terça-feira, novembro 17, 2015

Saint-Denis, dez anos depois



Em 2004 encontrei-me por breves dias em Paris. Passei no Champ de Mars, base do monumento mais famoso de França, e ao olhar para as medidas de segurança à volta, imaginei que um atentado em larga escala na cidade teria fortes probabilidades de acontecer no futuro. Esses pensamentos não eram fortuitos ou obra de qualquer imaginação mórbida: uma semana antes tinham ocorrido os terríveis atentados na estação de Atocha, em Madrid, com mais de cem vítimas mortais, e ainda andava tudo horrorizado e desconfiado. Escusado será dizer que as medidas de segurança eram mais que muitas, nos aeroportos, nas estações de metro ou junto aos pontos mais notórios da cidade.


Paris não era propriamente virgem em atentados e tem uma longa e sinuosa história de violência. Basta pensar na Revolução Francesa, nas comunas ou na 2ª Guerra. Na repressão aos manifestantes argelinos em 1961 e nas tentativas de atentados nos últimos vinte anos, alguns com êxito, como os ataques ao metro em 1995, da autoria dos salafistas argelinos, e em Janeiro deste ano a matança do Charlie Hebdo e num supermercado judeu.




Por estes dias falou-se muito no Bataclan e nos cafés e restaurantes em Paris, como seria de esperar. Os momentos mais violentos viveram-se lá, e a maioria das vítimas também estava nesses locais. Já dos atentados e demais tentativas falhadas junto ao Stade de France (que vitimaram um desditoso português) falou-se um pouco menos. No entanto, que me recorde, é a primeira vez que se tenta uma acção de grande escala contra um grande recinto, num jogo importante. Estavam oitenta mil pessoas lá dentro, a começar pelo Presidente, e jogavam as equipas da França e da Alemanha. Isto a meio ano do campeonato europeu de futebol que se vai desenrolar precisamente em França. O mais provável é que este caso servisse precisamente para torpedear o evento. Mas há outro aspecto que merece atenção. O Stade de France fica no subúrbio de Saint-Denis, a Norte de Paris, perto da basílica com o mesmo nome onde está também o panteão dos Reis de França. Há exactamente dez anos, esta zona, entre outras dos subúrbios norte e leste de Paris, era amplamente noticiada na comunicação social pelos motins que aí rebentaram, onde bandos de desenraizados sub-20 - a quem Sarkozy, à época ministro do Interior, apelidou de racaille - queimaram centenas de carros, afrontaram a polícia com coktails molotov e fizeram trinta por uma linha. A morte de dois eles por mero acidente, numa fuga à polícia, deixou a zona em chamas (e os carros literalmente). É bem possível que muitos deles tenham passado do vandalismo de rua à prática armada da Jihad com passagem nos campos da Síria, da Líbia (não esquecer) e do Iraque.










Os subúrbios guetizados e descaracterizados das grandes capitais europeias criaram os vândalos, os clérigos fanáticos e o submundo da net radicalizaram-nos doutrinalmente e os campos de treino armaram-nos. Muitos ficaram por lá, outros voltam e não hesitam em obedecer quando o Daesh apela à guerra "contra os infiéis" em toda a parte. Mas por muito mal que esses europeus de segunda geração se tenham sentido tratados, foram eles que decidiram o seu destino, que infelizmente o será também intermitente para algumas cidades europeias: a guerra.



PS: nem de propósito, a operação especial que durou sete horas de tiroteio, envolveu mais de cem homens e teve como resultado dois mortos, várias prisões e a apreensão de inúmeras armas aconteceu em Saint-Denis.



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