Antes comemorar os centenários de uma língua do que de um assassinato, sobretudo quando este, além de inspirar o nome de estimável banda rock escocesa, levou à eclosão de uma guerra cruel, estúpida e que não mudou nada para melhor. A maior, até então. Até aparecer outra ainda maior.
segunda-feira, junho 30, 2014
sábado, junho 28, 2014
Oitocentos anos de uma língua (seja mito ou não)
Nunca me teria ocorrido comemorar o dia da Língua Portuguesa. E de facto, o pretexto parece ligeiramente forçado, ou no mínimo efabulado, similar às criações de todos os mitos. Mas antes um pretexto longínquo do que o esquecimento. E um texto do século XII, do reinado do rei que ficou conhecido como O Gordo, parece-me tão bom como outro qualquer. Se for importante para defender a língua portuguesa, a quinta mais falada no Mundo, e espalhar o seu ensino pelo globo, tanto melhor. O actual marasmo que se assiste nalgumas paragens, como a antiga Índia portuguesa, é que com certeza não ajuda nada.
segunda-feira, junho 23, 2014
Desconsolo e desperdício
A quase eliminação de Portugal do Mundial não seria apenas uma desilusão: em termos de reconhecimento mundial seria uma tragédia. Digam o que disserem, Portugal quase só é conhecido no Mundo por causa do futebol. Não comparem o fado, as praias, o galo de Barcelos e o vinho com a popularidade de que goza Cristiano Ronaldo, como antes a tiveram Figo e Eusébio. Mas esta eliminação pré-anunciada é particularmente dolorosa por ser no Brasil (incrível como até aí os portugueses conseguem estar em minoria) e contra Alemanha e EUA. Contra este último, na única coisa em que poderíamos ser melhores do que eles, conseguimos até nisso ser suplantados. No caso da Alemanha, seria um tónico contra o país que efectivamente controla a UE, mas fomos completamente dominados pelos germânicos e motivo de gozo na imprensa brasileira. Em suma, desperdiçámos a única coisa em que somos efectivamente conhecidos contra países que não precisam do futebol para isso. Neste momento, infelizmente, Portugal é uma irrelevância em tudo.
Sempre temos o S. João, para aliviar mágoas.
sábado, junho 21, 2014
Sugestões
Se ninguém tiver grandes planos para este fim de sema a de início de Verão e estiver pelo Douro ou Trás-os-Montes, sempre pode dar um giro por Vila Real e reviver as míticas corridas que regressam por estes dias ao circuito da cidade (de que já falei, há anos) , agora infelizmente muito modificado. Mas conservam alguma emoção e nostalgia, e depois sempre se tem a vista do Palácio de Mateus e do Marão. Eu vou estar por lá, mas noutros eventos, tão ou mais importantes. Divirtam-se e bom fim de semana.
quinta-feira, junho 19, 2014
Felipe VI
Hoje virou-se uma página na história de Espanha, para além do fim da triunfal geração da selecção de futebol: Juan Carlos I, o monarca que devolveu a democracia ao país e que a aguentou nos momentos mais complicados, dando espaço aos restantes actores quando se impunha, sai de cena, com a missão cumprida, dando lugar ao seu filho, doravante o Rei Felipe VI. Íntegro, consciente do seu dever, preparado, conhecedor do seu país e dos problemas que o afectam, o novo Rei é o homem em quem quase todos depositam a confiança quando Espanha atravessa uma crise política, social, regional e económica numa tempestade quase perfeita para a qual se precisa de um leme firme. Metáforas marítimas à parte, a tarefa que aguarda Felipe VI é complicada, mas dificilmente haveria alguém melhor do que ele para a enfrentar.
