A despedida do Pantera Negra foi comovente, grandiosa e superlativa, como era justo que fosse. Portugal despediu-se de um dos seus representantes mais notáveis, e certamente o mais conhecido no último século. Em Dia de Reis, como convinha ao "King". Sob a chuva, para reforçar ainda mais as lágrimas. E no meio de toda a emoção, não faltaram os exageros, como propor que o seu nome fosse dado ao Estádio da Luz (coisa que o próprio nunca quis), ou sugestões óbvias, como a sua futura transladação para o Panteão Nacional, coisa absolutamente previsível, já que todos os partidos políticos suportam a ideia sem objecções.
Igualmente previsíveis foram algumas críticas à futura transladação. Desde argumentos clubistas mal disfarçados, até à habitual pedantice a armar ao intelectual despeitado porque seria "um escândalo" que "um futebolista" fosse colocado na mesma situação que essas eminentes figuras que tanto deram à Pátria, como Teófilo Braga, Óscar Carmona ou João de Deus. A deposição dos restos mortais do Pantera Negra é para mim um acto da mais elementar justiça e gratidão. Um homem que é simplesmente o português mais conhecido fora de Portugal dos últimos cem anos, sem internet, Youtubes e smart phones, que numa altura em que o país era notícia por razões obscuras, como a guerra, ou pura e simplesmente ignorado, milhões de pessoas por esse Mundo fora souberam o que era Portugal graças a ele, por boas razões. O primeiro grande futebolista africano (talvez o maior até agora) causou alguma estranheza no mundial de 1966, em Inglaterra, pelo exotismo de um negro jogar numa equipa europeia (além dele ainda havia outros, como o próprio capitão da equipa, Coluna). Para mais, sagrou-se como o melhor goleador e impressionou as assistências. Por causa dele, havia mini-tréguas na guerra colonial. E por ele, agora, inúmeras capas de jornais internacionais colocaram a notícia da sua morte na primeira página, imensos noticiários por todo o Mundo deram a triste notícia, incontáveis figuras do desporto, e não só, sentiram-se na obrigação de dar uma palavra em honra do rapaz da Mafalala. E sobretudo impressionou a reverência feita pelo Manchester United e pelo Real Madrid, que fizeram um minuto de silêncio antes dos respectivos jogos e puseram a bandeira portuguesa a meia-haste. Reparem que estamos a falar dos dois clubes mais titulados de Espanha e Inglaterra, o país vizinho que durante séculos nos tentou anexar e o velho "aliado" que sempre se aproveitou das nossas debilidades quando lhe convinha. Ou seja, dois países que sempre não raras vezes desprezaram (e muitas vezes ainda desprezam) Portugal, que tanto ameaçaram o nosso povo, inclinaram-se e aplaudiram respeitosamente um português africano. Se este homem não merece as honras do Panteão, então que desapareça o Panteão, porque não tem qualquer serventia e não passará de um mono ridículo.
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