sexta-feira, janeiro 31, 2014

Praxes, causas e consequências


De repente, toda a gente fala em praxes, práticas académicas, toda a gente discute se são "tradições" ou "barbárie", se devem ser preservadas, proibidas ou modificadas. A discussão já tem décadas (séculos, até), mas anda sempre em círculo, sem se chegar a acordo possível. Desta vez surgiu a propósito dos estudantes arrastados por uma onda na praia do Meco. A tragédia aconteceu dias antes do Natal, gerou o choque normal durante uns dias, e depois pouco se falou. Quando li a notícia pensei que fosse uma embriaguez estudantil académica nocturna, não necessariamente uma praxe, que os tinha levado à praia numa noite de Inverno em que havia avisos pelo estado do mar, e que por causa de uma terrível irresponsabilidade, tinham pago com a vida. Parece agora que houve mais qualquer coisa.


Nem eu nem ninguém, excepto o sobrevivente, sabe o que realmente se passou, e se a causa da tragédia se deve a um qualquer ritual obscuro praxístico. Mas a violência do acontecimento, autêntica história trágico-marítima, e as reacções exacerbadas que daí resultaram, leva a que as pessoas procurem uma causa e um culpado. Lá voltou a praxe às conversas dos dias que passam, e os diferentes pontos de vista, quantas vezes exacerbados.

As opiniões sobre esta matéria dependem, naturalmente, da experiência de cada uma, e, de quem não a tendo, do que vê e ouve. No meu caso não tenho muito a dizer. A praxe que "sofria" na UCP do Porto, nos anos noventa, intimidava no primeiro dia porque não se sabia ao que se ia. A partir daí, era mais uma brincadeira que outra coisa. Sim, também tivemos praxes na praia, que aliás era muito perto, mas nada de rituais nocturnos junto à rebentação: eram sobretudo construções na areia, no tempo soalheiro de Outubro. Mesmo o "tribunal" era uma audiência de cenário tétrico, de janelas fechadas e decorado com capas negras, iluminado com velas, onde os caloiros faziam o possível para não rir. Pelo meio, uns jantares, uns copos, o "baptismo" no chafariz do Passeio Alegre, e depois parava tudo, até à Queima. Numa situação, foram mesmo os "veteranos" a sanar um problema em que um professor se tinha recusado a dar uma aula por mau comportamento dos alunos (todos acabados de entrar na faculdade).Claro que havia quem não gostasse, e um caso ou outro de uma caloira que desatava a chorar. Imediatamente os responsáveis tinham uma conversa com ela, tratando-a como uma amiga, até que as coisas se compunham. E pelo meio havia também um ou outro trajado que, inseguro da sua autoridade natural, falava mais aos berros, ou revelava uma notável tendência para a parvoíce ou boçalidade.


Também por isso espanto-me a ver, todo o santo ano, grupos de caloiros com as respectivas "cores" e
roupagens de praxe, guiados pelos respectivos "doutores", a desfilar pelas ruas com os seus cânticos de guerra. Que eu me lembre, estas coisas aconteciam em outubro. Mas em Janeiro e Fevereiro, em épocas de exames? Ou antes do Verão, quando supostamente já nem há caloiros? Quem é que se lembra de tamanha excentricidade? Ou as alturas de estudo mudaram, ou as praxes tornaram-se uma forma de vida do quotidiano.