Juan Carlos não abdicou em vão, embora a superficialidade dominante tenha escolhido questões secundárias (como a caça ao elefante e outros faits-divers) como motivo. No ano em que a questão do separatismo se coloca como nunca, com o anunciado referendo na Catalunha, e as instituições vêem a sua popularidade em clara baixa, quando o desemprego e todos os problemas económicos resultantes da dívida e do rebentamento da bolha imobiliária que antes tinha feito a riqueza aparente do país se fazem mostrar com grande intensidade (embora haja alguns indícios de esperança), um monarca com outra disponibilidade, até física, era essencial para assegurar a estabilidade e a união de Espanha, e a imagem de uma personalidade serena mas firme impunha-se. É curioso como a comunicação social, ao falar deste assunto, não cessa de referir que "a instituição monárquica atingiu o seu ponto mais baixo de popularidade". É que todas as instituições de Espanha atingiram pontos mínimos de confiança, o que diz bem da crise das referências e da autoridade no país, e acima da coroa, só as forças armadas conseguem maior aprovação. Se queriam culpar o trono pelas crise do país, erraram o alvo...
Outra questão que boa parte das nossas TVs e jornais levantou foi a da "vontade dos espanhóis em questionar o regime", ou mesmo que "o povo espanhol" se tinha manifestado nas ruas "por um referendo para decidir se queria monarquia ou república". Eis um bom exemplo de como a suposta informação pode ser perniciosa e grosseiramente parcial. Confundir a "rua" com a vontade da maioria de um povo é um erro antigo e constante, muito repetido nestas paragens. Se fosse assim, mais valia entregarmos o governo da nação a Arménio Carlos. O que se viu foram os habituais movimentos radicais - ou independentistas - numa jogada oportunista, pretendendo aproveitar a abdicação do Rei para impor a sua vontade (que estava bem à vista: queriam um referendo para implementar uma hipotética república, não para questionar o regime), em manifestações ruidosas, com a horrível bandeira da 2ª república de má memória, muitas vezes com cartazes ilustrativos de guilhotinas ou frases tão eloquentes como "los bourbones a los tiburones". São os descendentes dos republicanos dos anos trinta, os mesmos que deixaram o país num caos e que permitiram o caldo de raivas e dissensos que levou à tenebrosa guerra civil. À cabeça, o PCE, partido legalizado por vontade expressa do Rei e que mostra agora toda a sua ingratidão, o que aliás não admira, vinda de uma formação que não hesitou em liquidar quem lhe dava na bolchevista gana e que obedecia directamente a Estaline. Ao lado, os "Indignados", muitos deles com uma postura violenta e uma agenda política que desembocou no Podemos, a nova formação partidária de inspiração chavista, que teve uma rotunda votação nas últimas eleições europeias. Em todos coexiste, além da virulência verbal, a falta de memória e a simples falsificação grosseira da história: dizem e repetem que "a monarquia não tem legitimidade" porque se funda "na ditadura franquista. É verdade que Juan Carlos foi proclamado Rei logo após a morte do caudilho; mas que se se saiba, era essa a fonte de poder em Espanha, na altura. Ganhara a guerra a uma república desaparecida, e não havia qualquer outro poder mais ou menos legítimo. Depois, o próprio Rei nomeou um governo que se encarregou de escrever uma nova constituição e de a apresentar a referendo: quase 92% dos eleitores votou a seu favor. E as formações políticas que estiveram contra, com a exlusão extraordinária do PCE dos tempos de Santiago Carrillo, eram quase as mesmas, incluindo a extrema-direita. Cai assim por terra o argumento ignorante de que "a monarquia não tem legitimidade" e que "ninguém votou nela". Houve alguns milhares na rua a brandir a daltónica bandeira republicana? Também em 1977 os anarco-sindicalistas da CNT reuniram mais de cem mil apoiantes em Barcelona, e nem por isso tiveram grande relevância nas urnas. De qualquer modo, todas as sondagens a um eventual referendo ao regime actual dão clara preferência pela monarquia - a mais desfavorável dá-lhe 13% de avanço sobre um hipotética república. Mas nem é preciso. Basta recordar que em questões de legitimidade, a monarquia espanhola, que deu ao país alguns dos seus melhores anos, com democracia, liberdade e autonomias várias, é bem mais legítima do que a maior parte das repúblicas, a começar pela que vigora em Portugal.
