sábado, maio 07, 2016

Paulo Varela Gomes


Há poucos dias morreu Paulo Varela Gomes. A notícia entristece, mas não surpreende, já que o seu estado de saúde era público. Aliás, o texto que escreveu na Granta do Verão passado (uma coisa tocante e comovente, um autêntico murro no estômago), tão inclassificável como o seu autor, seria amplamente divulgado e espalhado na net.
Impressiona talvez um pouco por sobreviver ao seu pai, que completara 90 anos dias antes. Mas melhor será invocar a sua vida multifacetada e generosa. Varela Gomes fora um revolucionário ligado à extrema-esquerda, primeiro ao PCP, e depois, como tantos outros, "dissidentou" e com Miguel Portas ajudou a fundar o Política XXI, aquele grupo político que constituiria depois a ala moderada do Bloco. Não ficou muito tempo na política. A sua área era a história da arte e da arquitectura, que lecionou, primeiro no liceu, depois na universidade, tendo-se doutorado pelo meio em Coimbra em História e Teoria da Arquitectura. Teve também duas séries documentais de televisão, O Mundo de Cá e Malta Portuguesa (sobre a ilha no Mediterrâneo, que desconhecia até agora e que gostava de ver). Viveu por duas vezes em Goa, nos anos noventa e em fins dos anos 2000, como delegado da Fundação Oriente, e se não me engano, a sua colaboração com o jornal Público começou (que costumava ler, todas as semanas) nessa segunda experiência goesa. De volta a Portugal, resolveu ir viver para o campo, na Beira interior, e essa vida campestre surgia muitas vezes nas suas crónicas. Depois, a descoberta da doença levou-o a acelerar uma nova faceta, a de ficcionista, e a publicar quatro romances, o último dos quais, Passos Perdidos, com poucos semanas desde que saiu do prelo. Dele ressalvo, para além das crónicas dominicais no Público (ultimamente quase exclusivas sobre história da arte, com um cunho contemplativo), algumas intervenções televisivas, como aquele sobre Lisboa em que defendeu publicamente o trabalho de Duarte Pacheco, ou um programa de debate que teve em tempos com Carlos Abreu Amorim.

Quem o lia ou às suas ideias podia ficar algo confusa. Um pedagogo, que se dizia "comunista reacionário", ou seja, alguém que supostamente crê na marcha imparável do comunismo e no determinismo histórico, e que ao mesmo tempo descrê do progresso e se guia por elementos do século XVIII e pelas estações do ano, não era fácil de perceber. Essas aparentes contradições apenas revelavam um espírito crítico, dinâmico que não caia em compartimentos estanques. Para mais, nos últimos tempos, Paulo Varela Gomes parecia ter-se aproximado da fé religiosa, como o próprio deu a entender. Ao que tudo indica, a começar pelo supracitado artigo na Granta, isso deu-lhe outra serenidade e outra coragem para enfrentar a doença. Mas perdeu-se um dos mais interessantes, imaginativos e pedagógicos cronistas portugueses.

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