sexta-feira, agosto 31, 2007

Obituário

Há já uma semana que morreu Eduardo Prado Coelho. Surpreendi-me bastante com esse desaparecimento, até porque a doença que o afectava não parecia letal (ainda que grave), apesar das sucessivas interrupções do seu artigo diário no Público e do ar patibular que tanto o modificou. Acabou no entanto por ser um ataque cardíaco o causador da sua morte.

Eduardo Prado Coelho era o típico "intelectual de esquerda", a quem só faltava mesmo o cachimbo. Recordava frequentemente os anos de Paris e utilizava por vezes um jargão filosófico sobre as suas referências pouco acessível ao comum dos leitores. Mas andava frequentemente entre os comuns mortais, e fazia gala disso. Não raras vezes os seus artigos incidiam sobre as suas pequenas obsessões e prazeres: a qualidade das salas de cinema, os produtos de beleza, os pastéis de nata, o Sporting, as telenovelas, e muitas outras coisas. Ainda no último ano publicara um álbum, intitulado "Nacional e Transmissível", onde constavam outros elementos das suas vivências, como os cafés lisboetas.

Os seus artigos incidiam sobre uma panóplia de assuntos, sobretudo filosóficos e políticos. Nos últimos verificava-se uma enorme concordância com as políticas do actual governo, com algumas críticas pontuais, sendo o último Ai, Simplex imagem disso mesmo. Como quase sempre,. EPC teve sempre esse oportunismo político, desde a sua ligação ao PC, passando pelo apego ao cavaquismo, e até aí se notava o seu cunho de intelectual afrancesado, qual Jacques Lang sem poder.

Que me lembre, vi-o só uma vez, numa série de conferências na Bolsa. Apesar de alguma irrritação que certos artigos do "Almôndega" (assim era conhecido nos tempos de faculdade) me provocavam, outros havia que eram imperdíveis. Admira-me aliás o imenso coro de homenagens que lhe fazem agora. Sempre o vi como um homem criticado por tudo e todos, de forma exagerada e por vezes maldosa, principalmente pelo seu francesismo, que como se sabe não está na moda, e caricaturado como o representante intelectual Rive Gauche em Portugal. Mas já se sabe que a morte produz milagres de opinião e honrarias. Assim, serei obrigado a concluír com o que outros disseram: deixa inequivocamente um lugar vago na cultura e na opinião portuguesa; e sim, fará muita falta ao panorama intelectual e jornalístico. Jamais reabriremos o Público sem nos lembrarmos do omnipresente O Fio do Horizonte. Um espaço em branco não apenas presumido, mas bem visível.
Já agora, assinale-se também outro desaparecimento de outro homem da cultura, mas da pop, e de Manchester: Tony Wilson, mentor dos Joy Division, New Order, Happy Mondays, da Haçienda e da Factory, e amigo de Miguel Esteves Cardoso. Conheci-o, como muita gente, no filme 24 Hours Party People. Um belo documento, aliás, para quem quiser conhecer a sua obra entre os anos 70 e 80, o urbano depressivismo e a loucura da Rave e do Madchester.



quarta-feira, agosto 29, 2007

O piroso nome escolhido pelos anarco-eco-pantomineiros mais mediáticos do momento, Verde Eufémia, podia muito bem dar o mote para outras inspirações. O PSD mais saudoso de Manuela Ferreira Leite, por exemplo, nesta luta de galos entre Mendes e Menezes, podia lançar o Laranja Ferreira. Os conservadores-liberais portugueses, sem grandes tradições femininas no nosso país, sempre podiam criar o Blue Thatcher; os comunistas, perdida a referência de Catarina de Baleizão, avançariam com a Rubra Odete (ou Ilda, apesar da cacofonia); e o PS, como forma de atraír os votos da comunidade emigrante, faria uma gracinha e criaria a sua secção Rosa Luxemburgo. Tais inspirações femininas coloririam a vida política portuguesa e sempre se podia dizer que os tais Verde Eufémia serviriam, afinal de contas, para qualquer coisa.

