quarta-feira, dezembro 31, 2008

Caso não escreva aqui hoje, o que é bem provável, um bom ano de 2009 para todos. Sabemos que não será fácil, mas quem sabe...Alguém há de escapar.
Burocracias judiciais
Vai-se o supremo Tribunal de Justiça, pede-se determinado processo, trazem-no, procura-se o que se quer, tiram-se as respectivas fotocópias, paga-se a vai-se à vida.
Chega-se à Relação, temos de ir à secretaria, daí avisam-nos para ir a outra repartição (a presidência, se não estou em erro), onde nos dizem que para consultar processos só com autorização do senhor presidente, mediante requerimento que se pede na secretaria...
O STJ pode ser aberrante nas suas decisões, mas em termos de burocracia, é bem mais lesto que a segunda instância. São somente diferenças instrumentais? Não, não são. A celeridade é uma componente do bom funcionamento da justiça. Mas fará algum sentido que um tribunal superior seja menos formal nos pedidos de processos que as instâncias abaixo?
Suspiro...

terça-feira, dezembro 30, 2008

Cinema 2008


Há umas semanas que não entro numa sala de cinema, excepção feita a uma sessão da Cinemateca Nacional. Os filmes em exibição não me dizem absolutamente nada, e talvez vá apenas ver Austrália se tiver tempo. Mas apesar das habituais retrospectivas do ano nos dizerem que o cinema esteve péssimo, viram-se algumas coisas memoráveis.

Como por vezes acontece, por pressão dos Óscares ou por simples coincidência, os melhores vieram ao princípio. Jogos de Poder/Charlie Wilson´s War e The Darjeeling Limited poria desde logo no topo da lista. Dois filmes completamente diferentes, uma sátira política, o primeiro, um filme de "estilo"com a eterna questão da orfandade, o segundo, tendo em comum uma essência de ironia e as paisagens do sub-continente indiano. Ainda em Janeiro, O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, talvez o menos bom da "trilogia de Londres", e algo previsível, mas que ainda assim se vê bem. Expiação não é uma obra-prima - ao contrário do livro de que é adaptado, ao que me dizem - mas tem momentos de rara beleza e perturbação, que não se resumem a Keira Knightley.


Da vaga dos Óscares não apanhei No Country for Old Men, mas não deixei escapar o outro filme dos Cohen, Apagar Depois de Ler, um misto de Fargo com O Grande Lebowski e injustamente vilipendiado por grande parte da crítica (daqui a uns anos vão elevá-lo a "filme de culto", está-se mesmo a ver). Vi a saga de um amoral e seco Daniel Day Lewis em Haverá Sangue. E dos que queria ver, escapou-me Juno. não tenho a certeza se quereria ver I´m not There, excepto pelas interpretações, embora Cate Blanchett apareça como homem.


Fora destas andanças, fiquei com uma sensação entre o apreço e a estranheza em relação a Youth without Youth, o regresso de Coppolla aliado a Mircea Eliade. Uma segunda revisão por certo deixar-me-à mais esclarecido. E ainda vi um curioso Ponto de Mira, ensaio de um portentoso atentado na nobre Salamanca, que parte de uma ideia interessante, mas que se vai tornando cansativa, tantos são os flashbacks que nos são dados a ver.



O ano de 2008 terá sido o da grande recuperação do cinema francês. Realizadores clássicos, como Rohmer e Resnais, à mistura com "jovens turcos", ou melhor dizendo, tunisinos, no caso de Abdel Kechiche, e sucessos como A Turma ou o êxito da comédia "à francesa" Bem Vindos ao Norte, que atraiu vinte milhões de espectadores. Ou como Asterix nos Jogos Olímpicos, paupérrima adaptação, muito abaixo das anteriores fitas com os gauleses.

De Itália veio também O meu Irmão é Filho Único, tragicomédia passada nos anos setenta com dois irmãos divididos politicamente pelos extremos fascismo/comunismo e por razões amorosas. Valeu bem a pena vê-lo. E ainda há Caos Calmo, o novo de Moretti, e Gomorra, que não vi, mas que dizem ser tão terrível como o livro de Saviano.
 
