segunda-feira, maio 30, 2016

A rua é de amarelos, vermelhos e o que mais houver



Esta polémica toda sobre as escolas públicas vs privadas, os subsídios e os contratos já começa a chatear. Não tenho grande opinião sobre isto, mas em princípio defendo que o estado deve apenas financiar estabelecimentos privados em regime supletivo, quando não houve alternativas na escola pública.Ou seja, é uma matéria de tratamento casuístico.
 Mas agora pergunto: não foram os mesmos, com algumas excepções, que agoram acham que o estado não deve financiar quaisquer estabelecimentos privados, que defenderam o financiamento total dos abortos "porque sim"? Se os impostos não servem para colégios privados porque raio servirão para abortos quando não há aí qualquer caso de saúde? Não me digam que agora o aborto é não só permitido como obrigatório, tal como o ensino...

E apesar de saber que certamente nunca iria entrar na manifestação "amarela", espanto-me com a fúria e a reprovação que colheu. É sabido que "amarelos" são, para os sindicalistas e sobretudo para os grevistas, os fura-greves, os que vão trabalhar em dia de greve. Numa perspectiva politicamente "vermelha", um amarelo é pois um traidor. Julgo que é com esta atitude colectivista (e que denuncia um certo totalitarismo laboral) que muitos se atiram aos "amarelos". Aliás esta cor tem sido utilizada nos últimos tempos por vários movimentos que se opõem a outros que se revestem de vermelho - na Tailândia, há uns anos, e na Venezuela, por estes dias. Como se o direito à manifestação e à "rua" pertencesse apenas a alguns, que veriam com desagrado a "usurpação" por parte de outros do "seu" espaço.
A rua é de todos, por muito que custe a quem se julgue seu dono. Aos "amarelos", aos vermelhos que já convocaram manifestações em sentido contrário, e a quantas mais cores se lembrarem de criar para colorir as respectivas ideias. Porque para mitos, de  lado e de outro, isto é mais uma questão ideológica do que outra coisa qualquer.

sexta-feira, maio 27, 2016

A Sé de Pinhel


No decurso da volta que descrevia no post anterior, e antes do Colmeal, passei por Pinhel, essa pequena e pouco conhecida mas encantadora cidade no coração da Beira Alta, onde já não ia há uns bons anos. A uma altitude razoável, e com a sua torre de menagem, Pinhel era conhecida como "cidade falcão", inscrição que aliás consta do seu brasão. Para além do castelo e das suas possantes torres, Pinhel conta com muralhas, solares e outras casas de interesse, um pelourinho bem conservado e várias igrejas. Uma delas, a de S. Luís, há já muito que a queria ver melhor: é que durante cerca de um século ostentou a categoria de Sé Catedral, nos tempos em que existiu a Diocese de Pinhel. Hoje não passa de uma diocese histórica (de que chegou a ser titular D. Manuel Clemente, enquanto auxiliar de Lisboa), e a igreja ficou a ser somente matriz. Mas a minha curiosidade era outra: é que dadas as dimensões modestas do templo, creio que nunca vi uma catedral tão modesta e pequena quanto esta. Não faltam igrejas paroquiais mais imponentes. Quem não soubesse que Pinhel em tempos chegou a ser bispado jamais diria que a igreja de S. Luís teve em tempos o estatuto de Sé.


Passagem pelo Colmeal


Há já muitos anos que tinha curiosidade de conhecer o Colmeal, a par de outros locais remotos e quase mágicos da Beira Alta sugeridos por velhos livros ou fotografias apelativas. Aqui tratava-se de uma aldeia abandonada perdida no meio dos vales, já quase esquecida, cujos únicos vestígios do passado eram as pedras que restavam dos edifícios. A oportunidade surgiu no último Verão, numa viagem entre a Guarda e Trás-os-Montes, e incluiu outras paragens, como Castelo Rodrigo ou Pinhel.
Estas duas antigas sentinelas de pedra que defendiam a raia das incursões leonesas estão ligadas por uma estrada às curvas apelidada, compreensivelmente, de "excomungada". Um pouco antes do alto da serra da Marofa, um desvio por um estradão, mais umas curvas, e chega-se à paisagem desolada do Colmeal.


