinte anos, alguns com êxito, como os ataques ao metro em 1995, da autoria dos salafistas argelinos, e em Janeiro deste ano a matança do Charlie Hebdo e num supermercado judeu.




Por estes dias falou-se muito no Bataclan e nos cafés e restaurantes em Paris, como seria de esperar. Os momentos mais violentos viveram-se lá, e a maioria das vítimas também estava nesses locais. Já dos atentados e demais tentativas falhadas junto ao Stade de France (que vitimaram um desditoso português) falou-se um pouco menos. No entanto, que me recorde, é a primeira vez que se tenta uma acção de grande escala contra um grande recinto, num jogo importante. Estavam oitenta mil pessoas lá dentro, a começar pelo Presidente, e jogavam as equipas da França e da Alemanha. Isto a meio ano do campeonato europeu de futebol que se vai desenrolar precisamente em França. O mais provável é que este caso servisse precisamente para torpedear o evento. Mas há outro aspecto que merece atenção. O Stade de France fica no subúrbio de Saint-Denis, a Norte de Paris, perto da basílica com o mesmo nome onde está também o panteão dos Reis de França. Há exactamente dez anos, esta zona, entre outras dos subúrbios norte e leste de Paris, era amplamente noticiada na comunicação social pelos motins que aí rebentaram, onde bandos de desenraizados sub-20 - a quem Sarkozy, à época ministro do Interior, apelidou de racaille - queimaram centenas de carros, afrontaram a polícia com coktails molotov e fizeram trinta por uma linha. A morte de dois eles por mero acidente, numa fuga à polícia, deixou a zona em chamas (e os carros literalmente). É bem possível que muitos deles tenham passado do vandalismo de rua à prática armada da Jihad com passagem nos campos da Síria, da Líbia (não esquecer) e do Iraque.










Os subúrbios guetizados e descaracterizados das grandes capitais europeias criaram os vândalos, os clérigos fanáticos e o submundo da net radicalizaram-nos doutrinalmente e os campos de treino armaram-nos. Muitos ficaram por lá, outros voltam e não hesitam em obedecer quando o Daesh apela à guerra "contra os infiéis" em toda a parte. Mas por muito mal que esses europeus de segunda geração se tenham sentido tratados, foram eles que decidiram o seu destino, que infelizmente o será também intermitente para algumas cidades europeias: a guerra.



PS: nem de propósito, a operação especial que durou sete horas de tiroteio, envolveu mais de cem homens e teve como resultado dois mortos, várias prisões e a apreensão de inúmeras armas aconteceu em Saint-Denis.



sábado, novembro 14, 2015

Paris sous l ´attaque



A noite de horror que se tem feito sentir nas últimas horas em Paris tem, como seria fácil de imaginar, origem em gente que grita "Allah Akbar". O autoproclamado Estado Islâmico já terá reivindicado a série de atentados cometidos hoje na capital francesa. Não se sabe se assim é, mas a probabilidade é mais que muita.
Stade de France, restaurantes cambojanos no centro, um teatro com nome boémio, Les Halles...o centro nevrálgico da rive droite e o maior recinto desportivo francês (quando decorria um jogo entre as selecções alemã e francesa, com a presença do próprio François Hollande, imediatamente evacuado) foram alvos escolhidos a dedo. Note-se que a França organiza o campeonato Europeu de futebol no próximo Verão. E repare-se também que um dos alvos era a Avenue Voltaire. Não será certamente coincidência o nome da artéria e o facto de ter sido por ela que desfilou a manifestação de repúdio aos tentados de Janeiro deste ano.

A França, pela sua centralidade e pelas intervenções contra os jiadistas, é um alvo previsível. Paris é talvez o mais parecido com o que há de "capital da Europa", mais do que a cosmopolita mas insular Londres, a eterna mas estagnada Roma, a libertária Berlim, a administrativa Berlim, a burocrática Bruxelas ou a autoritária e euroasiática Moscovo. E essa centralidade acaba de ser atingida de forma brutal, pelo maior cancro do mundo actual: o jiadismo militante e o seu habitual rasto de terror e sangue. É um ataque à França, à europa e à Liberdade, com dezenas de vítimas como alvo concreto. Pode ser um sinal de desespero da besta acossada, mas será algo de muito perigosos com que teremos de viver nos próximos tempos. Os atentados em Beirute, também com dezenas de mortos, e o possível atentado ao avião russo no Sinai poderão também ser mostras disso.

