terça-feira, setembro 30, 2014

O futuro novo primeiro-ministro


O resultado das primárias do PS impressionou pela mobilização e pela robustíssima vitória de António Costa. Negá-las é desviar a realidade dos olhos ou inventar desculpas de mau pagador. Pode-se achar que o PS se dividiu, que se lavou a roupa suja em público, que tem de conquistar o país, etc, mas é inegável que com as primárias (e todos os seus passos em falso) o partido marcou pontos e que António Costa tem uma posição extremamente sólida. Depois de ser deputado, eurodeputado, ministro (três vezes) e presidente da câmara de Lisboa (até quando?), Costa consegue chegar ao topo do partido, com amplas hipóteses de no futuro próximo levar o PS de novo para o governo. Tem, é claro, os seus anticorpos, a imagem à frente da capital não é tão positiva como isso e terá de gerir muito bem as divisões partidárias, em especial a herança socratista, e dar credibilidade ao PS, que bem precisa dela. Mas não se duvide: com este resultado esmagador, ainda mais legitimado com os votos dos simpatizantes, só muito dificilmente é que António Costa não será o próximo Primeiro-Ministro de Portugal.
 
 
Já agora, uma das frases da noite, em que pouca gente reparou, devia ser a declaração de Jerónimo de Sousa: o secretário-geral do PCP acha que "estas primárias foram uma farsa". Ouvir o líder do partido mais fechado de todos, onde o debate é nulo e os dirigentes escolhidos antes de serem eleitos (por unanimidade) criticar umas eleições, que, com todos os seus defeitos se tentou abrir à sociedade portuguesa, é de rir à gargalhada e de perguntar a Jerónimo se acha que tirando o militantes do PC, alguém acredita naquilo. Éo mesmo que comparar o "referendo" na Crimeia com o da Escócia. Jerónimo provavelmente acha que este último também é "uma farsa". E ainda há quem sonhe com a "união das esquerdas". 

domingo, setembro 28, 2014

Antes das primárias


Antes de se saberem os resultados das primárias do PS, há que enaltecer um tal processo, inédito na vida partidária portuguesa. É certo que a "fronda" de António Costa é oportunista (ficou claramente à espera do resultado das europeias) e lembra aquilo que já aconteceu antes no CDS, quando Portas apeou ribeiro e Castro (com resultados visíveis) ou no PSD, quando Menezes substituiu Marques Mendes (com consequências patéticas). Mas teve pelo menos a virtude de levar o seu partido a umas eleições primárias, bem mais abertas do que as "directas" que até agora observávamos nos partidos, e que era um solução pior do que as votações em congressos. Além de esvaziarem boa parte da utilidade (e porque não dizê-lo, da emoção) das "reuniões magnas", continham o velho truque de arrebanhar novos militantes para se conseguir determinado resultado político. Estas primárias poderão não ser uma solução milagrosa e tem alguns riscos e contradições (a possibilidade de simpatizantes políticoa adversários tentarem por esta via um resultado nocivo para o partido em questão), mas sempre permitem que a sociedade para lá da estrita militância aparelhista se possa pronunciar.

Quanto à campanha, admira-me que pouco se tenha distinguido de outro qualquer acto pré-eleitoral, além do dinheiro gasto na coisa. António José Seguro bem pode fazer-se de desgraçadinho, mas a verdade é que a postura calimérica, cinzenta e pouco mobilizadora não ajudou, e muito menos aquele patético filme de campanha envolvendo cravos e cortes. Além de que a sua sofreguidão pelo lugar vago logo na noite de 2011, em que o PS de Sócrates perdeu, também não ajuda. E a proposta de dmiminuir o número de deputados é das mais populistas e feitas em cima do joelho de que há memória.

De resto, é inegável que António Costa é dez vezes melhor que Seguro, tem menos cara de pau e é muito mais convincente. E tem a enorme vantagem mediática de sr simpático e não perder a compostura (comparando com Sócrates, então...)Mas devia tomar cuidado com o que propõe nos debates: neste último, ouvi bem ou ele falou mesmo em diminuir o desemprego com base (entre outras coisas), na reabilitação urbana? Não seria melhor olhar primeiro para o município a que preside? É que se a reabilitação urbana for para a frente como tem sido no centro de Lisboa não é de prever grande descida da taxa de desemprego, por essa via.