As razões do completo abandono da aldeia devem-se a um caso estranhíssimo, e provavelmente único, no Portugal pós-absolutismo. Nos anos cinquenta, todo o território onde estava inserida a aldeia pertencia a uma herdeira dos proprietários que a tinham adquirido aos Condes de Belmonte (o título não aparece aqui por acaso, como se verá à frente), que sob pretexto dos seus habitantes não lhe pagarem a renda devida, moveu-lhes uma acção de despejo, ganha em Tribunal (que considerou ser aquilo uma quinta e não uma aldeia pública), e que seria cumprida coercivamente. Numa manhã de Julho de 1957, um grupo de guardas da GNR assaltou a aldeia e expulsou dali os habitantes e os seus haveres. Diz-se inclusivamente que chegou a haver mortes entre os que resistiram. Todos os habitantes tiveram de abandonar as casas e procurar outro sítio para morar.
Depois da tragédia, a farsa: para pagar os serviços do advogado, a proprietária teve de vender o terreno àquele causídico (outra ironia: um opositor ao regime vigente, que depois do 25 de Abril seria governador civil da Guarda) e a alguns sócios. A propriedade passou por várias mãos, incluindo a Portucel, até aos actuais donos, possuidores de um território que era a sede de uma freguesia e paróquia, e que foi considerado pelas instâncias judiciais não como tal, com os foros e direitos ancestrais da população reconhecidos em séculos anteriores, mas como uma propriedade privada, uma quinta pertencente a uma família e cujos habitantes seriam arrendatários.



A aldeia ficou ali perdida, estes anos todos, com a bizarria de dar nome a uma freguesia cuja sede obrigatoriamente estava noutro lugar. Mas quando lá cheguei esperava encontrar uma paisagem totalmente abandonada, salvo outros viajantes curiosos, como eu, e afinal havia traços de ocupação. Uma casa acima da igreja estava ocupada por uma família que vigiava as obras que ali se estavam a realizar, para um hotel, contaram-me. Um antigo solar que ali existia, comprovado pela dimensão de uma ruína bastante maior que as outras, modestas casas de xisto, estava a integrar no seu interior um novo edifício. A antiga construção pertencera à família dos Cabrais, de onde provinha Pedro Álvares Cabral, que ao que se diz ali residiu. O brasão assim o comprovava (não o vi na altura, só mais tarde em imagens), e daí a propriedade ter pertencido aos Condes de Belmonte, descendentes do descobridor do Brasil (e natural dessa vila beirã), até inícios dos séc. XX. Mas isso não impediu que tivesse escapado à ruína, como tudo o resto. O estado da igreja (do séc. XV, talvez) fazia particular impressão, há muito sem telhado, completamente escavacada, sem vestígios da função sacra que em tempos teve. Apesar das obras, paradas nessa dia, podia-se sentir o isolamento do lugar. Nos montes à volta não se viam outras construções humanas e poucos metros acima pairavam aves de rapina.

Lembrei-me desse desvio ao Colmeal por causa dos anúncios ao novo Countryside Hotel nalguma imprensa, em especial na última revista do Expresso. Os actuais proprietários resolveram formar aquele empreendimento turístico, aproveitando a tranquilidade do lugar, os apoios camarários e comunitários, e até a generosidade agrícola, que permite a plantação de vinha e de oliveiras e a criação de abelhas, cujo mel aparentemente terá dado nome à aldeia. Percebe-se a vontade de devolver a vida a uma povoação morta, com todo o potencial que esta tem. Mas pergunto-me se este afã turístico que aparentemente quer exibir a bucólica aldeia do Colmeal não acabará por torná-la antes num mero resort campestre, sem memória nem nada que a distinga. Há também a questão patrimonial; é muito duvidoso que construir uns monos de betão por cima de um solar antiquíssimo seja a melhor opção de reabilitação, esteticamente e ao nível dos materiais usados (mesmo que se possa pensar que se a aldeia nunca tivesse sido abandonada, hoje estaria repleta de casas de cimento de todas as cores e feitios, sem vestígios das habitações de xisto). E há sobretudo a questão da população que se viu escorraçada das suas casas por causa de um reconhecimento anómalo de uma propriedade e de uma interpretação no mínimo estranha do que é a propriedade pública e privada, e que não parece que vá gozar muito do novo estatuto de aldeia histórica do Colmeal. E assim corre-se o risco de transformar uma ruína de más memórias num conjunto de bungalows sem memória nenhuma. Um dia ainda hei de lá voltar para ver se a transformação acabou por ser positiva ou se mais valia não lhe tocar. Uma coisa é certa: com aqueles acessos, dificilmente se quebrará  isolamento. Valha-nos isto.