Felipe VI teve um discurso prolongado mas em que tocou em todos os aspectos essenciais sobre o que deverá ser o seu reinado, sem esquecer o papel do seu pai e do seu avô. A cerimónia teve sobriedade mas também pompa e dignidade. O novo Rei mostrou-se ao povo de cabeça descoberta, num soberbo Rolls Royce descapotável já com história, e depois na varanda do Palácio Real, com a nova Rainha Letizia, as filhas, agora também na linha de sucessão, e por breves momentos, os seus pais, o casal que deixou de sero Real. Terá sempre o melhor dos conselheiros para o ajudar a reinar, e a alegria de ser Rei sem que seja por morte de seu pai. A propósito, Juan Carlos ainda não tem título definido. Terão pensado em dar-lhe o de Conde de Barcelona? Seria uma bela homenagem ao seu pai, o príncipe que não reinou, e quem sabe se a recuperação do título condal não cairia bem entre muitos catalães. É também com esses aspectos subtis que se mantém um país. Ninguém mais do que Felipe VI está preparado para o fazer.
Felipe VI teve um discurso prolongado mas em que tocou em todos os aspectos essenciais sobre o que deverá ser o seu reinado, sem esquecer o papel do seu pai e do seu avô. A cerimónia teve sobriedade mas também pompa e dignidade. O novo Rei mostrou-se ao povo de cabeça descoberta, num soberbo Rolls Royce descapotável já com história, e depois na varanda do Palácio Real, com a nova Rainha Letizia, as filhas, agora também na linha de sucessão, e por breves momentos, os seus pais, o casal que deixou de sero Real. Terá sempre o melhor dos conselheiros para o ajudar a reinar, e a alegria de ser Rei sem que seja por morte de seu pai. A propósito, Juan Carlos ainda não tem título definido. Terão pensado em dar-lhe o de Conde de Barcelona? Seria uma bela homenagem ao seu pai, o príncipe que não reinou, e quem sabe se a recuperação do título condal não cairia bem entre muitos catalães. É também com esses aspectos subtis que se mantém um país. Ninguém mais do que Felipe VI está preparado para o fazer.
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segunda-feira, junho 16, 2014
Recado à equipa nacional
Cara Selecção, não te esqueças que não estás em território desconhecido: essa cidade onde mais logo vais jogar foi fundada e erguida por portugueses, bem como as suas centenas de igrejas e a sua cultura mestiça, e serviu como primeira capital do território brasileiro por ordem do seu primeiro governador-geral (e fundador) Tomé de Sousa, ainda antes do Rio. A arquitectura que vês no centro, as igrejas, o pelourinho, os palácios, são tudo obras de portugueses (o resto deixámos aos bahianos indígenas, embora tenhamos dado alguns empurrões, nem sempre muito exaltantes, como os escravos trazidos de África, antepassados dos muitos negros dessa cidade). Não te esqueças igualmente que a cruz de Cristo que figurava nas naus de Pedro Álvares Cabral é a mesma que trazes incrustada na tua camisola. Por isso, reflecte nisto antes de enfrentares uma mannschaft cujos adeptos têm mais a ver com as regiões lá de baixo, em Porto Alegre, e honra os teus símbolos e a tua memória em terras que os teus ajudaram a construir. Só te peço isso.
Adenda - das três, uma: ou não leram este recado, ou uma mãe-de-santo lançou um mau olhado (o que explica as lesões de Coentrão e Almeida, e outras coisas) ou a recuperação de Schumacker deu uma imparável energia aos teutões. é que ao fabuloso dia desportivo para os alemães corresponde uma desastre incrível para Portugal, que sofre a maior goleada de sempre em Mundiais, perde dois jogadores por lesão e outro por castigo, e fica dependente dos próximos resultados e até da combinação de jogos entre terceiros.
Impressões do Mundial do Brasil
Vamos então ao assunto do momento, o Mundial de futebol. Tentei escapar à revoada de notícias inúteis sobre as ninharias da Selecção, e a ementa da Selecção, e quem passa a roupa, o que fazem os jogadores nos tempos livres, etc, etc. E também não tenho paciência para os constantes anúncios televisivos. Mas agora que a competição começou, é impossível uma pessoa manter-se indiferente. Até porque o que interessa, os jogos, têm sido aliciantes.