terça-feira, agosto 28, 2007

Ponte da BarcaA par das grandiosas festas da Senhora da Agonia, há inúmeras comemorações por esse país fora, em especial no Minho. No dia dos meus anos, comemora-se o São Bartolomeu. Ponte da Barca homenageia o Santo com festividades que ainda conservam a genuinidade e a tradição que quase desapareceram das descaracterizadas Feiras Novas de Ponte de Lima, onde a vodka e a dance-chunga substituíram as concertinas e o vinho verde. Claro que tem as suas fases de pimbalhada, e correm abundantemente as mais diferentes bebidas. Mas as rusgas não param, dança-se incessantemente a chula e a cana verde, ouvem-se bombos, concertinas e castanholas sem fim, improvisam-se desgarradas, e não faltam as barracas de tiros e os carrinhos de choque. Numa pequena vila já do "interior", a quarenta quilómetros a Oeste de Viana, a festa dura até às tantas e só cessa com o sol bem alto, lá pelas dez da manhã. A visitar, mas com calma e moderação, não vão as hordas de multidão transformá-las numa cópia das Feiras Novas dos tempos modernos. Para conservar Ponte da Barca "sempre formosa e contente", como dizia a música que se ouvia de dez em dez minutos.

terça-feira, agosto 21, 2007

Guevara nas festas da Senhora da Agonia

Na procissão dos mares da Senhora da Agonia, em Viana, mais do que um tipo com a t-shirt de Che Guevara se perfilava em respeito ante a passagem do andor da "festejada", em cima de um barco, com acompanhamento a rigor que tinha de rebocadores a jet-skis. Casos em que o materialismo acaba por ceder à devoção, mesmo que de forma inconsciente.

quarta-feira, agosto 15, 2007

A longa espera da Matriz de Caminha



Bom exemplo do nosso atraso nas obras de restauração do nosso património é o da Matriz de Caminha. O cartaz de licenciamento das obras anuncia um prazo de quatrocentos e vinte dias, os custos totais e os inevitáveis contributos do FEDER. Pois já lá vão mais de 4 anos, e a Matriz sempre sem abrir. Desconfia-se que os orçamentos foram igualmente ultrapassados. Continuam-se a ver andaimes sobre a muralha e tapumes a camuflar as ruínas da casa onde nasceu Sidónio Pais, se bem que com uma interessante biografia e ilustrações como decoração.
Não deixa de ser sintomático tamanho atraso, e muito estranho o facto de uma vila ficar sem a sua igreja principal utilizável durante tanto tempo, para mais Monumento Nacional, dos mais conhecidos da região. Vale o tecido urbano envolvente, as ruelas estreitas e longilíneas, a biblioteca, antiga prisão com condições pavorosas onde os presos estendiam as mãos por entre as grades, pedindo esmolas, agora bem recuperada e apetrechada, os pequenos largos, as capelinhas, a muralha, e a longa rua direita, com os seus numerosos bares, que se estende desde a Alfândega até à quatrocentista torre do Relógio, desaguando depois na bonita e arranjada Praça do Terreiro, ou do Conselheiro Silva Torres, com as suas esplanadas rodeando o chafariz.
Cem anos de Miguel Torga

Cem anos de Torga, comemorados na Segunda. Bem lembrados, excepto pela lamentável ausência de membros do governo nas comemorações oficiais, em Coimbra. Tanta preocupação com o conhecimento tecnológico e científico, com as línguas e a informática, e desdenham assim da efeméride consagrada a um dos maiores prosadores portugueses (mais do que poeta) do último século.

Outro erro grave: no meio do noticiário da RTP, em directo do Douro, com flashes em S. Martinho de Anta e Coimbra, a repórter que tinha por trás de si a curva impressionante do rio que rasga Trás-os-Montes lembra-se desta pérola: "vamos agora a Coimbra, cidade onde nasceu e viveu Miguel Torga..." Nem com um ponto para a ajudar - a outra repórter em S. Martinho - a senhora percebeu que Torga não era natural da Lusa Atenas.

Mas pelo menos a data não ficou esquecida. Nem em Coimbra, ao lado da paragem de romarias que era o antigo consultório do Dr. Adolfo Correia da Rocha, no Largo da Portagem, sob o Governo Civil; nem em S. Martinho, no largo da aldeia, junto ao busto do autor dos Diários, perto da singela casinha com portadas azuis onde ele nasceu; houve mesmo um monólogo do actor José Pinto, cujas semelhanças com o médico são notórias, sobre a paisagem mágica do Douro. Pena que não fosse (pelo menos não me pareceu) no promontório de S. Leonardo de Galafura, que tanto inspirou Torga, o seu amor telúrico pela velha terra transmontana e o seu fascínio pela paisagem duriense, e que ainda exibe os seus versos numa lápide da ermida que ali se encontra.