Adenda: não faltam sites e blogues com referências ao Colmeal e à expulsão da população. Neste artigo recente há mais pormenores sobre a história da infeliz aldeia.

quarta-feira, maio 18, 2016

O fim anunciado do PDR


A detenção de um dos dirigentes principais do PDR seria para rir se não envolvesse a suspeita de um homicídio. É o último caso (e seguramente o mais grave) a envolver aquela formação que mais parece uma seita evangélica feita à pressa, com o seu "bispo" tronitruante. O Partido Democrático Republicano começou, como se sabe, com a saída de Marinho "e" Pinto do Partido da Terra onde queria impôr a sua vontade demagógica, para formar "o seu" partido, convencendo pelo caminho algumas pessoas estimáveis, como Eurico de Figueiredo e Fernando Condesso. Mas as polémicas já tinham surgido, com as críticas ao salário dos eurodeputados, quando o próprio Marinho, que já fora o primeiro Bastonário da Ordem dos Advogados a ser remunerado, não renunciou a esse mesmo salário porque segundo o próprio tinha uma filha a estudar fora. Não demorou muito tempo até que Eurico de Figueiredo (que depois voltou ao MPT, como aqui se relatou), batesse com a porta, com graves acusações ao líder do PDR. Na campanha eleitoral para as legislativas, Marinho "e" Pinto voltou às denúncias à corrupção e aos "luxos dos políticos", sempre auferindo do salário de deputado ao europeu, onde os relatórios indicavam que era dos menos activos. Depois das eleições, em que não elegeu um único lugar, o balão do PDR começou a esvaziar. Há tempos, as notícias diziam que havia uma debandada geral do partido, incluindo Fernando Condesso e Sousa e Castro, mas Marinho afirmava estar meramente a "reflectir e a reorganizar o partido". A reorganização não correu bem, até porque um dos detidos de Braga se tinha alçado a um dos lugares principais do PDR. O próximo passo é, espera-se, a extinção deste ridículo partido unipessoal que conseguiu um rumo ainda mais meteórico que o do PRD de Eanes. Até porque assim poupavam-se ao estado os 170 mil euros de subvenção estadual, o único proveito que esta coisa conseguiu ganhar nas eleições.

terça-feira, maio 17, 2016

Trinta e cinco




O número era repetido insistentemente durante toda a semana, desde o sofrido jogo com o Marítimo. 35. Mais do que o Tricampeonato, que há 39 anos era coisa desconhecida para a Luz, pensava-se no 35. O 35º campeonato. E ele chegou mesmo, num estádio efervescente, com goleada ao Nacional, dois golos de Gaitan, ao seu melhor nível, um de Jonas "Pistolas", a coroá-lo com o artilheiro-mor do campeonato, e ainda outro, porventura o melhor, de Pizzi. O Benfica, pela 35ª vez, é campeão. Tricampeão.
Há uns meses seria altamente duvidoso. No início da época, quase inimaginável. O Benfica sofrera violentos rombos com a saída de Jorge Jesus e Maxi, as contratações eram duvidosas, a pré-época desastrosa, e o título iria ser disputado pelos reforçadíssimos Porto e Sporting. Acima de tudo, desconfiava-se da capacidade de Rui Vitória. Na altura, pensei que talvez se repetisse o mesmo que aconteceu depois do "Verão quente" de 1993, com cenário semelhante, e apostava em Vitória: felizmente as minhas esperanças estavam certas. É verdade que não houve um jogo em que o Sporting fosse humilhado, e nem sequer ficou em terceiro lugar. A equipa verde de 2015/2016 mostrou-se bem mais consistente que a de 1994, e ficou muito perto do título. Mas acabou por ser suplantada, com o ponto de viragem a dar-se também no seu estádio. E todas as tentativas de menorização e ridicularização do treinador do Benfica redundaram em fracasso. Mais: podem mesmo ter sido responsáveis pela união e determinação da equipa benfiquista.