sexta-feira, setembro 26, 2014

Os andores da Senhora da Pena


Falando de novo em romarias e festividades religiosas em Portugal, sublinhe-se outra, em Trás-os-Montes: a da Senhora da Pena, no santuário com o mesmo nome, perto de Mouçós, Vila Real. Todos os anos, em Setembro, as várias aldeias da freguesia (são muitas, como no-lo recorda a sempre prestável Wikipedia) organizam a festa e a romaria. Assim, na envolvente do santuário de Nossa Senhora da Pena, podemos encontrar a habitual parafernália destas festividades populares: restaurantes móveis, barracas de comes e bebes, o palco para as bandas de "música popular" disponíveis, sorteios de prémios, etc. O que carateriza e diferencia esta festividade são os seus andores, que vão desde um metro e meio até aos vinte e tal metros. Umas construções móveis enormes e imponentes, só rivalizados pelos da Senhora da Aparecida. Num lento cortejo, entre fileiras de mirones, os andores avançam devagar, até ao último, o maior de todos, com cerca de cem homens a suportá-lo, e mais uns quantos a equilibrá-lo. O equilíbrio é fundamental, não vá o andor cair em cima de centenas de pessoas. No meio, quase insignificante, a figura da Senhora da Pena.






Os andores dão a volta ao recinto, seguidos de bandas a tocar e de clérigos que, debaixo de um pálio, aspergem de água benta o caminho e as pessoas. Ao chegarem à capela da Senhora da Pena, a última prova de esforço: os carregadores desatam a saltar com o andor em cima, provando que a fé move mesmo montanhas. Enfim, as estruturas são encostadas ao santuário, para serem devidamente admiradas antes de as desmontarem, e a festa prossegue em todo o seu formato profano.

A festa é de tal forma conhecida que até António Costa, em campanha partidária pelo distrito de Vila Real, reservou uma hora para lá ir. Todavia, ao contrário do que alguns poderiam imaginar, não o levaram em nenhum andor.


domingo, setembro 21, 2014

We´ll always keep Union Jack


Bem sei que o referendo era "lá com eles", mas sinto um certo alívio pela maioria dos escoceses - ou quem viva na Escócia há mais de um ano - ter votado não à independência. Não que o sim tivesse qualquer ilegitimidade e muito menos de ilegalidade - muito pelo contrário - nem que daí adviesse um grande mal, a fome dos escoceses ou uma tirania do Right Honourable Mr Alex Salmond (embora pudesse criar algum mal-estar entre a grande falange dos que não queriam a independência pura e simples). Mas permitiu que não se criasse um perigoso precedente para outras pulsões independentistas bem mais preocupantes, como a Catalunha, a Flandres, e, pior que tudo, a "Nova Rússia" em plena Ucrânia, sustentada pelas forças russas. não por acaso os separatistas da bacia do Don apoiavam avidamente o "sim" no referendo escocês. Os catalães também, pelo que levaram um balde de água fria. Por aí, talvez esta moda de nacionalismos emergentes tenha arrefecido um pouco (ainda que não tenha, nem pouco mais ou menos, acabado).

Depois, convém lembrar que, a despeito da imagem popular que se criou da Escócia - Wisky, gaitas de foles, kilts e monstros lacustres - a sua união com a Inglaterra para formar o Reino Unido, em 1707, resultou de uma decisão voluntária, apesar da oposição dos jacobitas, também por razões dinásticas e religiosas, e que a partir daí é que o poder britânico se ergueu, com a sua poderosa marinha, a revolução industrial e a expansão do império. A união dos reinos da Escócia e da Inglaterra mudou provavelmente o mundo, a geografia e a civilização. Os escoceses deram grande contributo, com os seus pensadores e inventores, as suas fábricas, os seus soldados. A Escócia é um dos berços do caminho de ferro e da indústria pesada, do pensamento iluminista e económico moderno. Ou seja, dos factores em que assentaram as bases do Império Britânico. Com o resultado do referendo, quaisquer que sejam as reivindicações concedidas apressadamente pelo governo de David Cameron, o Reino Unido manter-se-à uma potência com influência internacional, mesmo sem o império de outrora.