Claro que não se pode deixar de parte toda a polémica e protestos que tem havido contra a competição. O Brasil na sua ascensão económica e como membro dos BRICs, tinha de organizar um grande evento mundial que é o que fazem as potências emergentes. Na sua gula de evidência, conseguiu a organização não de um, mas de dois eventos seguidos: o Mundial de futebol deste ano e os Jogos Olímpicos de 2016. Podia ser também uma óptima oportunidade de fazer importantes reformas urbanas e de transportes, mas não é o que acontece. O investimento tem ido quase todo para a construção de estádios, pagos em boa parte com dinheiros públicos, ao contrário do que era assegurado no início, com custos muito para além dos iniciais, e com atrasos inacreditáveis, com o recinto da estreia a levar os últimos retoques a horas do primeiro jogo (são coisas destas que levam às derrapagens orçamentais). Quando algum brasileiro vier, como agora parece ser moda, falar no seu crescimento económico e destratar Portugal como "a favela da Europa", por exemplo, entre outros remoques mais ou menos imbecis, atirem-lhe com os inauditas situações da sua vergonhosa organização e comparem com o que aconteceu no Euro-2004 - construímos estádios a mais e gastamos mais do que deveríamos, mas ao menos correu tudo na perfeição, com os equipamentos prontos a meses do torneio. Além de que há estádios que se tornarão complicadíssimos elefantes brancos. E, como se viu, todas as promessas de novas redes de transportes ficaram no papel, e pelo meio, ainda foram despejadas inúmeras pessoas das suas casas. O mínimo que se poderá dizer é que o Brasil está longe de poder organizar grandes eventos de forma satisfatória, sobretudo agora, em que o seu crescimento económico arrefeceu.
Ainda assim, é incompreensível que haja pessoas a protestar contra o campeonato já depois do seu começo, querendo que não se realize. Que fizessem isso no ano passado, percebe-se. Que aproveitem para relembrar promessas não cumpridas, é normalíssimo. Mas queiram perturbar o evento no seu decurso? Quereriam que o Brasil tivesse feito todo o investimento para nada? E como ficaria a credibilidade do país caso não houvesse mesmo prova? Ou são inconscientes ou traidores. Os adeptos do "quanto pior melhor" estão em toda a parte, ou não se distinguissem lá pelo meio algumas bandeiras anarcas.
Mas políticas e estádios a cheirar a tinta à parte, a verdade é que a competição em si tem valido a pena. É claro que a forma como o Brasil ganhou logo a abrir a uma valorosa Croácia sem Mandzukic levanta todas as desconfianças, mais a mais quando a FIFA está sob qualquer suspeita (a história da escolha do Qatar como sede do Mundial em 2022 aí está para o comprovar). Ainda assim, tenho as minhas dúvidas que mesmo com o factor casa e alguns empurrões amistosos, o Brasil ganhe o certame. Já teve equipas melhores, e que não ganharam (sim, estou a pensar em 1982), e falta-lhe uma dupla avançada como as dos anos noventa - Romário/Bebeto ou Ronaldo/Rivaldo. Neymar não tem maturidade nem carisma para ser a grande figura da equipa, Hulk nem sempre está para isso, Fred é bom mas não é fabuloso, o meio-campo não tem um patrão, um capitão à altura; a defesa, e a baliza, ao contrário do que é tradicional, é de alta qualidade, mas por vezes anula-se. E um Brasil mais sólido cá atrás do que na dianteira nunca conseguiu grandes proezas.