E o triunfo final é justíssimo. Podem dizer que o Benfica teve o benefício dos árbitros, como essa amostra de gente que é Octávio Machado, e poderemos mostrar os prejuízos, mais no início do que no fim da época, como os penaltys não assinalados a favor do Benfica nas três derrotas com o Sporting (e a propósito, mais uma vez o árbitro Hugo Miguel conseguiu expulsar pateticamente um jogador que actuava contra um rival directo do Benfica, na última jornada, com influência no resultado, mas felizmente o desfecho acabou por ser diferente de há dois anos). Podem dizer que o Sporting jogou melhor e que o Benfica, na recta final, ganhou muitas vezes pela margem mínima, que eu mostro-lhes as vitórias tangenciais sportinguistas, as goleadas benfiquistas, o melhor ataque e a diferença de golos. Podem falar da sorte que o Benfica teve, e responderei que com a mudança de técnico e de jogadores, as lesões constantes, a aposta em miúdos da equipa B, sorte é coisa com que na maior parte das vezes não pudemos contar, e mesmo assim ganhou-se o campeonato, vai-se à final da Taça da Liga, e chegou-se aos quartos de final da Liga dos Campeões, que acabou com um embate equilibrado frente ao poderosíssimo Bayern de Munique, depois de um percurso que contou com um triunfo em Madrid (só o Barcelona o conseguiu, este ano, e no campeonato, porque também perdeu lá na competição europeia) e uma dupla vitória sobre o Zenit. Sorte, disseram?

No desporto, existe a máxima Glória aos vencedores, honra aos vencidos. Do Porto, com uma época desastrosa (que ainda pode ser disfarçada se ganhar a Taça de Portugal) depois das apostas mediáticas e caríssimas nem vale a pena falar, a não ser que tão cedo não vão apostar num lema tão presunçoso como o que brandiam no início da época ("tudo nosso, nada deles"). Mas houve vencidos que se cobriram de autêntica desonra. Se a equipa do Sporting pode orgulhar-se, apesar de tudo, do seu bom campeonato, reflectido na pontuação, já quem representa o clube devia tapar a cara, mas aparentemente prefere o ridículo. Jesus continua com as fanfarronadas e agora até se queixa de andarem a "copiar" as suas "criações". Sobre Octávio já falei lá em cima, e continuar a repisar sobre essa personagem eternamente com acusações e invejas só polui o post. Inácio tornou-se um moço de recados, com insultos aos colgas de profissão e comentários de vizinha comentadeira, do género "não sei, alguém me contou, mas aquele árbitro...". Finalmente, Bruno de Carvalho volta a mostrar o estilo de jagunço que o caracteriza, com atiçamento de claques, ameaças, acusações estapafúrdias e outras mostras de total falta de carácter. É o que dá pôr-se elementos de claque à frente de clubes. Se fosse só não saber perder já nem era mau. Mas todas estas figuras de urso ainda acentuam mais o carácter perdedor do Sporting e tornam-no ainda mais o bombo da festa.

Para o ano, e com competições de selecções pelo meio, o Benfica ainda não sabe com que jogadores poderá contar, a não ser Mitroglou. Mas se Rui Vitória permanecer, e com uma pré-época mais tranquila, haverá razões de sobra para estar confiante. Por agora, o 35 é nosso e o tricampeonato já cá mora.


PS: não resisto a comentar um crónica de Miguel Sousa Tavares n´A Bola de ontem, que só pode ser para chatear. Diz Sousa Tavares que não percebe "porque razão os benfiquistas do Porto gostam de festejar as vitórias numa praça cuja estátua central representa um leão a devorar uma águia nem (...) que estranha perturbação da personalidade leva alguém do Porto a ser benfiquista". Como portuense benfiquista, respondo-lhes já às suas lancinantes dúvidas: festeja-se na rotunda da Boavista desde que as claques do FCP ocuparam os Aliados com ameaças (algumas concretizadas, tais como agressões ou arremesso de pedras) tornando pouco aconselháveis festejos, sobretudo em 2005, com a surreal pretexto de quererem comemorar o segundo lugar, coisa que teve o apoio de boa parte de eminentes portistas, incluindo o próprio Sousa Tavares, caso não se recordem; e é-se benfiquista no Porto como se podia ser em qualquer outro local, porque o Benfica extravasa largamente Lisboa, isso apesar da hostilidade que sofrem em muitos locais. Mas se acha que há algum problema ou "defeito de fabrico", talvez fosse bom MST preocupar-se com o seu filho, que ele já alardeou ser lisboeta e portista. Decerto um terrível defeito de personalidade, com responsabilidades do progenitor.