Mas o referendo permitiu redemonstrar que no Reino Unido, a democracia e a livre opinião mantêm-se sólidas. A forma como tudo se desenrolou, a campanha, os argumentos, a inteira liberdade com que cada parte procurou convencer os eleitores, mostrou mais uma vez que aquele velho conjunto de nações é a democracia mais antiga, e provavelmente a mais sólida, do Mundo. Compara-se com os patéticos "referendos" realizados na Crimeia e no leste da Ucrânia para se ver o que é um país livre e outro de cunho autoritário. Mesmo que nas redes sociais tenham aparecido alguns lunáticos a espalhar a ideia de que na Crimeia é que as coisas tinham funcionado e que no caso da Escócia tinha imperado "o medo e a chantagem". Provavelmente far-lhes-ia confusão a liberdade que se goza no Reino Unido, que lhes permitira tecer publicamente tais opiniões. Mas as credenciais britânicas nem precisavam de tanto. Quod erat demonstrandum. O exemplo das ilhas revelou que alguns bons velhos hábitos se mantiveram. Mas é bom saber que a Commonwealth não terá de se alargar para Norte. Antes assim. Até porque a Union Jack, talvez a mais conhecida das bandeiras do globo, e uma das mais bem concebidas, pode continuar a drapejar com a cruz de Santo André no fundo. Só isso seria motivo para votar não no referendo.

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quarta-feira, setembro 17, 2014

São João d´Arga








Já ouvia falar há muito tempo, tinham-me dito que era das mais genuínas e tradicionais festividades do Minho, sabia de  documentários feitos de propósito e só não consegui ir antes por manifesta impossibilidade.


No meio da serra e das aldeias que lhe dão o nome (e no entanto tão perto do mar), encravado lá em baixo entre os montes, num ermo, fica o Mosteiro de São João de Arga. Todos os anos, a 28 e 29 de Agosto, vindos de inúmeros pontos da região, afluem lá milhares de pessoas numa romaria concorridíssima, a pé, de mota ou de automóvel (que por causa da estreiteza das estradas podem ficar encravados em plena via). Os estradões que descem para o mosteiro, desertos durante o resto do ano, transformam-se numa feira, onde se vende desde roupas até as habituais farturas, cachorros, bifanas, etc. E na noite de 28 para 29, o recinto do mosteiro enche-se de bandas de música, desgarradas, rusgas, tocadores de concertinas e castanholas e rodas de danças minhotas.



Os "quartéis" laterais à capela, que em tempos acolheram peregrinos e permitiram acções tendentes à "fertilidade", transformam-se em tascas onde se vendem, além da inevitável cerveja, especialidades da região, em especial o hidromel, aquela mesma bebida alcoólica tão popular nas terras nórdicas durante a Idade Média. Acompanha com porco no espeto e o afamado cabrito à Serra d ´Arga, que se assam fora do recinto, além dos mais corriqueiros cachorros e bifanas. E lá dentro, as concertinas, as danças e as voltas à capela, para cumprir promessas, o que implica uma esmola ao santo e outra ao diabo. O sagrado mistura-se com o profano, mas só aí até às 4 da manhã, altura em que se deixam os peregrinos descansar - já não nos quarteis, mas em tendas - e se prepara tudo para a procissão do dia seguinte. E às nove da manhã lá parte o cortejo, em que os participantes desfilam com trajes da região. A festa profana prossegue de tarde, com menos animação, já a caminhar para o fim. Antes que acabe tudo e o mosteiro de S. João de Arga volte à habitual tranquilidade, que salvo grupos de excursionistas, só voltará a ser quebrada no próximo ano, nas mesmas datas. 

