De repente, toda a gente fala em praxes, práticas académicas, toda a gente discute se são "tradições" ou "barbárie", se devem ser preservadas, proibidas ou modificadas. A discussão já tem décadas (séculos, até), mas anda sempre em círculo, sem se chegar a acordo possível. Desta vez surgiu a propósito dos estudantes arrastados por uma onda na praia do Meco. A tragédia aconteceu dias antes do Natal, gerou o choque normal durante uns dias, e depois pouco se falou. Quando li a notícia pensei que fosse uma embriaguez estudantil académica nocturna, não necessariamente uma praxe, que os tinha levado à praia numa noite de Inverno em que havia avisos pelo estado do mar, e que por causa de uma terrível irresponsabilidade, tinham pago com a vida. Parece agora que houve mais qualquer coisa.
Nem eu nem ninguém, excepto o sobrevivente, sabe o que realmente se passou, e se a causa da tragédia se deve a um qualquer ritual obscuro praxístico. Mas a violência do acontecimento, autêntica história trágico-marítima, e as reacções exacerbadas que daí resultaram, leva a que as pessoas procurem uma causa e um culpado. Lá voltou a praxe às conversas dos dias que passam, e os diferentes pontos de vista, quantas vezes exacerbados.
As opiniões sobre esta matéria dependem, naturalmente, da experiência de cada uma, e, de quem não a tendo, do que vê e ouve. No meu caso não tenho muito a dizer. A praxe que "sofria" na UCP do Porto, nos anos noventa, intimidava no primeiro dia porque não se sabia ao que se ia. A partir daí, era mais uma brincadeira que outra coisa. Sim, também tivemos praxes na praia, que aliás era muito perto, mas nada de rituais nocturnos junto à rebentação: eram sobretudo construções na areia, no tempo soalheiro de Outubro. Mesmo o "tribunal" era uma audiência de cenário tétrico, de janelas fechadas e decorado com capas negras, iluminado com velas, onde os caloiros faziam o possível para não rir. Pelo meio, uns jantares, uns copos, o "baptismo" no chafariz do Passeio Alegre, e depois parava tudo, até à Queima. Numa situação, foram mesmo os "veteranos" a sanar um problema em que um professor se tinha recusado a dar uma aula por mau comportamento dos alunos (todos acabados de entrar na faculdade).Claro que havia quem não gostasse, e um caso ou outro de uma caloira que desatava a chorar. Imediatamente os responsáveis tinham uma conversa com ela, tratando-a como uma amiga, até que as coisas se compunham. E pelo meio havia também um ou outro trajado que, inseguro da sua autoridade natural, falava mais aos berros, ou revelava uma notável tendência para a parvoíce ou boçalidade.
Também por isso espanto-me a ver, todo o santo ano, grupos de caloiros com as respectivas "cores" e
roupagens de praxe, guiados pelos respectivos "doutores", a desfilar pelas ruas com os seus cânticos de guerra. Que eu me lembre, estas coisas aconteciam em outubro. Mas em Janeiro e Fevereiro, em épocas de exames? Ou antes do Verão, quando supostamente já nem há caloiros? Quem é que se lembra de tamanha excentricidade? Ou as alturas de estudo mudaram, ou as praxes tornaram-se uma forma de vida do quotidiano.
Talvez seja por esta explosão praxística, esta overdose de "tradição", originada obviamente pelo boom de universidades privadas, como a Lusófona, que só é notícia pelas piores razões, como agora, que se discute com mais virulência as praxes e as formas de a controlarem. Talvez fosse melhor olhar antes de mais para essa causa, a da multiplicação de cursos e cursilhos nem sempre muito exigentes, para ser bondoso. É que a sofreguidão em se possuir um "canudo", ser-se tratado por "doutor" e poder-se dizer que se andou na faculdade, que afecta boa parte da classe política, e que tanta mediatização tem atraído, também se reflecte nos morcegos de traje, os tais "doutores" académicos. Se o universo de politécnicos, institutos e universidades de vão de escada é tão pouco regulado em Portugal, porque não haveria de o ser igualmente as suas extracções, cópias de verdadeiras tradições que havia em academias e universidades mais antigas? Se acham que as praxes estão fora de controlo, mexa-se antes nas instituições que estão na sua origem. e talvez se faça alguma coisa. Proibir pura e simplesmente, como quer fazer o Bloco (só podia), com o argumento do "fascismo", é pura retórica supostamente anti-populista. As praxes devem continuar, porque têm realmente um efeito integrador, para quem o deseje. Se houver abusos, os seus responsáveis devem prestar contas entre eles ou perante os corpos da faculdade respectiva, ou na pior das hipóteses, nas instâncias criminais. Mas antes, vejam onde é que elas se produzem, e se o ambiente académico e pedagógico respectivo não é de mera compra e venda de cursos, sem muito mais exigências.