Talvez seja por esta explosão praxística, esta overdose de "tradição", originada obviamente pelo boom de universidades privadas, como a Lusófona, que só é notícia pelas piores razões, como agora, que se discute com mais virulência as praxes e as formas de a controlarem. Talvez fosse melhor olhar antes de mais para essa causa, a da multiplicação de cursos e cursilhos nem sempre muito exigentes, para ser bondoso. É que a sofreguidão em se possuir um "canudo", ser-se tratado por "doutor" e poder-se dizer que se andou na faculdade, que afecta boa parte da classe política, e que tanta mediatização tem atraído, também se reflecte nos morcegos de traje, os tais "doutores" académicos. Se o universo de politécnicos, institutos e universidades de vão de escada é tão pouco regulado em Portugal, porque não haveria de o ser igualmente as suas extracções, cópias de verdadeiras tradições que havia em academias e universidades mais antigas? Se acham que as praxes estão fora de controlo, mexa-se antes nas instituições que estão na sua origem. e talvez se faça alguma coisa. Proibir pura e simplesmente, como quer fazer o Bloco (só podia), com o argumento do "fascismo", é pura retórica supostamente anti-populista. As praxes devem continuar, porque têm realmente um efeito integrador, para quem o deseje. Se houver abusos, os seus responsáveis devem prestar contas entre eles ou perante os corpos da faculdade respectiva, ou na pior das hipóteses, nas instâncias criminais. Mas antes, vejam onde é que elas se produzem, e se o ambiente académico e pedagógico respectivo não é de mera compra e venda de cursos, sem muito mais exigências.


sábado, janeiro 25, 2014

Liaisons dangereuses ou nem tanto?



As escapadelas de Monsieur Hollande, esse "presidente normal", deixaram a França meio a rir, meio admirada de ver um tipo com o carisma de um cágado e aparência do perfeito manga de alpaca com um currículo feminino de respeito. Dadas as tradições de casos amorosos dos chefes de estado do hexágono, dos luíses aos presidentes da V República, passando por Bonaparte, os franceses não terão certamente estranhado, bem pelo contrário, e Hollande não terá perdido qualquer voto com as suas aventuras. Aliás, dado esse historial só reforçam o seu estatuto de "presidente normal".

Muito embora o adultério seja um traço deplorável em relação à pessoa com quem supostamente se quer partilhar a vida, a verdade é que, casos extremos à parte, não mancham qualquer actuação do incumbente de um político. Sórdidas novelas como a que vimos à volta de Bill Clinton, e que tivemos a desonra de assistir em finais dos anos noventa naquela terra puritana a que chamamos vulgarmente Estados Unidos, não têm grande audiência deste lado do Atlântico, felizmente. E para ser franco e descer um pouco à conversa de comadre, não sinto pena algum pela actual "primeira dama" do Eliseu, a frondeuse Valérie Trierweiler. Além de possuir um ar muito pouco simpático, é bom recordar que também ela se tinha envolvido com Hollande quando ele ainda se encontrava com Segoléne Royal (aliás muito mais interessante), e que aliás já este ano influenciou a sua derrota no círculo eleitoral para a qual era candidata ao parlamento.

Dito isto, há alguns pormenores que não são exactamente da "estrita vida privada" dos estadistas: por exemplo, os achaques de Madame Trierweiler, que gasta uns bons milhares de euros por mês aos fundos estatais, o mau ambiente que isso possa trazer ao Eliseu. mas sobretudo, as questões de segurança do próprio Hollande. Claro que é cómico vermos a personagem fugindo à socapa do apartamento de Gayet (que a propósito, já não é exactamente uma "jovem", e sim uma quarentona) naquela moa-triciclo, com o capacete a mostra-lhe os olhos assustados. Mas e se alguém menos recomendável - um jihadista, por exemplo, aborrecido com a intervenção no Mali -  soubesse quem ia ali? E depois, há ainda a questão do apartamento, ao que parece propriedade de uma amiga da actriz, com relações obscuras com mafiosos corsos. É bom lembrar que a profissão de espião é das mais antigas da humanidade. E que a alcova é das mais clássicas (e eficazes) maneiras de se sacar segredos de relevo, influenciar-se augustas figuras, e assim se moldar o curso da História.


PS: claro que se o normal monsieur Hollande escapar disso, das críticas de todos os socialistas da Europa já não escapa, depois da incrível inversão do programa económico para os próximos anos, ultrapassando Sarkozy pela direita. e pensar que era a "esperança" da esquerda há menos de dois anos. Mas Miterrand teve uma actuação muito semelhante.