sábado, maio 14, 2016

Outras ameaças que não o fascismo


Rui Tavares (com quem ainda há pouco falei durante breves momentos, não sobre o post que se segue, depois da conferência que moderou com Claudio Magris no âmbito do LeV - Literatura em Viagens), escreveu um interessante texto no Público desta semana intitulado Uma Europa contra o fascismo. Não tenho muito a objectar. Apenas que nem todos os nomes que refere se podem considerar "fascistas": Orbán, por exemplo, é acima de tudo um oportunista autoritário; Kaczinsky é um reacionário excitado, e Farage um eurocéptico convencido. Mesmo Putin e Erdogan não são exactamente aquilo que poderíamos considerar "fascismo", atendendo às circunstâncias especiais e à cultura dos seus países. E o brasileiro Eduardo Cunha é outro oportunista, com problemas com a justiça.
O que eu tenho mesmo de fazer é acrescentar coisas ao texto. Não é só a recordação fascista que ameaça a Europa: do outro lado do espectro temos outras tantas ameaças. Não esquecer que durante meio século tivemos uma Cortina de Ferro a dividir a Europa livre da controlada pela URSS e da sua ideologia opressora e burocrática. E que na Guerra de Espanha se opunham acima de tudo duas ideologias que resvalaram para o totalitarismo. Hoje em dia vemos o sr. Pablo Iglesias e o seu movimento, onde há gente que recentemente invadiu capelas em trajes menores com cartazes dizendo "Ardereis como em 1936" (recordando as igrejas incendiadas antes e durante a guerra), unindo-se com os restos de comunistas da IU e alguns independentistas radicais a querer o poder de qualquer forma, vemos as derivas de Jeremy Corbyn no Partido Trabalhista, o Linke da Alemanha que tem entre si elementos que fizeram parte da STASI, e mais uns quanto movimentos radicais à esquerda que querem acabar com a Europa e "derrubar o capitalismo", muitas vezes com saudosismos do Pacto de Varsóvia ou admirando o lunático sr. Maduro e o seu regime que está a destruir a Venezuela. Por isso, a crítica de Rui Tavares, não sendo destituída de verdade e senso, peca por defeito. As ameaças não vêm só de um lado, e não é por ser de esquerda que . E a experiência que teve com o BE e o modo como Louça o tratou deviam fazê-lo reflectir.

quarta-feira, maio 11, 2016

O flanco mais débil.


Claro que o Ministro da Educação está sob fogo. E não é apenas pela discussão à volta da subvenção dos colégios privados e quais as situações em que isso deve acontecer, pretexto para divisões ideológicas. Desde o início deste governo que a Educação e respectivos apêndices têm estado envolvido em casos. Tivemos o fim dos exames a meio do ano lectivo e a criação de outros, com alguma cara de pau pelo meio (e a descoberta que afinal os exames são "perniciosos" para os estudantes e que mais vale ser feliz na escola do que fazer exames, segundo a brilhante Catarina Martins). Há dias demitiu-se o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Wengorovius Menezes,  por estar "em profundo desacordo com o Ministro" e com as políticas seguidas. Tudo isso apenas fragiliza o cargo de Tiago Brandão Rodrigues, bastante periclitante desde o início. Não se percebe porquê, António Costa resolveu ir buscar um jovem académico estrangeirado que nem sequer era da área e que há anos não trabalhava em Portugal. A coisa tinha tudo para dar errado, e aparentemente, está a dar. É sabido que é pelo flanco mais débil de qualquer fortaleza ou exército que qualquer ataque tem êxito. Tiago Brandão Rodrigues, com todos os problemas a pairar (e ainda Mário Nogueira, numa altura em certamente o PCP não deixará de exercer a sua pressão), é o elo mais fraco do governo. Que o PSD e CDS ataquem por ali é perfeitamente compreensível. Estão reunidos todos os elementos para ruir um muro por aquele flanco.

domingo, maio 08, 2016

O túnel


Ontem, dia 7 de Maio de 2010, abriu-se finalmente o já quase mítico túnel do Marão, com inauguração pública a meio da tarde e a abertura ao público à meia-noite. Anos de obras, paragens, revisões do projecto, derrapagens e esperas acabaram finalmente e há já uma auto-estrada pelo Marão fora.