A esta hora contam-se cerca de 140 mortos, mais os feridos em estado muito grave, o que indicia que número de baixas vai aumentar. A França está em estádio de sítio, as tropas estão nas rua e as pessoas em casa, receosas de sair. Terá de haver uma reacção firme contra os terroristas e quem os apoiar (por exemplo, clérigos que pregam a Jihad nas mesquitas, manifestações de rua com a bandeira do Daesh, além da caça aos criminosos), e ao mesmo tempo evitar bodes expiatórios ou aproveitamentos políticos de grupos xenófobos, que não hesitarão em mais uma vez apontar o dedo aos refugiados da Síria.

Mas até lá, há que enterrar os mortos, cuidar dos vivos, evitar "réplicas" e reflectir. E acima de tudo, mostrar de novo que o medo não vai ser o legado de vermes travestidos de religiosos.


PS: a iniciativa Porte Ouverte é um dos melhores sinais de solidariedade perante o horror: pessoas que dão abrigo a quem andar desorientado nas ruas, sem saber onde se abrigar.

quinta-feira, novembro 12, 2015

Paulo Cunha e Silva 1962 - 2015


Se ontem fiz um curto epitáfio de uma pessoa que morreu com quase cem anos, hoje faço de outra que desapareceu com pouco mais de cinquenta. Paulo Cunha e Silva deixou-nos de repente, sem se despedir, tão subitamente que ainda estão no ar, sem tempo para cair ao chão, todos os seus projectos pendentes, todas as ideias que lançou recentemente, todos os eventos a cujo lançamento presidiu e que estão aí, a ser realizados.

Cunha e Silva andava a mil à hora. Estava em toda a parte, em todos os eventos, falava de tudo e a tudo acorria, sempre com ideias novas. Talvez por isso o coração o tenha traído depois de mais uma ronda em que tinha acabado de inaugurar o ciclo de toda a filmografia de Manoel de Oliveira, logo ele, que era médico de formação e professor de anatomia, tendo sido o aluno mais brilhante do seu curso (Eurico de Figueiredo conta que foi o único 20 que atribuiu a um seu aluno, embora não tenha sido o único que Cunha e Silva recebeu). Enveredou pelas artes, tornou-se colaborador de Serralves e acabaria por ser o programador cultural do Porto 2001. Com a aversão de Rui Rio à cultura (não entrou na CM do Porto entre 2011 e 2013), presidiu ao Instituto das Artes do Ministério da Cultura, foi conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Roma, antes de regressar a Portugal e de ser eleito vereador na lista de Rui Moreira. Lembro-me de na campanha eu ter levado um oleado para a chuva que caía abundante por esses dias com a marca do Porto 2001, e dele me dizer que tinha perdido o seu e que aquele devia ser o único exemplar existente, e de na noite da vitória, há dois anos, quando estávamos cá fora, em plenos Aliados,  de o ouvir já a traçar planos para quando tomasse posse, começando pelo Rivoli. O tempo comprovou que não esta simplesmente a divagar, como se pôde ver pelo sucesso que teve na maneira como reorganizou a Feira do Livro.

Na última campanha, o MPT tinha algumas ideias arrojadas para uma acção com visibilidade que chamasse a atenção para o esquecimento e a inutilidade a que está votada a Ponte Dona Maria Pia, mas infelizmente ficou-se por uma faixa na base (e acreditem que colocar uma coisa em lona de 15 metros demora as suas horas, sobretudo quando só está duas pessoas a fazê-lo).



 A ideia seria aproveitar a visibilidade para depois discutir com a CM do Porto diferentes formas de a reabilitar. Nos próximos dias iríamos contactar Paulo Cunha e Silva, que aliás já estava a par da ideia. Há coisa de duas semanas vi-o a abrir a conferência sobre o centenário da morte de Alfredo d´Andrade, no consulado de Itália, organizado por uma querida amiga minha. No fim do seu discursos, em que falou da sua paixão por Itália e da sua alma dividida entre Itália e Portugal (considerando-se ali como que um "agente duplo"), despediu-se, já que tinha de estar naquela mesma hora noutro evento. Na altura queria falar-lhe da acção da ponte, mas pensei que ficaria para breve. Não imaginava que não teria outra oportunidade nem que o não veria mais.