quarta-feira, janeiro 22, 2014

O tacticismo de Marcelo



Duvido muito que Marcelo Rebelo de Sousa, ao contrário do que disse na sua crónica semanal televisiva, tenha desistido da candidatura presidencial. Já há anos que alimenta esse objectivo e sabe que tem popularidade e notoriedade para o conseguir. Mas bom tacticista como é, preferiu revelar a ideia aos telespectadores para obter reacções de desagravo do PSD (Passos coelho já veio apressadamente desmentir) e o apoio por parte do público, que de outra forma nem ligaria à moção do actual PM. E é verdade que esta impressiona pela sua tonteria e credulidade de que irá fatalmente ganhar as eleições de 2015 e impor o seu candidato presidencial, para além da arrogância em fazer crer que bom, bom, é um presidente imóvel e meramente institucional. Se é para isso, mais vale fazer como na Alemanha ou em Itália e pôr o parlamente a votar num "venerando senador". Poupava-se dinheiro e seria menos um argumento a favor da república. Mas Marcelo sabe que as divisões no PSD, a impopularidade do governo e as duvidosas hipóteses de Durão e Santana jogam a seu favor. Até porque se o aparelho laranja o afastar explicitamente em favor de outro, pode sempre recorrer a um exemplo vitorioso e fresco na memória: Rui Moreira.

quinta-feira, janeiro 16, 2014

Dez anos





E assim chegámos aos dez anos de A Ágora. Sim, este espaço que estão a ler completa hoje dez anos de idade. Uma década, desde aquela madrugada em Janeiro de 2004, em que decidi que nome haveria de dar ao blogue e em que escrevi as primeiras linhas, antes da surpresa de me ver publicado online.

Não é preciso lembrar que raríssimos blogues chegam a esta idade. Da primeira leva, de 2003, quase não deve haver nenhum activo. Da segunda, de 2004, ao qual este pertence por longevidade própria, tão pouco. Claro que na altura jamais pensaria em manter-me tanto tempo no mesmo formato. Cheguei a pensar em convidar mais pessoas para o blogue, em mudar o formato da página, o subtítulo que mostra aos leitores incautos ao que vêm, coisas que acabaram por nunca acontecer. Hoje escrevo estas linhas no mesmíssimo quarto e que o iniciei. O blogue continua a reflectir o mundo do seu escriba, faça ou não parte da actualidade mediática, diga muito ou pouco a quem se depara, nas inúmeras ligações que quotidianamente faz por acaso, pela primeira vez com esta página. Algumas ideias mudaram, o estilo terá sofrido mudanças imperceptíveis, a técnica e os instrumentos à disposição deram nova arrumação aos escritos, e hoje olho para alguns textos que me parecem mais pueris de forma benevolente. Julgo que isso deve acontecer em qualquer pessoa que encontre coisas por si escritas com uma década, sobretudo se se tratar de um projecto no início.

Este caminho solitário, em que é obrigatório alimentar o "bicho" amiúde, ou perdemos imediatamente auditório, nem sempre é fácil. E é bem provável que um dia destes tire umas férias - só e apenas isso. Mas por enquanto, e porque ainda me sobra paciência e tenho algumas coisas que me saltam à vista para escrever, este blogue manter-se-à activo. Quando achar que nada mais tenho para dizer, que não faz sentido ou que se tornou numa obrigação pesada, então encerrarei a sua publicação. Mas não por agora. O que não significa que não possa haver algumas mudanças, ao layout e à apresentação, por exemplo. O nome, esse, garanto, é que nunca irá mudar. 

O caso que faltava para animar o congresso



O curto faits divers dos delegados do CDS do Algarve num restaurante de leitões era a pincelada que faltava para colorir um congresso bocejante, em que quase nada mudou no partido, e que só serviu para a oposição a Portas ganhar mais uns elementos nos órgãos nacionais e Nobre Guedes (caramba, envelheceu como tudo!) fazer o papel de António Costa dos conservadores. Ou seja, uma ou duas coisas mudaram para que tudo ficasse na mesma. Ao menos reuniram-se numa zona fora dos grandes centros urbanos e levaram alguma animação à Bairrada. Mas como quase não há congresso do CDS em que não se assista a casos rocambolescos (do café de Manuel Monteiro ao "eu sei que você sabe que eu sei" de Nogueira Pinto, passando pelas sessões de pugilato protagonizadas por Ferreira Torres e outras facécias), o micro-caso dos leitões apareceu na altura certa. E com evidentes vantagens: deu para saber mais nomes de restaurantes da especialidade, quais os melhores, testemunhos de apreciadores, etc.