A memória não me chega para mais. Daqui a uns dias começa novo ano civil, e Janeiro trar-nos-à boas novidades, à partida, a começar com dois filmes de Clint Eastwood. Posto isto, não volto a fazer apanhados do ano, que para isso já bastam os dos jornais.
PS: confesso: aquela fotografia lateral com o Daniel Day Lewis só está ali por causa do fato que ele usa. Aquilo vende-se em qualquer feira ou é preciso mandar fazer?

domingo, dezembro 28, 2008

Luzes de Natal

Os primeiro e o último parágrafo deste post contém passagens indesmentíveis. De facto, as iluminações de Natal no Porto estão uma tristeza (um curto consolo: as de Lisboa também). A rotunda da Boavista parece um buraco negro entre o Brasília, a Avenida e a CdM. Aproveitam-se meia dúzia de ruas na Baixa e pronto. E pelas vistas que obtive há dias da A8, Óbidos estava um espectáculo feérico, admirável, cintilante. Mas também não vi Sintra nem Marvão.

quarta-feira, dezembro 24, 2008

O verdadeiro símbolo


O mais puro e verdadeiro símbolo de Natal: o Presépio, criação de S. Francisco de Assis para recriar a Natividade, tornando-se obra de arte em Nápoles, na Provença, na Catalunha e em Portugal, a partir do Séc. XVIII. Daí o aspecto barroco que as imagens mais clássicas continuam a ostentar. E alguns deles são espectáculos autênticos, fruto de muitas e muitas horas de trabalho.

Um Santo Natal a todos.
O presépio, à moda napolitana

O costume dos protestos gregos





Os distúrbios prosseguem na Grécia. Talvez o Natal consiga aplacar o caos reinante, mas há em terras helenas um rasto de destruição, de feridos, presos e tensão. Para além da morte do manifestante de quinze anos, o detonador de toda esta Intifada à grega, misturam-se os problemas do país, que em grande parte são os do Mundo. Todos têm uma causa para explicar os motins: a crise financeira, o desemprego, a corrupção, a falta de oportunidades, o "autoritarismo" da polícia, etc. Acrescente-se o coração do problema, o bairro ateniense de Exárchia, onde param enxames da extrema-esquerda e de anarquistas, cerne da violência destruidora. É um facto que os ânimos se exaltam com os problemas sociais e económicos actuais, e que prometem aumentar. E nos grandes partidos gregos, sucedem-se, desde antes do regime dos coronéis, os dirigentes das grandes dinastias, como os Papandreou e os Karamanlis, cujo último exemplar preside ao governo grego. O país tem vivido alguns momentos mais duros, como os calamitosos incêndios do ano passado. Nestas condições, um episódio mais grave e a revolta de uns quantos anarquistas podem ser a acendalha para fazer irromper a onda de destruição e protesto que se tem verificado.


Acrescento-lhe, no entanto uma outra: a predisposição natural dos gregos para as manifestações violentas e maciças. Não sei se é um "costume" que vem da altura do regime dos coronéis ou antes, mas o que é facto é que na Grécia não faltam exemplos de exaltações populares, embora as deste ano sejam particularmente violentas. Em 2003, aquando da invasão do Iraque, as primeira manifestações começaram logo na noite do início das operações militares, com apedrejamentos à embaixada americana e iraquianos a perfilar-se com as suas bandeiras (ainda hei de postar uma foto com isso). Dias depois, um gigantesco protesto, com a anuência do governo, praticamente impedia ou dificultava a entrada e a saída da cidade. Quem lá fosse antes das manifestações teria de amargar até que tudo aquilo acabasse. E nos dias que se seguiram, não faltaram novas manifestações, e na Praça Sintagma via-se um enorme lençol pintado de vermelho com caracteres anti-guerra.