Ironicamente, a última fotografia na página oficial do facebook de Rui Moreira antes da morte do seu vereador é exactamente da ponte Dona Maria, em contraluz. A que colocou a seguir mostra Paulo Cunha e Silva com a condecoração de Chevalier des Arts que lhe tinha sido atribuída em Outubro pelo governo francês. A última e justa homenagem a um homem que ainda tinha imenso para dar e que deixa o Porto e a cultura nacional tremendamente mais pobres.





quarta-feira, novembro 11, 2015

Helmut Schmidt 1918 - 2015



Morreu Helmut Schmidt. Não andava longe dos cem anos - 96, para ser mais preciso - e até há bem pouco tempo ainda dava entrevistas. Exerceu o cargo de Chanceler da RFA entre 1974 e 1982, com o apoio dos liberais, sucedendo a Willy Brandt, depois da demissão deste por causa do caso do seu assessor, que era afinal um espião da RDA. Exerceu o cargo durante dois mandatos bastante agitados. Teve de enfrentar o período de maior virulência dos atentados terroristas da Fracção do Exército Vermelho, mais conhecido como Baader-Meinhof. Defendeu a CEE e os alargamentos ao Sul, defendeu a NATO e permitiu a instalação dos "euromísseis" na RFA, perante a ameaça dos mísseis da URSS e contra a opinião dos pacifistas "antes vermelhos que mortos". Além de todos esses trabalhos ainda reforçou os benefícios sociais. Seria substituído em 1983 por outro Helmut, Kohl, que ficaria 16 entre as chancelarias federais de Bona e Berlim.

Schmidt não tinha grandes problemas em dizer tudo o que pensava. Acima de tudo, conservava uma enorme incorrecção política para os tempos que correm: apesar de usar um peacemaker há mais de 30 anos, fumava que nem uma chaminé, em toda a parte, mesmo onde era proibido, e não abandonou o fumo até à morte (com 96 anos, recorde-se), na cidade onde tinha nascido, Hamburgo. Um sério embaraço nos locais onde fumar é estritamente proibido e uma autêntico desafio à lógica dos malefícios do tabaco.


sexta-feira, novembro 06, 2015

Os dilemas do PCP



O PCP deve estar a passar por um dilema tortuoso. O velho partido marxista-leninista já teve muitas crises, mas não foram com certeza de identidade. Os dias que passam podem ser completamente diferentes. Na possibilidade de haver um governo apoiado pelas esquerdas, ou o PCP assina mesmo um acordo e dá pelo menos apoio parlamentar, correndo assim o risco de não satisfazer o seu eleitorado, geralmente contra qualquer governo e que constitui o grosso dos sindicalistas da CGTP, podendo desta forma descaracterizar-se irremediavelmente, perder a sua identidade e a sua aura de combate "às políticas de direita" e definhar sem retorno (além de deixar a CGTP na dúvida se organiza ou não greves); ou recusa tal acordo, denunciando as políticas do PS e mesmo do Bloco, cabendo-lhe então o ferrete do partido que impediu o primeiro governo constitucional das esquerdas, o eterno partido irredutível do protesto que viabilizou o segundo governo de Passos Coelho. Também aqui há o risco de perder alguns apoiantes, acantonando-se apenas com os mais fieis, com o risco de ir deixar o Bloco ocupar por muitos anos um lugar fulcral à esquerda e de ir fazer concorrência ao MRPP.
Qualquer que seja a opção, será sempre muito complicada e nunca isenta de dúvidas. Pouco se deve dormir por estas noites entre Pirescoxe e a sede da Soeiro Pereira Gomes.

domingo, novembro 01, 2015

Dias de Finados e o de Todos os Santos.


Noutros tempos, o Dia de Finados, 2 de Novembro, servia para que cada um fizesse a sua romaria pessoal aos cemitérios, mas com a extinção do feriado desse dia, reservou-se esse dever para o anterior, de Todos os Santos, que entretanto também perdeu a dignidade feriadal. Ainda assim, e mesmo com o recuo do gesto de revisitar a memória dos que já morreram, para mais ensombrado pelo mais descontraído e mais carnavalesco Halloween, uma coisa vinda do imaginário celta/new age das Américas que pouco atingiu a minha geração, grande número de pessoas continua a fazê lo. Outros não o fazem, por mudança de hábitos, desconhecimento, a pouca importância que dão ao assunto, ou porque o medo da morte simplesmente os incomoda, uma coisa muito frequente nestes dias de intenso materialismo e de fuga ao que natural fim da vida (embora paradoxalmente haja um certo gosto pelo macabro e pelo mórbido). Mas outros continuarão sempre a fazê-lo. É bom que este hábito se mantenha, pela memória, pelo respeito e saudade dos que nos deixaram, e porque afinal nenhum de nós vai ficar cá para sempre. E os cemitérios não têm de ser necessariamente locais de morbidez, como os ultra-românticos tanto gostavam; podem muito bem representar cenários de reflexão, de silêncio e de paz, coisas tão necessárias e terapêuticas à mente humana. Pela minha parte, e porque tanto um como o outro dia me tocam por fortíssimas razões pessoais e familiares (uma delas intrinsecamente relacionada com a própria data), não deixarei nunca de os recordar e celebrar.