O líder, esse, permanece inamovível, ainda que não incontestável, mesmo que os seus mais directos seguidores demonstrem apoio até ao fim.


                                                   (tirado do Corta-Fitas)

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Uma semana desportiva proveitosa


Depois da morte física de Eusébio, a semana futebolística tem sido fabulosa. Como se o espírito do Pantera Negra se tivesse apoderado dos seus directos sucessores (o Benfica e o seu legítimo representante como melhor jogador da actualidade) e os tivesse guiado aos respectivos triunfos.

Apesar de saber que os jogadores teriam motivação extra, temia que não fosse suficiente o que acusassem a pressão. Ou algum golpe de menos fortuna, como no ano passado. Mais do que um jogo importante para o campeonato, a tentativa de chegar à liderança, um confronto com o grande adversário dos últimos anos ou mesmo a superação de fantasmas recentes, era a própria honra, mais, era a sobrevivência moral do Benfica que estava em jogo. A homenagem a Eusébio, nos dias a seguir à sua morte, exigia o maior esforço possível.

E os jogadores cumpriram, justiça lhes seja feita. Não com um jogo de uma qualidade extrema ou com a famosa "nota artística", mas com raça, entrega, vontade. Rodrigo, ao marcar aquele primeiro golo de raiva, era a perfeita imagem disso. E com isso desconcertou o Poro, que baixou os braços e pouco ameaçou. O golo de Garay só confirmou a justíssima vitória (que podia ser maior se Rodrigo tivesse sido um pouco mais certeiro), depois do que o Benfica descansou um pouco e o Porto mostrou uns fogachos insuficientes por Quaresma. o árbitro resolveu fazer-se notar, negando um penalty para cada parte e expulsando o jogador errado (expulsou Danilo, deveria ser Jackson) O Benfica não ameaçou mais, mas havia que gerir emoções, e sem Cardozo e Salvio o poder de fogo também era menor. Ficou a vitória natural, o melhor tributo ao Pantera.

Mas ainda antes tínhamos assistido a uma das mais belas coreografias de estádio que provavelmente já se viram em Portugal (podem ver aqui mais em pormenor), a um minuto de silêncio escrupulosamente respeitado, excepto pela meia-dúzia de anti-sociais que aparece sempre, e a uma homenagem singular dos jogadores do Benfica, envergando todos uma camisola com o nome Eusébio. Não era inocente: o peso da camisola e a responsabilidade de a honrar fariam, como fizeram, o seu papel no jogo.

O Benfica guindou-se assim para a liderança isolada do campeonato, recebendo o galardão simbólico de "campeão de Inverno". Insisto no simbólico. Porque com a saída de Nemanja Matic, o esteio do meio-campo e da equipa, o jogador cuja ausência mais se nota, e sem substitutos à altura, será muito complicado manter o nível. Se fosse no Verão, entre épocas, a situação seria ultrapassável. Não agora, a meio. 
Mas de qualquer forma, mesmo que o Benfica nada ganhe (e longe vá o Agouro, que o ano passado já bastou), pelo menos ganhou este simbolicíssimo jogo e defendeu a honra da casa. Isso já ninguém lhe tira.

E logo no dia seguinte, claro, a semi-esperada vitória de Cristiano Ronaldo na Bola de Ouro da FIFA, consagrando-o como melhor jogador de 2013. Até ao anúncio oficial, pela voz de Pélé, ainda estava algo apreensivo com a hipótese de ganhar Messi. Felizmente, ganhou aquele que mais lutou pelo galardão (e que teve alguma sorte, convenhamos, com os disparates de Joseph Blatter). O argentino já parecia um vencedor administrativo, "porque sim", mudando todos os anos os critérios e os pretextos para que ele vencesse. Já Ribery estava lá como representante do Bayern de Munique, vencedor em todas as frentes, uma raciocínio um pouco absurdo dado que se tratava de um prémio individual e não de uma equipa (e para isso talvez Lham ou Robben). E como disse Pélé, quando o português não aguentou a emoção e se desmanchou em lágrimas, "Deus ajuda a quem merece". Mereceu.