Sejam quais forem as razões da violência nas ruas, é altamente improvável que os manifestantes obtenham um resultado vantajoso. Não sendo a Grécia actual uma Tirania, não há razões para a violência dos motins contra um governo com legitimidade democrática. E é duvidosos que a maioria da população goste muito de ver os seus carros e os centros das cidades a arder. Não se percebe bem o que é que a maioria destes anarquistas ou candidatos a isso quer - provavelmente a violência é um fim em si mesmo, para andar à pancada - e se o governo cair, convocam-se novas eleições e o mais certo é a Nova Democracia regressar ao poder. Se é para melhorar alguma coisa a nível económico, depois da destruição de edifícios, bancos e outros estabelecimentos, e da ocupação de universidades, só se a construção civil tiver alguma incremento para algumas reconstruções, porque tais actos só devem ter assustado os investidores e consumidores. O problema é que essa gente não parece ser particularmente inteligente. Talvez nas obras se safem, e dêem o tal empurrão à construção. Quem sabe destruir deve aprender a reconstruir, tal como as crianças pequenas.
PS: as minhas suspeitas tinham fundamento. Afinal, é mesmo anterior aos coronéis. O Guardian também acha:
Rebellion is deeply embedded in the Greek psyche. The students and school children who are now laying siege to police stations and trying to bring down the government are undergoing a rite of passage.

terça-feira, dezembro 16, 2008

O sapato e o correctivo

O episódio do sapato atirado por um jornalista a Bush, no Iraque, provocou risos a uns e indignação a outros. Confesso: estou entre os primeiros, coisa que provavelmente faz de mim um perigoso extremista de esquerda, segundo alguns. Antes isso que um tiros ou uma bomba, coisas muito mais em voga naquelas paragens.

Ficou-se a saber também que atirar calçado é de uma gravidade extrema, não comparável a invadir um país baseado em pressupostos falsos e aí provocar um caos letal, pois que o Iraque é agora "um país muito melhor".

Mas pensam que o jornalista se ficou a rir? Nem pensar. Levou um correctivo que é para aprender a respeitar o pai da democracia iraquiana. Assim é que é!
"Morro bem, salvem a Pátria"*

E entretanto também se passaram noventa anos de outra morte, esta mais violenta, em plena estação do Rossio, do "Presidente-Rei" Sidónio Pais, a que já tinha feito referência, de que a RTP resolveu fazer um documentário, ao que parece um pouco para o fraco.


Curioso como uma figura popular e que pela primeira vez conseguiu ser eleito em sufrágio popular, coisa que anteriores os demagogos da 1ª República jamais fizeram, passa hoje em dia por "ditador. Não seria um democrata exemplar, mas ao lado dos carbonários que o mataram era um Ghandi.

A popularidade e a o clima de permanente guerra civil que se viviam na altura ficaram bem patentes no imenso funeral de Sidónio, seguido por largos milhares de pessoas, pelas ruas da Baixa lisboeta e até aos Jerónimos, com atiradores a disparar dos telhados da rua Augusta e a provocar o pânico (e a retaliação) consequente.

Ainda hoje estou para saber se os sidónios, os bolos, são uma homenagem ao "Presidente-Rei" assassinado há noventa anos e dois dias.


*Épica frase atribuída a Sidónio antes de expirar, mas que, ao que tudo indica, é falsa; o moribundo teria antes exalado um muito mais natural "não apertem tanto, rapazes".
Alçada Baptista
Reparei que não escrevi nada sobre a morte de Alçada Baptista. Não admira. não o conhecia pessoalmente e nunca cheguei a ler um livro dele (embora tenha oferecido há muito tempo ao meu pai "Tia Susana, meu amor"). Mas era uma figura que me inspirava simpatia. Era um "escritor de afectos", como lhe chamaram, e talvez por isso tenha defendido, num certo 10 de Junho, a substituição da letra do hino, por ser muito "belicista". Um episódio polémico pouco recordado agora, no momento de elogiar quem desaparece. Ficam os registos de quem sabe mais do que eu para o recordar.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Manoel de Oliveira centenário