Será exagero dizer que é uma obra revolucionária, ou mais ainda, que o interior deixou defnitivamente de estar isolado. Outras regiões interiores que ganharam bons acessos não deram qualquer salto e continuaram a perder população. Trata-se de uma obra complexíssima e muito útil, é verdade, mas a verdadeira travessia do Marão aconteceu há vinte e tal anos, aquando da construção do IP-4. Nessa altura houve uma enorme emoção por parte de quem conhecia o caminho que atravessava a serra, sobretudo dos transmontanos (a euforia era tanta que os restaurantes de Amarante, no dia da abertura, ficaram sem comida). Até essa altura, a ligação com Trás-os-Montes fazia-se por uma estrada nacional de montanha, com centenas de curvas - não exagero, cerca de quatrocentas -  sempre com o temor de se atropelar um lobo. Do Porto a Vila Real eram duas horas e meia, se as coisas corressem bem, e ficava-se com o estômago às voltas. No Verão, com todas as festas das terras que se atravessava até ao destino, perdia-se um tempo incontável. Depois, o IP4 mudou a parte pior do trajecto, e o tempo de viagem encurtou visivelmente. A A4, primeiro até Penafiel e depois até Amarante, encurtou-o ainda mais. Mas o IP tinha notórios erros de engenharia, curvas mal feitas e mudanças abruptas de 3 faixas, que a tornaram numa estrada extremamente perigosa. Em vinte anos perderam ali a vida mais de 130 pessoas. Ainda hoje se podem ver, ao longo do caminho, diversas alminhas e cruzeiros recentes a recordar quem ali perdeu a vida. Entretanto fizeram-se melhoramentos, como barras e separadores nas faixas centrais, e a segurança melhorou visivelmente. A A4 chegou às portas do Marão, retomando o caminho em Vila Real, em ligação com a A24, chegando a Bragança em 2013. Só faltava mesmo o troço mais difícil. Custou, mas acabou-se. Entre Porto e Vila Real, se descontarmos a mais periférica A7, já se pode circular exclusivamente por autoestrada. Não é o início de uma mudança radical de acessos, mas a sua conclusão. Que só trará benefícios para a região se se desenvolver um pouco mais a incipiente indústria e a agricultura (dando incremento a projectos no papel ou suspensos, como o Cachão), bem como o potencial da UTAD e politécnicos, e não encerrarem mais e mais serviços públicos que provocam a erosão populacional. Só assim é que esta ligação dará os seus frutos aos que vivem "para lá do Marão". E Trás-os-Montes continuará a ser do interior, não precisando desse complexo provinciano de "ser do litoral", num país que pouco aposta no mar.

Resta apenas dizer que os convites feitos a Sócrates e a Passos Coelho para a inauguração do túnel foram justíssimos. Afinal de contas foram eles os principais responsáveis pelo lançamento e construção desta obra. Para mais, dois homens com origens em Trás-os-Montes. Pena o habitual protagonismo inoportuno do primeiro e a ausência mal justificada do segundo (quando a verdadeira razão até era compreensível). E pena também que boa parte da comunicação social desse mais importância às questiúnculas políticas relacionadas com os dois que à obra em si.