Uma nota: o Benfica estava particularmente bem representado na Gala da FIFA. Para além da homenagm a Eusébio ainda tivemos lá Matic, ainda nosso jogador, candidato ao melhor golo de 2013, precisamente um ano atrás (ficou em segundo, mas o golo vencedor, de Ibrahimovic, era mesmo imbatível, mesmo que na realidade datasse de 2012). E o troféu de melhor treinador coube, sem surpresas, a Jupp Heinckes, antigo técnico do Benfica, que depois da humilhação de Vigo e de despedir João Vieira Pinto saiu sem glória para dar lugar a José Mourinho, curiosamente numa das piores épocas de sempre do Benfica.


segunda-feira, janeiro 13, 2014

Ah, o Mar, sempre tão encantador



Até aos 3 anos, andei no centro social infantil neste mesmo local (fica à direita da foto). Pergunto-me que imagem de infância guardaria se tivesse visto ondas deste calibre, como as que assolaram a Foz na semana passada, com um cenário de que ninguém se lembrava. Os actuais "utentes" tiveram de ser levados dali para fora, tal como os velhinhos do centro de dia ao lado. Já agora: tantos mirones apesar do perigo óbvio e previsto? Felizmente tudo não passou de uma molha, alguns riscos nos carros e um grande susto, porque se tivesse acontecido alguma tragédia falava-se logo em "azar" ou em "ondas que apareceram não se sabe de onde" (como ainda há uns tempos ouvi, a propósito de um naufrágio junto à costa). E apesar do reboliço, alguns imprudentes ou fotógrafos temerários não deixaram de fazer a sua incursãozinha para lá das fitas de protecção. As vagas dessa segunda feira de Reis, de Norte a Sul do país, não deixarão certamente de ser recordadas durante anos. Espera-se é que tenham ensinado alguma coisa.



quinta-feira, janeiro 09, 2014

A importância de Eusébio



A despedida do Pantera Negra foi comovente, grandiosa e superlativa, como era justo que fosse. Portugal despediu-se de um dos seus representantes mais notáveis, e certamente o mais conhecido no último século. Em Dia de Reis, como convinha ao "King". Sob a chuva, para reforçar ainda mais as lágrimas. E no meio de toda a emoção, não faltaram os exageros, como propor que o seu nome fosse dado ao Estádio da Luz (coisa que o próprio nunca quis), ou sugestões óbvias, como a sua futura transladação para o Panteão Nacional, coisa absolutamente previsível, já que todos os partidos políticos suportam a ideia sem objecções.

Igualmente previsíveis foram algumas críticas à futura transladação. Desde argumentos clubistas mal disfarçados, até à habitual pedantice a armar ao intelectual despeitado porque seria "um escândalo" que "um futebolista" fosse colocado na mesma situação que essas eminentes figuras que tanto deram à Pátria, como Teófilo Braga, Óscar Carmona ou João de Deus. A deposição dos restos mortais do Pantera Negra é para mim um acto da mais elementar justiça e gratidão. Um homem que é simplesmente o português mais conhecido fora de Portugal dos últimos cem anos, sem internet, Youtubes e smart phones, que numa altura em que o país era notícia por razões obscuras, como a guerra, ou pura e simplesmente ignorado, milhões de pessoas por esse Mundo fora souberam o que era Portugal graças a ele, por boas razões. O primeiro grande futebolista africano (talvez o maior até agora) causou alguma estranheza no mundial de 1966, em Inglaterra, pelo exotismo de um negro jogar numa equipa europeia (além dele ainda havia outros, como o próprio capitão da equipa, Coluna). Para mais, sagrou-se como o melhor goleador e impressionou as assistências. Por causa dele, havia mini-tréguas na guerra colonial. E por ele, agora, inúmeras capas de jornais internacionais colocaram a notícia da sua morte na primeira página, imensos noticiários por todo o Mundo deram a triste notícia, incontáveis figuras do desporto, e não só, sentiram-se na obrigação de dar uma palavra em honra do rapaz da Mafalala. E sobretudo impressionou a reverência feita pelo Manchester United e pelo Real Madrid, que fizeram um minuto de silêncio antes dos respectivos jogos e puseram a bandeira portuguesa a meia-haste. Reparem que estamos a falar dos dois clubes mais titulados de Espanha e Inglaterra, o país vizinho que durante séculos nos tentou anexar e o velho "aliado" que sempre se aproveitou das nossas debilidades quando lhe convinha. Ou seja, dois países que sempre não raras vezes desprezaram (e muitas vezes ainda desprezam) Portugal, que tanto ameaçaram o nosso povo, inclinaram-se e aplaudiram respeitosamente um português africano. Se este homem não merece as honras do Panteão, então que desapareça o Panteão, porque não tem qualquer serventia e não passará de um mono ridículo.