Vila Real,  a 31 de Outubro, véspera do dia de Todos os Santos.

sábado, outubro 31, 2015

Nas legislativas elegem-se governos



As eleições legislativas servem para eleger os deputados, ouve-se incessantemente em toda a parte. Um equívoco formal. Se assim fosse, o poder executivo não estaria condicionado pelo Parlamento nem os líderes partidários se apresentariam como candidatos a primeiro-ministro.


Se até à revisão constitucional de 1982 podia haver governos de maioria presidencial, como aconteceu em fins dos anos setenta, a partir daí essas hipóteses esvaziaram-se. Caso algum PR tivesse essa veleidade, ela seria imediatamente chumbada no parlamento, tal como o governo que agora tomou posse deverá ser. Apenas Eanes nomeou governos por sua iniciativa. Todos os outros depois dessas experiências saíram directamente de eleições, com excepção do de Santana Lopes, em 2004. Todos os governos minoritários viram passaram o seu programa quando apresentado na AR.


É precisamente a nomeação de Santana de que me recordo quando vejo tantos adeptos da "maioria de esquerda" dizerem que "a maioria parlamentar é o único garante dum governo estável". Será? Quando o presidente Jorge Sampaio tomou a decisão em mãos, tinha toda a legitimidade para dissolver o Parlamento e convocar eleições. Durão Barroso tinha saído abruptamente, com a popularidade em baixa e o pretexto perfeito, e impôs para o seu lugar o então presidente da câmara de Lisboa, que nem eleito deputado tinha sido, ao invés de propor Manuel Ferreira Leite, Ministra de Estado e das Finanças e nº2 daquele governo. A solução mais avisada e que colhia mais apoios era a convocação de eleições, mas Sampaio preferiu chamar o actual responsável pela SCM de Lisboa para formar governo. Uma solução controversa e duvidosa, mas ainda assim legítima. Boa parte da esquerda, acusou-o de traição (à esquerda), Ferro Rodrigues demitiu-se furioso com a decisão, e ouviram-se coisas como "a democracia está em perigo", ou "o 25 de Abril acabou" (desse vulto da liberdade chamado José Saramago), para não falar de tiradas de mau gosto relacionando a morte súbita de Maria de Lurdes Pintassilgo (horas depois) com a decisão presidencial. Porquê? Porque, segundo diziam, aquele governo não tinha sido sufragado pelo povo, ainda que o fosse por uma maioria parlamentar (além da "traição" de Sampaio, aos ideais de esquerda). Precisamente o argumento oposto ao que utilizam hoje. Isso e o de que Cavaco teve um discurso de "líder de uma seita de direita". O discurso do PR revelou-se muito longe de quem pretende ser o chefe de estado de todos os portugueses, é verdade. Mas muitos dos que o criticam hoje queriam que Sampaio tivesse tido idêntica atitude no sentido inverso.

A ideia de que um governo é efectivamente eleito não só resulta de uma convenção tácita mas também da própria CRP, que impede na prática a constituição de governos de iniciativa presidencial e dispõe que eles são formados com base nos resultados eleitorais. Acresce o facto do sistema eleitoral português ser pouco favorável a maiorias absolutas. Como defende a direita agora e defendeu a esquerda há onze anos, o governo resulta das eleições e sobretudo da formação mais votada. É pela ambição desmesurada de poder a todo o custo que se dão estas crispações políticas. Não que elas não sejam necessárias e por vezes desejáveis. Mas escusavam de surgir no meio destes golpes palacianos. Ao menos em momentos como a questão do aborto defendiam-se valores a sério, por maior que fosse a discussão. Aqui, vemos o cinismo da direita, à beira de perder o escasso poder  que ganhou nas eleições, embatendo na hipocrisia da esquerda, que já acha que as maiorias parlamentares têm valor absoluto e que se permite que pessoas como Catarina Martins façam declarações como "este governo acabou", como se fosse a ela que lhe competisse dizer isso. Pelo meio, a extraordinária declaração de que "empossar um governo de Passos Coelho é uma perda de tempo", contrastando com o tão apregoado respeito pelo parlamento, como se estivesse tudo definido antes do programa de governo ir a plenário, e demonstrando um total desrespeito pelas instituições, o que só demonstra que a esquerda radical permanece igual a si própria, e que na luta pelo poder, não é melhor do que a direita a que tanto se atira (nalguns casos até é pior, como quando vem a sua "superioridade moral").