Mas políticas e estádios a cheirar a tinta à parte, a verdade é que a competição em si tem valido a pena. É claro que a forma como o Brasil ganhou logo a abrir a uma valorosa Croácia sem Mandzukic levanta todas as desconfianças, mais a mais quando a FIFA está sob qualquer suspeita (a história da escolha do Qatar como sede do Mundial em 2022 aí está para o comprovar). Ainda assim, tenho as minhas dúvidas que mesmo com o factor casa e alguns empurrões amistosos, o Brasil ganhe o certame. Já teve equipas melhores, e que não ganharam (sim, estou a pensar em 1982), e falta-lhe uma dupla avançada como as dos anos noventa - Romário/Bebeto ou Ronaldo/Rivaldo. Neymar não tem maturidade nem carisma para ser a grande figura da equipa, Hulk nem sempre está para isso, Fred é bom mas não é fabuloso, o meio-campo não tem um patrão, um capitão à altura; a defesa, e a baliza, ao contrário do que é tradicional, é de alta qualidade, mas por vezes anula-se. E um Brasil mais sólido cá atrás do que na dianteira nunca conseguiu grandes proezas.
Depois, o já famoso Espanha-Holanda, que acabou com a demolição do tiki-taka pela laranja mecânica, às mãos de uns fabulosos Robben e Van Persie. Esta Holanda bipolar (tanto faz grandes proezas numa competição como cai com estrondo na seguinte) promete, à Espanha já prenunciam o fim de um ciclo, mas convém ir com calma: afinal de contas, os espanhóis já começaram a perder noutras provas que acabaram por ganhar. Se bem que levar cinco não seja assim muito habitual, e aí recordamo-nos que a França e a Itália foram corridas da fase de grupos no Mundial em que entravam como detentoras do título.
De resto, pude ver uma Itália competente e experiente, embora não deslumbrante, uma Inglaterra voluntariosa e honesta, mas ainda verde, um Uruguai aflitivamente apático e algo envelhecido (nem o fantasma de 1950, tão recordado, lhes serve de alguma coisa), uma Colômbia que promete cumprir o que ficou pelo caminho há vinte anos e mais um punhado de selecções que prometem. Há pouco acabou o Argentina-Bósnia, no magnífico cenário do Maracanã, ideal para uma equipa estreante como os balcânicos. Os albicelestes ganharam bem, Messi marcou um bom golo, mas não deslumbraram (pudera, Enzo Pérez não jogou) e não posso considera-los como candidatos à vitória na prova. Já os bósnios mostraram atrevimento e raça, próprios de um país recente, têm a obrigação de mostrar o que valem ao Mundo, a união fortalecida pela provação da guerra e contra Irão e Nigéria têm todas as possibilidades de passar.
Amanhã entra Portugal em cena, na sua antiga capital colonial de Salvador da Bahia, contra os alemães, mas disso prefiro falar depois.
Entretanto, o cenário mais bizarro da prova fica até ver entregue ao jogo entre a Itália e a Inglaterra: em Manaus, no coração da Amazónia, ouviu-se o God Save the Queen a poucos quilómetros de piranhas e caimões, e tipos vestidos com cotas de malha e a cruz de S. Jorge a tirar fotos com índias. Desta nem Fitzcarraldo não se lembrou.
quinta-feira, junho 12, 2014
Passos para a paz
A oração conjunta entre Shimon Perez, Mamouhd Abbas e o Papa, que promoveu o encontro no Vaticano, não irá certamente trazer por si só a paz entre israelitas e palestinianos, nem acabar com todos os fanatismos da região. Mas é um exemplo de que líderes de povos desavindos se podem sentar lado a lado, orar em conjunto e até plantar as mesmas árvores - no caso, uma oliveira, símbolo da paz e da cultura mediterrânica que é comum nos participantes. A paz não se constrói de uma assentada, com decretos de aplicação imediata ou sob um punho de ferro, mas através de passos firmes, de gestos e de cedências, contrariando a irredutibilidade dos fanáticos. Era isso que Sua Santidade queria demonstrar com este encontro em Roma. É isso que doravante terão de continuar a fazer, para promover dois estados, lado a lado, com bases sólidas para que não sejam minados por todos aqueles que jamais querem perceber o outro lado.
