Chamem-me de "inimigo da liberdade" ou qualquer coisa parecida. Mas para mim, aquelas caricaturas obscenas dos Príncipes das Astúrias ultrapassaram um limite para além do suportável. Não sei se a apreensão das publicações terá sido a melhor das ideias, mas uma coisa daquelas não podia ficar impune. Não acho que a liberdade de expressão tenha de ser ilimitada, já que mais nenhuma o é. E por mais figura pública que seja, e possa ser alvo de críticas e de sátiras, os Príncipes representam a Coroa e merecem um mínimo de respeito, coisa que não sucedeu neste episódio. Acresce que se fizessem o mesmo ao editor ou director da tal revista Jueves, alguém se indignaria se pusesse os autores da graça em tribunal?
E para os interessados, também achei ridículas as caricaturas de Maomé naquele jornal dinamarquês. Não as reacções com incitamentos à morte, nem às pilhagens subsequentes; mas os ofendidos podem sempre recorrer aos meios judiciais. Há muito que assim é, mas parece que a admiração vem de agora. Como se a liberdade de expressão não violasse igualmente outros valores tutelados pelo direito; é essa a máxima prova de que não é ilimitada e absoluta.
Aliás, ainda há bem pouco tempo, uma instância judicial condenou o colunista Augusto M. Seabra por ter chamado "energúmeno" a Rui Rio. Não houve qualquer protesto de "limitação de liberdade" nem reacção de indignação a esta sentença, e no entanto, perante os termos em causa, fica-se com a sensação de que esta pecou por excesso.
Claro que não defendo a prisão para os que se divertem a achincalhar os outros na praçapública. simplesmente, se tomarmos a livre expressão como um direito absolutíssimo, as consequências que daí adviriam seriam bem mais gravosas. Não creio mesmo que face a algumas situações concretas, ninguém aprovaria tal coisa.
Outro assunto que passou na comunicação social e atiçou comentários idênticos foi o caso da exoneração da direcora do Museu de Arte antiga. Parece que a senhor deixou trabalho de monta, com resultados visíveis. Não me custa a acreditar, até porque este ano passei por lá mais do que uma vez e gostei do que vi, como aquela exposição de arte medieval polaca. Parece no entanto que a mesma directora veio publicamente discordar das novas leis orgânicas do Governo, queixando-se da falta de autonomia finaceira do Museu e demonstrando as suas discordâncias face às opções governamentais. Tais atitudes valeram-lhe a demissão, o que levou a um abaixo-assinado solidário de várias figuras da vida cultural, e largas colunas de opinião queixando-se que tinha sido despedida por "exprimir apenas uma opinião diversa", da crescente falta de liberdade na Administração pública, no "clima estalinista", Etc. Ora como disse Vasco Pulido Valente num dos seus mais sensatos artigos desde há muito, o que estava em causa não era a liberdade de expressão da directora, mas sim os seus deveres perante a tutela e a obrigação de não desautorizar as hierarquias, como aconteceu quando resolveu ir para os jornais afrontá-las. O seu cargo implicava uma responsabilidade que implicava alguma contenção. Ao discordar do modelo oficial e exigir outro, coisa que não lhe cabia decidir, só se podia optar pela sua saída. Não se lhe impôs que aceitasse ideias diferentes das que tinha, mas uma vez que como directora das Janelas Verdes acatá-las-ia de má vontade, provocando algum mau-estar no seio do Ministério, forçosamente teria de seguir caminhos diferentes. Em qualque empresa aconteceria sempre algo de semlhante (e sim, isto aplica-se aos que acham que o Estado não pode intervir na cultura). É que "liberdade de opinião" não significa anarquia ou desobediência porque sim. Liberdade implica sempre responsabilidade pessoal, por muito que esta máxima esteja velha, gasta, e dê para qualquer ocasião.
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