Já está! O meu conterrâneo Manoel Cândido Pinto de Oliveira chegou aos tão esperados cem anos. Com a lucidez e energia de sempre (até ajuda pessoas mais novas a levantar-se da cadeira!). E daqui para a frente, perguntar-se-à? Ora, é fazer o que tem feito nas últimas décadas, andar para a frente com os numerosos projectos que tem na manga, sempre mais e mais. Dá-me ideia que não será a formalidade da idade a impedir o realizador de o fazer e a pô-lo numa vida de jogar à bisca nos jardins públicos ou de dar milho aos pombos. A continuar assim, ainda o vamos ver como um dos supra-centenários de que agora tanto se fala (sinal dos tempos).

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Aparição em Santa Apolónia?

Manuel Pateta vem para mim com os seus passinhos de arame. Soergue o boné, os olhos chorosos escorrem aguardente(...)dou-lhe a mala, ele põe-se a andar adiante, dobrado em compasso, como se lhe doesse o ventre, as calças de ganga pelo meio da canela, os pés sem meias em alpercatas brancas".

Virgílio Ferreira, Aparição

Já quase não se vêem carregadores nas estações de comboio. Alguns subsistem, porém, na estação lisboeta de Santa Apolónia. Acorrem aos comboios que param junto às plataformas, oferecendo os seus préstimos a quem chega dos Alfas e dos Intercidades carregado de malas e malões. Não sei exactamente quem lhes paga e que tipo de gorjeta lhes dão, porque nunca usufruí dos seus carrinhos ferrugentos.

São quase todos homens de idade. Um deles, o mais velho, com o seu boné identificativo de fazenda, tem um andar esquisito e um olhar choroso, ferido, alcoólico. Lembra-me exactamente Manuel Pateta, o apoucado carregador de malas da estação de Évora que aconselha Alberto Soares/Virgílio Ferreira à sua chegada. Com aquela idade, aquele olhar, "a escorrer aguardente", aquele andar estranho, pergunto-me se afinal Manuel Pateta não seria uma personagem real, que Virgílio (que leccionou em Évora) incluiu na sua obra maior, e que por acasos da vida tivesse vindo parar a Lisboa, à centenária e movimentada estação ribeirinha de Santa Apolónia, com o seu trabalho de sempre. É bem possível, é. Para a próxima peço para me levar a mala e dou-lhe uma gorjeta. Talvez lhe faça aquelas perguntas de quem chega pela primeira vez áquele destino, como a de há quantos anos exerce o mester, e mesmo como se chama. Quem sabe se a minha mala não será mesmo carregada pela pitoresca figura imortalizada em Aparição.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Links

Novos links para a coluna da direita: entram O Pasquim da Reacção (antes que o Corcunda ma bata), o Ressio, a Esquerda Monárquica, o Risco Contínuo e o Adufe. Sejam bem vindos.
A miséria do STJ - II


A outra decisão aberrante do Supremo reporta-se a um caso de acidente de automóvel, em que uma mulher de vinte anos, passageira do veículo, grávida de nove meses, perdeu o filho. O STJ negou a indemnização à mãe porque "No caso dos autos é impossível reconhecer ao filho da autora um direito à vida susceptível de ser indemnizado, uma vez que faleceu ainda antes de adquirir a qualidade de pessoa jurídica, não podendo, assim, ser titular de qualquer direito". Os doutos juízes, claro está, acharam que não estava ali uma pessoa (nem uma "víscera da sua mãe") mas uma criatura híbrida, sem direitos nem protecção alguma. Um mero objecto, portanto, fundado no Artigo 66º do Código Civil que estipula que a personalidade jurídica só se adquire "no nascimento completo e com vida". Acontece que a interpretação que fizeram é falsa ou apressada, uma vez que os nascituros têm alguns direitos, como por exemplo, os sucessórios.