domingo, junho 08, 2014
Efemérides em sentido oposto
Estamos numa semana de importantes efemérides. Os 70 anos do desembarque da Normandia, no "Dia D", e os 25 anos do massacre de Tiannamen foram amplamente recordados. Mas a diferença entre os dois é evidente: o primeiro acontecimento reporta ao princípio da libertação da Europa e o prenúncio da pior guerra que a humanidade já vira, com o sacrifício de milhares de soldados; o segundo recorda o esmagamento da manifestação dos estudantes que exigiam mais liberdade do regime comunista chinês. A comemoração da liberdade teve comemorações solenes reunindo os chefes de estado dos países vencedores; a da confirmação da tirania maoísta/dengxiaopinguista, pelo contrário, teve vigilância reforçada para impedir qualquer recordação ou protesto, fazendo passar a ideia de que nada aconteceu. Apesar de tudo, antes isso do que o inverso: é sempre melhor recordar a derrota da tirania (menos no que tocou à URSS) do que o seu triunfo.
quarta-feira, junho 04, 2014
El Rey abdicó, viva el Rey!
Não se pode dizer que tenha sido uma total surpresa. E tão pouco que se esperava nesta altura. Mas a decisão estava tomada há meses. Don Juan Carlos I, Rei de Espanha, restaurador da monarquia e da democracia no seu país, abdicou ao fim de 38 anos de reinado. Tempo mais que suficiente para descartar o cognome que Santiago Carrillo lhe deu em 1975: "Juan, o Breve".
A explicação que Juan Carlos dá é a necessidade de que uma nova geração reine em Espanha, para suportar novos tempos e enfrentar novos desafios. Faz recordar as razões do Papa Bento XVI e de alguns monarca europeus na justificação das respectivas renúncias, por razões similares. Para além disso, é público o estado de saúde debilitado do Rei, a sua menor popularidade devido à crise que assola o país e a sua vontade, há muito conhecida, de que Felipe o substituísse para dar novo sangue à coroa, tão necessitada nesta altura em que a crise económica, a degradação do sistema partidário e a ameaça de desagregação territorial ameaçam mais do que nunca o país.
No fundo, pode-se considerar que Juan Carlos sente que cumpriu a sua missão e que se retira agora para um descanso merecido, passando o testemunho ao seu sucessor, de resto mais que preparado para assumir a sua missão. O Rei que abriu Espanha à democracia e ao mundo, que afastou a tralha franquista nomeando Adolfo Suarez presidente de um governo sob uma prova de fogo (que se encarregou da Transicion e de dar ao país uma nova constituição) e que ainda abortou o golpe militar de 1981, encabeçada pelo patético Tejero Molina, dá como terminado o seu reinado, cumprido exemplarmente para lá de todas as expectativas iniciais. O seu amigo Suárez morreu há pouco mais de dois meses. Com a abdicação do Rei que a tornou possível, 2014 parece mesmo indicar o fim da pós-Transicion.
Juan Carlos foi um monarca excepcional, um dos maiores chefes de estado do último meio século e um exemplo de tenacidade, paciência e até de bonomia. Os elogios feitos pelas principais figuras de estado espanholas, a começar pelos ex-chefes de governo, são prova disso mesmo. Um dos mais acertados, e também uma das melhores definições do regime monárquico constitucional espanhol, coube a Rodriguez Zapatero, que afirmou que "a união entre a coroa e a democracia faz parte do património colectivo de Espanha". Lógico. A monarquia parlamentar tal como existe em Espanha e noutra nações europeias é a melhor coabitação entre a traição e a modernidade. E faz ainda mais sentido numa sociedade tão dividida em duas como a Espanha, ou as "duas Espanhas". Uma não pode prescindir da outra, como o tentaram fazer Franco, por um lado, e os republicanos, por outro. Terão sempre ideias antagónicas, mas estão condenadas a conviver. A constituição de 1977 serviu exactamente para estabelecer, além da reconciliação, essa convivência, com cedências de parte a parte. Juan Carlos cumpriu essa dificílima missão da melhor maneira. Felipe VI cumprirá decerto a sua com igual sucesso.
El Rey abdicó, viva el Rey!
El Rey abdicó, viva el Rey!