Conhecendo superficialmente a sua poesia, e daí a preferência pela prosa, tendo visto alguns dos Diários de forma pouco cronológica e metódica, fui tocado quando era pequeno pelos seus Bichos, Contos da Montanha e Rua. A simplicidade da prosa, aliada a velha linguagem, pouco usada mas clara, ligada a situações e personagens bem portuguesas, e particularmente transmontanas despertou-me para mais leituras do autor. Algumas são autênticas lições de vida, com muito de autobiográfico pelo meio. E já que é do seu centenário que tratamos, relembro o comovente conto Natal, dos Novos Contos da Montanha, em que um mendigo, o Garrinchas, se abriga pela gelada e santa noite numa ermida, convidando a estátua da Virgem com o Menino ao colo para o acompanharem na sua parca ceia, à volta da fogueira. Pois essa emida não é outra senão a da Senhora da Azinheira, no alto de um monte desolado, com vegetação rasteira e rochas, uma fabulosa vista sobre a região circundante, até ao douro, e sobranceira a S. Martinho da Anta, a terra do escritor. Mesmo com toda a notoriedade que alcançou, Torga não esqueceu nunca de onde vinha nem quem era.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Schuster e o Princípio de Peter

O Belenenses perdeu com o Real Madrid por 1-0, no torneio Teresa Herrera. Tendo em conta a diferença de meios económicos e humanos entre o clube da Cruz de Cristo e o colosso espanhol - apenas o maior clube do mundo - o resultado parece ser lisonjeiro. Acontece que o golo surgiu no último minuto, por via de um peru monumental do guarda-redes Marco. No resto do jogo, o Belém teve as melhores oportunidades, falhando algumas com uma displicência arrepiante.
Ocorreu-me isto depois de ouvir as palavras de novo treinador madridista, Bernd Schuster: segundo o técnico alemão, o Belenenses limitou-se a defender, a fazer um ou outro contra-ataque, e o Real facilmente poderia ter resolvido o jogo, se tivesse querido.
Compreende-se: Schuster, muito bom jogador nos anos oitenta, tinha, e parece que ainda tem, uma falta de estofo psicológico incrível. Quando o Barcelona, onde jogou, perdeu a final da Taça dos Campeões em Sevilha, em 1986, contra o Steaua de Bucareste, teve um trauma tal que nunca mais jogou da mesma forma. Agora, depois de ter treinado o Getafe, acaba de ser contratado pelo Real para ser técnico principal, em lugar de Fabio Capello, que até se sagrou campeão. Colocar este tipo irritante, que usa desculpas esfarrapadas para justificar os maus resultados da equipa, como treinador do Real Madrid, em substituição de um dos melhores do mundo, para mais campeão, mau grado os seus caprichos e resmungos, é um tiro no pé como raramente se vê. Infelizmente não dou nada pelo Real do próximo ano. Mas pelo menos haverá a suprema possibilidade de se ver o Princípio de Peter magnamente aplicado.

domingo, agosto 05, 2007

Chamem-me inimigo da liberdade

Chamem-me de "inimigo da liberdade" ou qualquer coisa parecida. Mas para mim, aquelas caricaturas obscenas dos Príncipes das Astúrias ultrapassaram um limite para além do suportável. Não sei se a apreensão das publicações terá sido a melhor das ideias, mas uma coisa daquelas não podia ficar impune. Não acho que a liberdade de expressão tenha de ser ilimitada, já que mais nenhuma o é. E por mais figura pública que seja, e possa ser alvo de críticas e de sátiras, os Príncipes representam a Coroa e merecem um mínimo de respeito, coisa que não sucedeu neste episódio. Acresce que se fizessem o mesmo ao editor ou director da tal revista Jueves, alguém se indignaria se pusesse os autores da graça em tribunal?