Ironicamente, a primeira prova de uma estranha união das esquerdas foi a eleição para Presidente da AR de Ferro Rodrigues, exactamente o homem que se demitiu das suas funções partidárias por entender que o presidente da República de então o tinha traído e aos seus princípios ideológicos.

terça-feira, outubro 27, 2015

Levantar a cabeça




Não tenho falado muito do meu Benfica, mas os tempos não estão para grandes comemorações. A equipa comandada por Rui Vitória já tinha um penoso currículo de jogos fora de casa (tirando o inesperado mas espantoso triunfo em Madrid, no Vicente Calderon), mas na Luz somava os jogos por vitórias. Só que a derrota do último Domingo, quando mais precisávamos de ganhar, lançou sérias dúvidas sobre a equipa, o treinador, as suas capacidades e o futuro próximo. Os sinais de recuperação esfumaram-se com o nevoeiro da Madeira, que adiou o jogo com o União, seguido de uma tremida passagem na Taça frente ao Vianense, uma derrota em Istambul com erros parvos, mas enfim, dado o ambiente e o adversário, desculpável, e agora o desastre em plena Luz, frente ao Sporting de Jesus, que urgia vencer, e sobretudo do infame Bruno de Carvalho, um dos mais nocivos elementos do dirigismo do futebol português que me lembro de ver. Até porque aquilo deveu-se mais a demérito próprio do que a um portentoso jogo dos lagartos. Afinal que é que se passou? Uma diferença assim tão abissal dos planteis? Má táctica? Jogadores temerosos de Jesus? Um jogo táctico perfeito deste? Tudo um pouco, e ainda sorte para o Sporting e o natural desalento para os nossos, já de cabeça noutro sítio, como se pôde ver por aquilo que seria o autogolo mais patético que me lembro de ver desde um Rosenborg-Olympiacos, não fosse a estirada de Júlio César.

O desastre não podia vir em pior altura pelas razões atrás ditas, e numa altura de turbulência de jogos, com campeonato, taça e Liga dos Campões a sobreporem-se, e com jogos em atraso. Para mais, o próximo embate para a Taça é exactamente em Alvalade, frente ao mesmo Sporting, numa altura em que também tem a decisiva recepção ao Galatasaray. Com um plantel limitado e alguns jogadores de fora (quem diria que a falta de Nelson Semedo seria tão sentida), não se prevê um mês memorável. A não ser que o orgulho venha acima, e conjuntamente com alguma cabeça, diferentes disposições tácticas e alguma sorte, se possa atirar esta triste recordação para trás. Depois de ultrapassarmos os traumas com o Porto, era o que faltava ficarmos com outros com o Sporting. Uma vitória em Alvalade seria o melhor tónico. Afinal, quem ganhou na casa do Atlético de Simeone pode ganhar em muitos outros recintos. Mas terá de suar muito para o conseguir. A tarefa é hercúlea, sobretudo a psicológica, mas não impossível. Há alguns jogadores que têm de levar umas reprimendas, outros que deviam passar pelo banco (estou a pensar em Luisão, e para isso mesmo é que lá está Lisandro, que cumpre o papel às mil maravilhas), e outros ainda que podiam jogar mais, além do citado Lisandro (Cristante, por exemplo). Alguma coisa terá de ser feita, e é agora que Rui Vitória precisa de mostrar o que realmente vale.
Para os apaniguados de Bruno Carvalho, que acham que nada os travará, e que terão de recuar muito tempo para recordar triunfo semelhante (já há comparações com o bojudo mas inútil 7-1), recordo-lhes que também em tempos de Vale e Azevedo o Benfica ganhou em Alvalade por 4-1. Caso haja dúvidas, a comparação de presidentes não é forçada.

quarta-feira, outubro 21, 2015

O regresso ao futuro com o "Grande Educador"



Hoje, 21 de Outubro de 2015, é o célebre dia em que Marty Mcfly chegou ao futuro, vindo dos longínquos anos oitenta. Não há os carros voadores, skates propulsores, alimentos cozinhados por hidratação previstos pelo filme, e a saga Tubarão há muito que acabou. Pelo contrário, se esteticamente e nos elementos superficiais as coisas nem mudaram assim tanto, a revolução das comunicações e da net mudou a forma de nos interligarmos, como seria impossível, à data, de prever.