domingo, janeiro 05, 2014

Eusébio da Silva Ferreira 1942 - 2014

 
O Pantera deixou-nos. Definitivamente. Confesso que era uma notícia que temia quando se anunciava novo internamento do King. E fatalmente, teria de chegar. Agora, a pouco tempo de completar 72 anos, (curiosamente seria no dia em que passariam dez anos sobre a morte em campo de Miklos Feher).Causa muita estranheza e impressão ver o símbolo maior do nosso futebol deixar-nos, um homem que, apesar de nunca ter visto jogar, fazia parte do meu imaginário e de que sempre tinha ouvido falar. A lenda tornou-se um pouco mais terrena nos únicos segundos em que o vi, no corrupio daquele aeroporto alemão em dias de grande competição da bola, e em que fui cumprimentar o Pantera, que de repente ali estava à minha frente.
 
A notícia que acordou os portugueses neste triste Domingo deixou a maior parte chocada. Se ainda há alguém que não percebeu a importância de Eusébio, passo a explicar. Não era um mero jogador muito talentoso e um pouco ingénuo que ganhava títulos: era o português mais conhecido em todo um mundo, num tempo sem internet nem telemóveis, o homem que pôs o futebol português no mapa, o primeiro grande ídolo africano, quando moçambique era um colónia e a maioria dos novos estados de África um conjunto de propriedades de sobas que tinham estudado na Europa. Era um português africano que encantou o Mundo e pôs a Inglaterra de 1966, em plena ascensão dos Beatles, boquiaberta de espanto. Era o homem de quem, quando se falava em qualquer ponto do globo, criava um imediato sentimento de simpatia respeitosa para com Portugal. Era, enfim, alguém capaz de calar as armas da guerra colonial nas picadas de África com os seus golos, e que nunca, mas nunca, se queixou dos seu países, o de nascimento e o de sempre. Por tudo isso, o Benfica, e já nem falo dos países mencionados, devia colocar a bandeira a meia-haste durante todo o ano e os seus jogadores pensare nele antes de entrar em cada relvado.
 
Eusébio, o Pantera Negra, o português mais conhecido e admirado do século XX (que me perdoe Amália), era um mito e agora tornou-se definitivamente numa Lenda que nunca será esquecida. Que Deus o guarde pelo muito que nos deu.

 

sábado, janeiro 04, 2014

Recomeço

 
E ao quarto dia do novo ano, décimo primeiro deste espaço, A Ágora reentra em actividade. Com pouco para dizer, note-se. recomeça vagarosamente, ao contrário do clima. Tal como os britânicos, poderíamos começar por falar no tempo, que, depois de uma trégua na noite de ano novo, piorou ainda mais em relação ao Natal, com cataratas a caírem dos céus, ventos arrasadores, granizo com amostras do tamanho de ovos de pomba, raios e coriscos nos céus, vagalhões a assolarem a costa, rios a visitar terreno por norma (mas nem sempre por costume) enxuto e neves abaixo do alto das serras. Para início, estamos bem servidos. E ainda o Inverno está longe do termo. Ah, e temos também um imposto acrescido e com outro nome sobre os reformados. o aumento das receitas fiscais acima das expectativas não devia servir para alguma coisa?