PS: mais tarde falarei dos que pedem um referendo "para decidir a forma de estado" (usando a rua, claro está).
segunda-feira, junho 02, 2014
360 graus
Eleições também as houve no Egipto. Com uma abstenção gigantesca, e a Irmandade Muçulmana e os liberais afastados da contenda, o General Sissi "legitimou-se" no cargo e ganhou com uma votação quase total. O novo homem forte do país entre margens do Nilo tem agora carta branca para governar segundo o velho método militar. "Primaveras Árabes", afastamento das forças armadas, julgamento de Mubarak, vitória eleitoral - legislativa e presidencial - da Irmandade Muçulmana, tudo isso passou em três anos: os militares regem o país, os islamitas estão presos e até ameaçados de morte, os liberais estão silenciados. A célebre gaffe de que a situação deu uma volta de "360 graus" torna-se real no Egipto: o país deu mesmo uma volta de 360 graus, de volta a 2010. Desta vez, com um Sissi no topo. Os fãs de Romy Schneider e os descendentes dos Habsburgo devem estar felicíssimos.
domingo, junho 01, 2014
Não bastam eleiçõs para normalizar a Ucrânia
Com os combates a leste como fundo, a Ucrânia lá conseguiu realizar as suas eleições presidenciais. Como todas as sondagens previam, Petro Poroshenko, conhecido como o "rei do chocolate", já com importante experiência política, e apoiado pelo UDAR de Vitali Klitschko (por sua vez eleito presidente da câmara de Kiev) venceu por larga margem, tornando-se presidente da Ucrânia logo na primeira volta. A sua prioridade é acabar com as revoltas separatistas no leste do país e, se possível, recuperar a Crimeia. Se a segunda parece uma tarefa quase impossível, pelo empenho da Rússia na sua anexação, e pela maioria local que a suporta, a primeira é menos complicada. O plebiscito que tornou Donetsk e Luhansk em "repúblicas populares", organizado pelas milícias locais, não tem o apoio explícito da Rússia, que toma posições ambíguas. Na última semana houve confrontos violentos na região, que vive em autêntico estado de guerra: ocupação do aeroporto de Donetsk por parte dos separatistas (que sofreram inúmeras baixas na recuperação por parte das tropas ucranianas), abate de helicópteros da força área ucraniana, combates vários nas cidades, destruição de barricadas, etc. Poroshenko ainda não tomou posse, mas a luta pela expulsão dos separatistas já começou. Estes, por sua vez, com material de guerra pesado, reforços de voluntários vindos da Rússia, da Crimeia, e mesmo por inúmeros veteranos paramilitares tchetchenos (que outrora combateram a Rússia e que agora se lhes submeteram) e ossetas, mais chetnicks da Sérvia, gratos pelo apoio dado pelos russos nas guerras da ex-Jugoslávia, não se deixarão vencer com facilidade, até porque sentem as costas amparadas pela Rússia e para além da força bélica têm alguns trunfos na manga, como escudos humanos.
Entretanto, surgem dados curiosos que desmontam a pouco e pouco a propaganda massiva de que o poder de Kiev estaria tomado por neonazis e fascistas: os candidatos dos formações mais extremistas, como o Svoboda e o Pravy Sektor, tiveram em conjunto menos de 2%. E aparentemente, é a extrema-direita da Europa ocidental quem está com Vladimir Putin. Além da Frente Nationale de Mme LePen, os neofascistas e antissemitas Jobbik, da Hungria, e Aurora Dourada, da Grécia, também estão com o líder russo. Juntando-se assim aos nostálgicos comunistas, como o "nosso" PCP, ou o MRPP, que num dos seus sites firmava perentoriamente que "todos os operários europeus estavam com as autoproclamadas "repúblicas populares". Será temerário falar em nome de todos os operários, mas talvez os militantes do MRPP tenham alguma razão: afinal de contas, o operariado francês vota maioritariamente na Frente Nacional.
Toda esta crise ucraniana está para durar (e se não arrastar a Europa é um sorte), mas é comovente ver que, mais uma vez, les beaux esprits se reoncontrent...
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