terça-feira, setembro 16, 2014

À segunda só cai quem quer


Já se sabia que Marinho Pinto era um populista, um demagogo, um justicialista, ocasionalmente oportunista, embora não fosse um radical, e talvez por isso mesmo muitos tenham votado nele nas europeias. O que não se imaginava era que fosse tão descaradamente troca-tintas e que o seu oportunismo - misturado com algum deslumbramento pacóvio - atingisse os píncaros desta forma. Mal chegou ao Parlamento Europeu declarou que se iria candidatar às legislativas no ano seguinte,mostrando a enorme consideração (e conhecimento) pelo cargo para o qual tinha sido eleito. Depois, mostrou-se revoltado com o vencimento do mesmo, sem no entanto renunciar a uma parte que fosse ou propor a sua redução, com o extraordinário argumento de que tinha uma filha a estudar e que "um comunista não divide o seu salário pelos proletários" (os deputados do PCP, honra lhes seja feita, renunciam a parte do que ganham). Um perfeito exemplo de desprendimento e de justiça distributiva, em que não faltou a habitual zanga com o jornalista que o interrogava, tentando inverter as culpas. Agora abandonou o Partido da Terra, reafirmando que era meramente uma "barriga de aluguer", dois dias depois de uma reunião com os órgãos partidários em que tinham afinado estratégias e nunca tinha transparecido a sua decisão em deixar alegremente a formação que lhe permitiu a eleição para o PE. Podia ser apenas a denúncia dos seus dirigentes, mas o próprio ex-bastonário confirmou-o, com a maior calma deste Mundo, faltando mesmo à cerimónia de integração no grupo dos liberais europeus (grupo que o tinha acolhido depois de não ter sido aceite pelos Verdes). Depois destas brincadeiras todas, de contradições, hipocrisias e desculpas esfarrapadas, sempre com aquele ar de moralista coimbrão contra os vícios da capital, resta saber quem se deixará enganar por Marinho Pinto. Lembra o caso de José Manuel Coelho, mas pelo menos transitou para um partido mais próximo da sua ideologia, e tanto quanto me lembre, não deixou o anterior de um dia para o outro. Razão tinha quando acusou o ex-bastonário de ser um "falso profeta". Desde já, perco o meu respeito por quem votar no demagogo-mor de Portugal. À primeira todos caem, à segunda só cai quem quem quer.

sábado, setembro 06, 2014

Uma igreja de ovelhas tresmalhadas


O Padre Gonçalo Portocarrero de Almada tem-se distinguido nos últimos anos nas tribunas dos jornais com a sua pena irónica  inteligente, nem sempre caridosa, algumas vezes injusta, outras mais certeira. Como a que escreveu esta semana. Recomendada aos virtuosos, puros e demais neo-fariseus.

quarta-feira, setembro 03, 2014

Que 1939 não se repita em 2014


Aquelas imagens dos soldados ucranianos prisioneiros em Donetsk, seguindo numa parada organizada propositadamente para respnder às comemorações da independência da Ucrânia e para os humilhar, sob uma escolta de milicianos de baionetas em punho enquanto a populaça os insultava ou fotografava com os telemóveis, é bem demonstrativa dos valores dos separatistas e dos russos que os apoiam. Além de pouco consentâneas com as leis dos prisioneiros de guerra, evocam as paradas que Estaline realizou com prisioneiros alemães, com o expressivo acto de porem um camião a lavar as ruas atrás das suas pegadas, como se fossem sub-humanos. É uma boa expressão da cultura semi-bárbara da Rússia, cuja natureza continua igual ao que era há séculos. Não esquecer igualmente que têm o apoio de brigadas de sérvios e caucasianos, autores de crimes de guerra, e que o seu "ministro da defesa", Strelkov, é ele próprio um russo acusado de actos pouco limpos nesses cenários de guerra.




Em tempos de evocação de guerras, convém também lembrar que não só passaram cem anos do início da 1ª Guerra Mundial, mas também 75 da invasão da Polónia pela Alemanha. Depois do Anchluss da Áustria e da anexação da Checoslováquia com o pretexto dos povos dos Sudentenland estarem em perigo, uma falsa provocação deu o pretexto para que os panzer entrassem pela Polónia dentro. Isto sempre sob a premissa de que ou era por vontade dos povos germânicos anexados, ou que estes estavam ameaçados pelos seus vizinhos. Em 2014 verificámos, no seguimento da mudança do poder em Kiev, a anexação da Crimeia por parte da Rússia com um referendo muito pouco transparente (tal qual como na Áustria em 1938), a tomada de boa parte dos territórios das regiões da bacia do Don por separatistas pró-russos, auxiliados por mercenários estrangeiros e por tropas russas mal disfarçadas, e a ameaça da Rússia de intervir caso os "seus" fiquem em perigo ou as suas fronteiras sejam ameaçadas. Não por acaso a URSS assinou o pacto Molotov-Ribentropp com a Alemanha, permitindo que esta entrasse na Polónia, enquanto os soviéticos faziam o mesmo do outro lado e ainda atacavam a Finlândia. Claro que a Rússia de hoje não tem os níveis de fanatismo e demência do 3º Reich de 1939, nem procura criar um Super-Homem (a não ser que esse seja Putin). Mas prossegue na senda do seu sonho eurasiático, que inclui a "nova Rússia", no Sul, e por isso estende uma teia em que oficialmente não intervém no conflito da bacia do Don, mas de facto propaga-o e manobra os cordelinhos de uma parte. E trazendo, como se viu na estranha parada de Donetsk, recordações margs de tempos idos.