E para os interessados, também achei ridículas as caricaturas de Maomé naquele jornal dinamarquês. Não as reacções com incitamentos à morte, nem às pilhagens subsequentes; mas os ofendidos podem sempre recorrer aos meios judiciais. Há muito que assim é, mas parece que a admiração vem de agora. Como se a liberdade de expressão não violasse igualmente outros valores tutelados pelo direito; é essa a máxima prova de que não é ilimitada e absoluta.
Aliás, ainda há bem pouco tempo, uma instância judicial condenou o colunista Augusto M. Seabra por ter chamado "energúmeno" a Rui Rio. Não houve qualquer protesto de "limitação de liberdade" nem reacção de indignação a esta sentença, e no entanto, perante os termos em causa, fica-se com a sensação de que esta pecou por excesso.
Claro que não defendo a prisão para os que se divertem a achincalhar os outros na praçapública. simplesmente, se tomarmos a livre expressão como um direito absolutíssimo, as consequências que daí adviriam seriam bem mais gravosas. Não creio mesmo que face a algumas situações concretas, ninguém aprovaria tal coisa.
Outro assunto que passou na comunicação social e atiçou comentários idênticos foi o caso da exoneração da direcora do Museu de Arte antiga. Parece que a senhor deixou trabalho de monta, com resultados visíveis. Não me custa a acreditar, até porque este ano passei por lá mais do que uma vez e gostei do que vi, como aquela exposição de arte medieval polaca. Parece no entanto que a mesma directora veio publicamente discordar das novas leis orgânicas do Governo, queixando-se da falta de autonomia finaceira do Museu e demonstrando as suas discordâncias face às opções governamentais. Tais atitudes valeram-lhe a demissão, o que levou a um abaixo-assinado solidário de várias figuras da vida cultural, e largas colunas de opinião queixando-se que tinha sido despedida por "exprimir apenas uma opinião diversa", da crescente falta de liberdade na Administração pública, no "clima estalinista", Etc. Ora como disse Vasco Pulido Valente num dos seus mais sensatos artigos desde há muito, o que estava em causa não era a liberdade de expressão da directora, mas sim os seus deveres perante a tutela e a obrigação de não desautorizar as hierarquias, como aconteceu quando resolveu ir para os jornais afrontá-las. O seu cargo implicava uma responsabilidade que implicava alguma contenção. Ao discordar do modelo oficial e exigir outro, coisa que não lhe cabia decidir, só se podia optar pela sua saída. Não se lhe impôs que aceitasse ideias diferentes das que tinha, mas uma vez que como directora das Janelas Verdes acatá-las-ia de má vontade, provocando algum mau-estar no seio do Ministério, forçosamente teria de seguir caminhos diferentes. Em qualque empresa aconteceria sempre algo de semlhante (e sim, isto aplica-se aos que acham que o Estado não pode intervir na cultura). É que "liberdade de opinião" não significa anarquia ou desobediência porque sim. Liberdade implica sempre responsabilidade pessoal, por muito que esta máxima esteja velha, gasta, e dê para qualquer ocasião.
Pêsames coincidentes

Por acaso já ocorreu um caso parecido com o dos dois realizadores desaparecidos nos últimos dias. Lembro-me de alguém, em inícios de 2003, desejar que Gregory Peck e Katharine Hepburn continuassem entre nós, para provar que eram realmente imortais. Pois em Junho desse ano morreram os dois, com 15 dias de intervalo. Não é a mesma coisa que acontecer tudo num dia, mas parece demonstrar que há épocas especiais de luto por grupos de personalidades, e raramente por uma só. Uma estranha escolha de épocas a dedo divino, é o que parece ser.

quarta-feira, agosto 01, 2007

Agosto
Em Agosto, zarpo para o sítio do costume, que de ano a ano, se cobre ainda mais de tédio. não é que tenha grande vontade, mas por agora não vejo muitas mais opções de fuga. Fiquemo-nos para já por aqui, à falta de melhor, entre a nortada e a nebulosidade.
Bergman e Antonioni

Será possível que dois dos maiores realizadores europeus de sempre desapareçam no mesmo dia, com 12 horas de diferença? Ao que parece, sim.
Não sei se existe um dia mundial do cinema, já que há de tudo o resto. Mas se não houver, proponho que a partir de agora seja a 30 de Julho, como justa homenagem a dois homens que desde anteontem se tornaram definitivamente mitos.
PS: apesar de tudo, reconheço que não vi mais do que dois filmes de cada um destes cineastas. Mas que importa isso?