Uma patética dor de cabeça
Como se já não bastassem os enganos, falsidades, meias confissões e acusações que rodeiam o actual momento político português, e que só a describilizam internacionalmente, ainda assistimos a todos os OVNIS que nela aterram e cuja surpresa inicial dá lugar a uma espécie de tragédia burlesca.
Quando Pedro Passos Coelho anunciou Fernando Nobre como cabeça de cartaz por Lisboa para as legislativas, espantei-me verdadeiramente. O discurso de Nobre contra os partidos e o "sistema" era tão radical e arreigado que parecia que faria tudo menos ligar-se a uma formação partidária. Assim, a reviravolta intelectual espantou, e o convite parecia uma manobra impensada para ganhar uma fatia dos votos que o dinamizador da AMI obtiver nas presidenciais.
Claro que grande parte das críticas que lhe lançaram a seguir faziam parte de um populismo e de uma maledicência comuns em Portugal. Ao discurso contra os "políticos" junta-se o dos "que vão atrás de um tacho". Se a política partidária precisa de alguma coisa é de gente de fora e sem vícios de aparelhismo, que refresquem os movimentos e tragam mais qualidade aos quadros. A turba que enxameia os fóruns da net e o Facebook assim não o entende, e acha que quem vai para a política é porque é "malandro" e "quer o tacho". Por norma, entendo que quem vem com a conversa dos "tachos" é porque deles tem inveja, mas por incompetência, ignorância ou total falta de preparação (até para militância partidária), não chega lá perto e responde com calúnias coletivas.
A ideia de agregar gente sem vínculo partidário é boa, mas neste caso, a opção escolhida tem-se revelado desastrosa. Além do discurso anti-partidário (outrora) recorrente e dos múltiplos apoios anteriores a figuras de diversos quadrantes políticos, Nobre tem ideias nebulosas ou vagas, que roçam a contraditoriedade e que pouco têm que ver com o PSD. Aliás, as suas declarações afirmando que desconhecia o programa do partido laranja são outra argolada tremenda.
A história da presidência da Assembleia da República é outra fábula difícil de crer. Não só seria absurdo colocar em tal cargo alguém sem qualquer experiência parlamentar, como é impossível assegurar a sua eleição. E pelas intenções reveladas pelos partidos representados, "impossível" é neste caso o termo indicado. Não sei quem teve esta brilhante lembrança, se Passos Coelho ou quem quer que fosse, mas de todos, é o maior tiro no pé. E Nobre continua a não ajudar, dizendo que renuncia ao cargo de deputado se não chegar a ser a segunda figura do estado. Provavelmente pensou que seria a oportunidade de chegar a Belém em dias de ausência de Cavaco Silva. Seria a forma mais tranquila, mas pelo meio esqueceu-se dos necessários "requisitos formais".
Agora, ouve-se António Capucho dizendo (com acerto) que reconhece o seu valor à frente da AMI, mas não a sua capacidade política. Foram talvez as declarações mais sucintamente esclarecedoras sobre o caso.
A ideia muito particular de "missionário político" de Nobre ainda vai dar muitas dores de cabeça ao PSD.