O que certamente não se imaginaria nos anos oitenta é que trinta anos depois Arnaldo Matos, o "grande educador da classe operária", estaria de volta para liderar (ou educar?) o MRPP, que quase não mudou nos últimos quarenta anos, a não ser pela saída de militantes que entretanto ganharam notoriedade.

Nos últimos dias tem sido um corrupio no velho partido maoísta, que nestas últimas eleições se destacou pelo slogan "morte aos traidores!" e por ter o médico Pinto da Costa como mandatário nacional. Agora, os comunicados do seu site lamentam os fracos resultados eleitorais, suspendem os membros do Comité Central do partido e o secretário-geral por "incompetência, oportunismo e anticomunismo primário", e marcam um congresso extraordinário para breve. Tudo assinado pelo "camarada Espártaco" (o nome é de antologia) com auxílio da "camarada Marta", e rematado com o potente "Morte aos traidores!". Ao que tudo indica, Garcia Pereira será um dos dirigentes suspensos.

Entretanto, no jornal, agora online, do partido, o Luta Popular, os editoriais têm sido assinados pelo mítico Arnaldo Matos, que não se coíbe de comentar a actualidade política, e não é particularmente meigo com os partidos representados na AR, muito menos com a esquerda e com um eventual governo formado por PS, BE e PCP. Ao que tudo indica, as tumultuosas movimentações dentro de velho partido terão mesmo a ver com um eventual regresso do próprio Arnaldo Matos à liderança. Ou seja, se a linguagem, os propósitos e a estética e o grafismo já eram devedores dos anos setenta, só faltava mesmo lá recolocar o líder carismático que há muito se tinha afastado para se dedicar à advocacia. Definitivamente, a esquerda em Portugal movimenta-se.



Se a moda pega, poderemos ver Jorge Sampaio e Vítor Constância a enfrentarem-se para substituir António Costa, caso a este as coisas não lhe corram bem (só porque Soares talvez não esteja disponível); ou Cavaco, quando sair da presidência, disputar o PSD com Balsemão, se Passos também sair. Portas poderá ser substituído por Freitas do Amaral, enfim de regresso ao CDS, quiçá com a oposição de Adriano Moreira. Jerónimo pode estar ameaçado por Carvalhas, Catarina Martins por Louçã ou Mário Tomé, Paulo Estêvão (PPM) ou José Inácio Faria (MPT) por Gonçalo Ribeiro Telles, o general Eanes a reconstituir o PRD com Hermínio Martinho e Pedro Canavarro, e assim sucessivamente. Nada como os clássicos. É bem verdade quando dizem que o retro está na moda.

terça-feira, outubro 20, 2015

A questão do financimento dos partidos (com agradecimentos e desejos de boa sorte ao Livre).



Um pormenor de que pouco se falou na sequência das eleições, excepto como piada ao Livre, é a questão da subvenção dos partidos.


O Livre/Tempo de Avançar, com fundadas expectativas de eleger deputados, gastou mais de cem mil euros na campanha. Como se sabe, as contas saíram furadas e o movimento nem elegeu representantes nem chegou à barreira dos cinquenta mil eleitores, o mínimo para se receber uma subvenção anual por parte do estado e que liquidaria esse montante. Assim, teve de procurar outros meios para o fazer, com uma espécie de peditório aos seus apoiantes para que contribuíssem para o pagamento. Uma opção que deu origem a alguns remoques trocistas, como a pergunta se não queriam renegociar a dívida, entre outras. Não me parece que o Livre pudesse fazer nada de muito diferente: todos esperavam que metesse ao menos um deputado, e que ficasse com fundos para se ressarcir; as expectativas foram goradas, e por isso recorreram ao crowdfunding. Nada de especial nem criticável.

Mas a notícia deveria servir para repensar o financiamento dos partidos, que continuam a depender sobretudo do financiamento público. Ao todo, e anualmente, os partidos que elegeram representantes para o Parlamento ou que tiveram mais de cinquenta mil votos (casos do MRPP e do PDR) vão receber mais de 14 milhões de euros, aos quais se juntam mais 6,8 de subvenção para as campanhas. Mas este último valor cabe apenas aos partidos com aquele determinado número de votos. Os outros, como o Livre ou o MPT, ficaram excluídos. Assim, os partidos da Coligação receberão por ano perto de 6 milhões de euros, o PS 5 milhões, o Bloco 1,6, os partidos da CDU 1,3, o PAN 2,12 mil euros, e o PDR e PCTP/MRPP cerca de 170 mil casa um (sem contar com a tal subvenção de campanha). Mesmo assim, esse valor já baixou em relação a 2011...