Felizmente que algum bom senso permaneceu num dos magistrados, que votou vencido porque "A vida que se perdeu foi a de um ser do sexo masculino, no termo da sua gestação, já totalmente formado e saudável, prestes a deixar o ventre materno " (...) "Se, por força da gravidade das lesões, o concebido morre no ventre materno, não há lugar a indemnização; se, por lesões menos graves, resiste à morte e vem a nascer com vida, morrendo uma hora depois, já haverá lugar a indemnização – só por puro preconceito se pode justificar esta diferença de tratamento".


Conciso e directo, esta declaração mata por si só a imbecil decisão do colectivo. Decisão essa que além de revoltante, insensível e insultuosa, caso faça jurisprudência, terá efeitos aberrantes: é que permite que se possa abortar até ao nascimento da criança. Eis até onde foram as insensatas decisões do STJ: a possibilidade da prática do infanticídio apenas porque a criança ainda não saiu do ventre da mãe. A aberração de não perceber que se trata de alguém com vida, de um ser humano em toda a sua completude e personalidade única e irrepetível, é particularmente grave vinda daqueles que tinham a obrigação de aplicar a justiça de forma irrepreensível, tanto quanto possível.


Além do mais, acrescentaram esta pequena pérola: "numa sociedade pluralista, multicultural e constitucionalmente agnóstica", só esta tese pode prevalecer.

Em tal sociedade, sem princípios nem valores que não os convenientes, talvez. Será isso que significa o "pluralismo", assim incluído? Todos têm direito à sua opinião mas a lei pratica a neutralidade moral, guiando-se por formalidades sem procurar o seu sentido nem vincular-se a princípios naturais ou civilizacionais? E o "multicultural"? Mais consequências da mesma neutralidade, em que cada um fica na sua "cultura própria", podendo um mórmon casar-se com várias mulheres, um muçulmano matar a sua filha caso esta seja violada, um papua praticar livremente a pedofilia, etc. E uma criança morrer sem ver reconhecidos quaisquer direitos.

Por fim, a grande mentira, a sociedade "constitucionalmente agnóstica". A sociedade portuguesa, nunca é demais repetir, é esmagadoramente católica desde a fundação da nacionalidade. Faz parte dela, é um traço integrante, por muitos pruridos que isso cause às "minorias". A actual CRP não consagra o "estado agnóstico", no que seria a adopção de uma posição face às religiões, mas a separação face à Igreja - nomeadamente a católica - e a garantia da liberdade religiosa e da não discriminação. Ou seja, o estado é laico, não laicista. Nem poderia ser de outra forma, e aliás, nem mesmo a Constituição de 1911 defendia (formalmente) tal figura. Ora os juízes do STJ provavelmente estariam a pensar na Albânia pré-1990 ao referir-se à sociedade" constitucionalmente agnóstica". Nem a Constituição nem a sociedade são agnósticas, e se a primeira o fosse estaria a violar a liberdade religiosa, uma vez que se afirmaria que "a Constituição de República Portuguesa estabelece que é impossível à sociedade portuguesa provar a existência de Deus, dado que esta não tem provas que permitam aferir da sua existência ou não.” Curioso, como depois de defenderem a neutralidade moral do estado, os doutos magistrados fazem precisamente o contrário face às religiões.


Tanto esta decisão como a do post anterior nos mostram um conjunto de magistrados que, do alto da sua inamovilidade,"independência" face aos restantes poderes e imunidades várias, protegidos pelo seu corporativismo espesso, se esquecem da aplicação da justiça e da sensatez que a deve acompanhar. Os cidadãos procuram os tribunais e confiam nesta derradeira e mais elevada instância para defender os seus direitos, sejam eles materiais ou não. Ao negá-los, a justiça perde a sua utilidade. Estas duas decisões mostram como a cúpula da magistratura perdeu a sua orientação, deslumbrada pelo seu estatuto, ou simplesmente todos os princípios de uma sociedade decente, de que deveriam ser os guardiões. Quando se relativiza a violação de uma criança às mãos de alguém mais forte, ou se nega quaisquer direitos a um ser humano totalmente formado, esses princípios foram definitivamente deixados para trás. O que provoca medo. Afinal, a nossa justiça, individual e colectiva, está entregue, em último caso, aos humores e devaneios das misérias deste STJ.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

A miséria do STJ-I


Deixei passar algumas semanas sobre dois casos recentes, mas graves, e que tiveram pouquíssima divulgação. A sua actualidade e importância fazem com que não seja de forma alguma tarde para escrever sobre eles. Falo de duas decisões do Supremo Tribunal de Justiça, cada uma mais deplorável e revoltante que a outra. Atenção: trata-se da última instância da justiça portuguesa.