As opiniões sobre esta matéria dependem, naturalmente, da experiência de cada uma, e, de quem não a tendo, do que vê e ouve. No meu caso não tenho muito a dizer. A praxe que "sofria" na UCP do Porto, nos anos noventa, intimidava no primeiro dia porque não se sabia ao que se ia. A partir daí, era mais uma brincadeira que outra coisa. Sim, também tivemos praxes na praia, que aliás era muito perto, mas nada de rituais nocturnos junto à rebentação: eram sobretudo construções na areia, no tempo soalheiro de Outubro. Mesmo o "tribunal" era uma audiência de cenário tétrico, de janelas fechadas e decorado com capas negras, iluminado com velas, onde os caloiros faziam o possível para não rir. Pelo meio, uns jantares, uns copos, o "baptismo" no chafariz do Passeio Alegre, e depois parava tudo, até à Queima. Numa situação, foram mesmo os "veteranos" a sanar um problema em que um professor se tinha recusado a dar uma aula por mau comportamento dos alunos (todos acabados de entrar na faculdade).Claro que havia quem não gostasse, e um caso ou outro de uma caloira que desatava a chorar. Imediatamente os responsáveis tinham uma conversa com ela, tratando-a como uma amiga, até que as coisas se compunham. E pelo meio havia também um ou outro trajado que, inseguro da sua autoridade natural, falava mais aos berros, ou revelava uma notável tendência para a parvoíce ou boçalidade.
Também por isso espanto-me a ver, todo o santo ano, grupos de caloiros com as respectivas "cores" e
roupagens de praxe, guiados pelos respectivos "doutores", a desfilar pelas ruas com os seus cânticos de guerra. Que eu me lembre, estas coisas aconteciam em outubro. Mas em Janeiro e Fevereiro, em épocas de exames? Ou antes do Verão, quando supostamente já nem há caloiros? Quem é que se lembra de tamanha excentricidade? Ou as alturas de estudo mudaram, ou as praxes tornaram-se uma forma de vida do quotidiano.
Talvez seja por esta explosão praxística, esta overdose de "tradição", originada obviamente pelo boom de universidades privadas, como a Lusófona, que só é notícia pelas piores razões, como agora, que se discute com mais virulência as praxes e as formas de a controlarem. Talvez fosse melhor olhar antes de mais para essa causa, a da multiplicação de cursos e cursilhos nem sempre muito exigentes, para ser bondoso. É que a sofreguidão em se possuir um "canudo", ser-se tratado por "doutor" e poder-se dizer que se andou na faculdade, que afecta boa parte da classe política, e que tanta mediatização tem atraído, também se reflecte nos morcegos de traje, os tais "doutores" académicos. Se o universo de politécnicos, institutos e universidades de vão de escada é tão pouco regulado em Portugal, porque não haveria de o ser igualmente as suas extracções, cópias de verdadeiras tradições que havia em academias e universidades mais antigas? Se acham que as praxes estão fora de controlo, mexa-se antes nas instituições que estão na sua origem. e talvez se faça alguma coisa. Proibir pura e simplesmente, como quer fazer o Bloco (só podia), com o argumento do "fascismo", é pura retórica supostamente anti-populista. As praxes devem continuar, porque têm realmente um efeito integrador, para quem o deseje. Se houver abusos, os seus responsáveis devem prestar contas entre eles ou perante os corpos da faculdade respectiva, ou na pior das hipóteses, nas instâncias criminais. Mas antes, vejam onde é que elas se produzem, e se o ambiente académico e pedagógico respectivo não é de mera compra e venda de cursos, sem muito mais exigências.