Uma das propostas do MPT (e de outros partidos, incluindo o MRPP, em tempos) era o fim deste financiamento público. É óbvio que o financiamento privado pelos  apoiantes correspondentes tem os seus perigos, sobretudo de pessoas colectivas. Mas dever-se-ia estabelecer definitivamente uma norma que apenas permitisse que particulares singulares, à parte as quotas dos filiados, contribuíssem para os partidos, com respectivas contas descriminadas e sujeitas a recibo, e previamente escrutinadas pelas entidades competentes. O único financiamento público seria uma subvenção de campanha, extensível a TODOS os partidos, tendo em conta, aí sim, o número de votos e os gastos com as respectivas campanhas, de forma proporcional (claro que não se contam aqui os gastos dos eleitos para cargos públicos no desempenho das funções, como as da organização dos grupos parlamentares). Dessa forma, poupava-se o estado a mais gastos, permitia-se que partidos mais pequenos tivessem também alguma ajuda e estabelecia-se um sistema controlado de financiamento privado. Teria os seus riscos, mas seria bem mais justo e menos oneroso para os contribuintes do que o actual. Fica-se sempre a imaginar o que farão o PDR e o MRPP com os actuais 170 mil euros anuais. E percebemos como pode o PCP controlar toda aquela organização (e manter sedes como a da antigo Hotel Vitória, em Lisboa, ou a do prédio  feito de raiz na avenida da Boavista, no Porto), fazer marchas e organizar inúmeros comícios se lhe acrescentarmos o pagamento mais apertado que os seus representantes lhe fazem. O ideal seria que estes fossem os únicos e que não se dependesse sobretudo dos meios do estado.

terça-feira, outubro 13, 2015

Os cem de Ankara valem menos os 16 de Paris?



Fico pasmado quando, depois de no início do ano os noticiários dedicarem horas e horas aos atentados em Paris, de vários chefes de estado e de governo se juntarem em marchas "pela liberdade de expressão" e de até se inventar o bordão "Je Suis Charlie" (que provavelmente poucos compreenderão a sério), se dê tão pouco tempo de antena aos enormes atentados que houve em Ankara. Estamos a falar de um país importantíssimo, em parte europeu, onde foram mortas quase cem pessoas e várias centenas ficaram feridas. Não é propriamente um acidentezinho doméstico. É um ataque el larga escala à população civil de um estado fulcral entre o Médio Oriente e a Europa. Não devia ser tão noticiado como o que aconteceu em França?

domingo, outubro 11, 2015

A "maioria de esquerda"


A propósito das negociações para formar governo e dos contactos que o PS tem mantido à sua esquerda, com a possibilidade real de fazer um acordo com os respectivos partidos representantes, refere-se a eleição de "uma maioria de esquerda" no Parlamento. A história dessa tal "maioria de esquerda" que supostamente vai votar em massa contra um governo de direita já enjoa. De que "maioria de esquerda" é que estão a falar? Da que ganhou a câmara de Lisboa entre 1989 e 2001? É a única que conheço. Basta ir a 1975 para perceber que tudo isso é uma ficção. Só talvez um partido como o Livre se poderia coligar com o PS, isto se tivesse tido apoio eleitoral para isso. A esquerda tem várias naturezas, completamente diferentes entre si, e por isso a apregoada "maioria" é uma história da carochinha. Senão, porque é que não haveria apelos para que o PSD e CDS chamassem também o PNR se este tivesse representantes no parlamento?