O primeiro é um Acordão de Outubro que passaria despercebido, não fossem curtas notícias em alguns jornais e um artigo de Inês Pedrosa, na revista Única do Expresso, exprimindo justamente a sua indignação. O STJ, com um voto de vencido, comutou os cinco anos de prisão efectiva de um violador para pena suspensa e o pagamento de 10 mil Euros de compensação. O violador era um Sargento da polícia militar, e a vítima uma miúda de 12 anos. Razões para a comutação? Não haver "preocupações de monta ao nível da reinserção social do arguido e que nada se pode apontar quanto ao seu comportamento anterior ao crime, ou posterior ao mesmo". Além do mais, parece que o violador "continua com o registo criminal limpo, mais de oito anos volvidos sobre os factos" e "está inserido familiarmente" e era "socialmente bem considerado.”. Além disso, “as necessidades de prevenção especial não se mostram, muito fortes, no caso". Culpas? Muito poucas. Ah, parece que "O seu comportamento foi altamente censurável e o recorrente não pode deixar de o interiorizar".


Isto não é uma piada de mau gosto: é uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, e por isso transitada em julgado, que pese embora os factos estarem provados e o arguido não ter apresentado mostras de arrependimento (como se lê no Acordão), deixam-no ir pela "boa consideração social" e outras desculpas semelhantes. A violação de uma criança, que decerto lhe deixou traumas para toda a vida, não mereceu dos supremos juízes mais do que uma repreensão e uma compensação de uns milharzitos de Euros. Provavelmente o estatuto militar da criatura pesou no caso. O "respeitinho" contou mais do que a honra e a integridade física e a vida futura de uma pessoa que pela sua pouca idade, estaria certamente indefesa. Certo é que se a justiça se baixa perante estas tretas, não tem a menor utilidade. Não houve nem acção correctiva nem pena real para um criminoso sem arrependimento: aqueles que supostamente deveriam ser os magistrados mais sensíveis e conhecedores do Direito resolveram fazer uma interpretação literal e sem razão de ser do novo Código de Processo Penal e livrar o violador de mais trabalhos, pouco se importando com a vítima e deixando-a na vergonha e no seu trauma pessoal para toda a vida. Sabendo que o criminoso pouca admoestação teve pela justiça e que qualquer outro violador "respeitável" pouco terá com que se importar se repetir a afronta.
Ou este grupo de magistrados, excepção feita ao vencido, é demasiado incompetente e não merece a posição que ocupa, ou são competem no crime por inacção e merecem eles próprios ser punidos com as regras que se lhes aplicam. Qualquer das hipóteses seria grave num mero Julgado de Paz. No Supremo, são gritantes.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Gorky em Capri



Em 2003, nos seus Diários de Paris, Marcello Duarte Mathias escrevia o seguinte:



Folheando uma revista, dou com uma reportagem sobre a ilha de Capri abundantemente ilustrada por várias fotografias de épocas diferentes.
Numa delas, com data de 1908, vê-se Gorky a jogar xadrez com Lenine ao ar livre. A legenda diz: «Partida de xadrez entre dois revolucionários exilados.»
Um mínimo de informação, um naco de fantasia, e há aqui pano para mangas...


Um livro escreve-se sozinho, antes de sermos nós a escrevê-lo.


Ei-lo, saído há pouco do prelo:



Causa-me sempre alguma inveja ver pessoas que levam os seus pequenos projectos até ao fim e os concretizam.