PS: quase de propósito, no mesmo fim de semana da inauguração, também o Desportivo de Chaves regressou à primeira divisão, coisa que ainda não tinha acontecido este século. Todas as desculpas de maus acessos até Chaves desapareceram definitivamente, embora já houvesse autoestrada até lá. E se se tivesse atrasado mais umas semanas, também o novo órgão da Sé de Vila Real, também há muito esperado e que chegou em Abril, teria sido inaugurado por estes dias.



sábado, maio 07, 2016

Paulo Varela Gomes


Há poucos dias morreu Paulo Varela Gomes. A notícia entristece, mas não surpreende, já que o seu estado de saúde era público. Aliás, o texto que escreveu na Granta do Verão passado (uma coisa tocante e comovente, um autêntico murro no estômago), tão inclassificável como o seu autor, seria amplamente divulgado e espalhado na net.
Impressiona talvez um pouco por sobreviver ao seu pai, que completara 90 anos dias antes. Mas melhor será invocar a sua vida multifacetada e generosa. Varela Gomes fora um revolucionário ligado à extrema-esquerda, primeiro ao PCP, e depois, como tantos outros, "dissidentou" e com Miguel Portas ajudou a fundar o Política XXI, aquele grupo político que constituiria depois a ala moderada do Bloco. Não ficou muito tempo na política. A sua área era a história da arte e da arquitectura, que lecionou, primeiro no liceu, depois na universidade, tendo-se doutorado pelo meio em Coimbra em História e Teoria da Arquitectura. Teve também duas séries documentais de televisão, O Mundo de Cá e Malta Portuguesa (sobre a ilha no Mediterrâneo, que desconhecia até agora e que gostava de ver). Viveu por duas vezes em Goa, nos anos noventa e em fins dos anos 2000, como delegado da Fundação Oriente, e se não me engano, a sua colaboração com o jornal Público começou (que costumava ler, todas as semanas) nessa segunda experiência goesa. De volta a Portugal, resolveu ir viver para o campo, na Beira interior, e essa vida campestre surgia muitas vezes nas suas crónicas. Depois, a descoberta da doença levou-o a acelerar uma nova faceta, a de ficcionista, e a publicar quatro romances, o último dos quais, Passos Perdidos, com poucos semanas desde que saiu do prelo. Dele ressalvo, para além das crónicas dominicais no Público (ultimamente quase exclusivas sobre história da arte, com um cunho contemplativo), algumas intervenções televisivas, como aquele sobre Lisboa em que defendeu publicamente o trabalho de Duarte Pacheco, ou um programa de debate que teve em tempos com Carlos Abreu Amorim.

Quem o lia ou às suas ideias podia ficar algo confusa. Um pedagogo, que se dizia "comunista reacionário", ou seja, alguém que supostamente crê na marcha imparável do comunismo e no determinismo histórico, e que ao mesmo tempo descrê do progresso e se guia por elementos do século XVIII e pelas estações do ano, não era fácil de perceber. Essas aparentes contradições apenas revelavam um espírito crítico, dinâmico que não caia em compartimentos estanques. Para mais, nos últimos tempos, Paulo Varela Gomes parecia ter-se aproximado da fé religiosa, como o próprio deu a entender. Ao que tudo indica, a começar pelo supracitado artigo na Granta, isso deu-lhe outra serenidade e outra coragem para enfrentar a doença. Mas perdeu-se um dos mais interessantes, imaginativos e pedagógicos cronistas portugueses.

segunda-feira, maio 02, 2016

Finalmente o "Sequeira"


Um dos grandes momentos culturais do ano: a conclusão do processo de juntar dinheiro - 600 mil euros, mais precisamente - para adquirir o quadro A Adoração dos Magos, de Domingos Sequeira, que estava na posse dos Palmela desde meados do séc. XIX, para o espólio do Museu Nacional de Arte Antiga. Graças a um enorme e dinâmico processo de crowdfunding, conseguiu-se juntar a "vaquinha" necessária antes do término do prazo, graças ao apoio de bancos como o BCP, de instituições como a Fundação Agha Khan, de jornais como o Público, de algumas (poucas) empresas, autarquias (a CM do Porto doou 15 mil euros, 2,5% do valor, correspondentes à percentagem da população portuguesa que vive no Porto), e de muitos doadores voluntários - eu próprio ofereci uma migalha simbólica, correspondente, penso eu, a uma parte da orelha do elefante que aparece ao fundo.
O que interessa é que a magnífica obra do pintor neoclassicista fica em Portugal, no MNAA, graças ao esforço colectivo da sociedade, a tal "sociedade civil" de que tantos falam, e que se manifestou em força neste caso, dando boas indicações para eventos semelhantes no futuro. Na próxima Noite dos Museus, a 21 de Maio, todos poderão ir livremente admirar a obra às Janelas Verdes.