Também ouço falar de exemplos noutros países europeus, como o Luxemburgo, ou a Dinamarca, tão bem retratada na série Borgen, em que partidos que não ganham eleições têm uma maioria parlamentar, formando assim governo e deixando de fora o partido que as ganhou. Mas posso também ir buscar os dos países da UE mais falados deste ano, a Alemanha e a Grécia. A CDU/CSU de Angela Merckel ganhou as eleições alemãs sem maioria absoluta, e viu o parceiro favorito de coligações, os liberais do FDP, ficarem à margem do parlamento, com menos de 5%. O SPD ficou em segundo. No conjunto, a esquerda contava com maioria no Bundestag - além dos sociais-democratas, há ainda os Verdes, que até já estiveram no governo, o partido esquerdista Linke (passe a redundância). O SPD preferiu fazer uma grande coligação com a CDU, como já tinha acontecido antes, sem pensar em qualquer maioria de esquerda. 
Na Grécia, como é sabido, o Syriza voltou a ganhar as eleições de Setembro, já despojado da sua ala mais radical. Ficou a seis deputados a maioria absoluta. Tinha várias opções à esquerda, como a coligação onde está o PASOK, os comunistas ortodoxos do KKE, ou o centro-esquerda do To Potami, Preferiu reeditar a coligação com a direita nacionalista do ANEL, de Panos Kammenos, que entrou à justa no parlamento. Também aqui se estiveram a borrifar para uma qualquer "maioria de esquerda", quando teriam toda a legitimidade e força para o fazer. E claro, recordar que em França há um acordo tácito de que a Frente Nacional não receberá apoios da ex-UMP (a direita gaulista e "republicana", como aliás agora tem na designação), e o PSF também não parece inclinado a acordos com a Frente de Esquerda de Mélenchon.

Esquerda e direita continuam a fazer sentido. Mas melhor será falar em "esquerdas" e "direitas", porque são tantas e de tantas naturezas que é impossível falar-se em unidades ou convergências. Que é que liga o PSD e o CDS ao PNR? E o PS ao PCP, o seu velho inimigo, ou ao BE? A colocação num determinado espectro é insuficiente para se poder colar este ou aquele partido. À esquerda, então, ainda se notam mais essas diferenças. Por alguma razão os republicanos perderam a Guerra Civil de Espanha, ou não tivesse o PCE tentado eliminar os trostquistas e anarquistas que combatiam do mesmo lado. Mas ainda falando de Espanha, o recente exemplo da ida de Felipe González à Venezuela para defender opositores políticos presos, sob os insultos e os entraves do regime de Maduro, é bem um exemplo do que pode distinguir a esquerda democrática da radical. é bom lembrarmo-nos disto quando voltarmos a ver o PCP a justificar e defender o actual regime venezuelano.

segunda-feira, outubro 05, 2015

Notas breves das eleições



Ainda na ressaca do meu dia de estreia nas mesas de voto, deixo as seguintes notas:


- Há um ano, António Costa alcandorava-se a líder do PS e andava nas nuvens, os partidos do governo estavam condenados a uma inapelável derrota e o BE a um apagamento progressivo, em detrimento do Livre. Tudo mudou, o que mostra que uma campanha inteligente e sem erros pode fazer milagres.


- Portas teve um discurso cínico, ao seu tom. Passos um discurso de vitória humilde e positivo, a abrir as portas ao PS. Bom sinal.


 - Costa pareceu entrar no palco derrotado, para a pouco e pouco recuperar e afirmar que se mantém à frente do PS. Lançou alguns sinais de que poderá viabilizar algumas soluções com o governo. Sai derrotado mas não morto politicamente. O mesmo sucedeu a Durão Barroso (também ele um "desejado") em 1999, e não muito tempo depois era primeiro-ministro. Veremos se à desilusão sucede a resistência.

- O MPT ficou muito aquém do que pretendíamos. Sem grandes meios materiais e humanos e com uma comunicação social pouco atenta (exceptua-se a TSF), os resultados desiludiram, mas ainda assim ficou acima de formações como o Nós, Cidadãos! e o Agir.

-Dos partidos emergentes, só o PAN, incrivelmente, sobressaiu, ao conseguir um lugar na AR. Como os animais não votam, ignoro qual seja o eleitorado desta formação. Mais incrível é que o LIVRE, tão apoiado por inúmeras figuras públicas e que pretendia tomar o lugar do BE e ser um parceiro de esquerda menos radical para o PS, fica à porta do Parlamento com resultados desoladores. Vá lá, o PDR também falhou o objectivo. Sem representação e dependente dos humores do seu mentor, é de duvidar que este partido dure muitos anos.



-O Bloco elegeu 5 deputados no Porto (efeito da nova Catarina Martins). Com a rotatividade que costuma haver com os seus deputados, é bem provável que o 6º da lista, o actor Mário Moutinho, vá um dia destes parar à AR. Lembram-se dele? Ficou mais conhecido por protagonizar uma série dos anos noventa chamada "Os Andrades".



Mais tarde deixo uns testemunhos mais pessoais sobre estes dias e uma opinião mais demorada sobre os resultados.