quarta-feira, junho 04, 2014

El Rey abdicó, viva el Rey!


Não se pode dizer que tenha sido uma total surpresa. E tão pouco que se esperava nesta altura. Mas a decisão estava tomada há meses. Don Juan Carlos I, Rei de Espanha, restaurador da monarquia e da democracia no seu país, abdicou ao fim de 38 anos de reinado. Tempo mais que suficiente para descartar o cognome que Santiago Carrillo lhe deu em 1975: "Juan, o Breve".

A explicação que Juan Carlos dá é a necessidade de que uma nova geração reine em Espanha, para suportar novos tempos e enfrentar novos desafios. Faz recordar as razões do Papa Bento XVI e de alguns monarca europeus na justificação das respectivas renúncias, por razões similares. Para além disso, é público o estado de saúde debilitado do Rei, a sua menor popularidade devido à crise que assola o país e a sua vontade, há muito conhecida, de que Felipe o substituísse para dar novo sangue à coroa, tão necessitada nesta altura em que a crise económica, a degradação do sistema partidário e a ameaça de desagregação territorial ameaçam mais do que nunca o país.

No fundo, pode-se considerar que Juan Carlos sente que cumpriu a sua missão e que se retira agora para um descanso merecido, passando o testemunho ao seu sucessor, de resto mais que preparado para assumir a sua missão. O Rei que abriu Espanha à democracia e ao mundo, que afastou a tralha franquista nomeando Adolfo Suarez presidente de um governo sob uma prova de fogo  (que se encarregou da Transicion e de dar ao país uma nova constituição) e que ainda abortou o golpe militar de 1981, encabeçada pelo patético Tejero Molina, dá como terminado o seu reinado, cumprido exemplarmente para lá de todas as expectativas iniciais. O seu amigo Suárez morreu há pouco mais de dois meses. Com a abdicação do Rei que a tornou possível, 2014 parece mesmo indicar o fim da pós-Transicion.

Juan Carlos foi um monarca excepcional, um dos maiores chefes de estado do último meio século e um exemplo de tenacidade, paciência e até de bonomia. Os elogios feitos pelas principais figuras de estado espanholas, a começar pelos ex-chefes de governo, são prova disso mesmo. Um dos mais acertados, e também uma das melhores definições do regime monárquico constitucional espanhol, coube a Rodriguez Zapatero, que afirmou que "a união entre a coroa e a democracia faz parte do património colectivo de Espanha". Lógico. A monarquia parlamentar tal como existe em Espanha e noutra nações europeias é a melhor coabitação entre a traição e a modernidade. E faz ainda mais sentido numa sociedade tão dividida em duas como a Espanha, ou as "duas Espanhas". Uma não pode prescindir da outra, como o tentaram fazer Franco, por um lado, e os republicanos, por outro. Terão sempre ideias antagónicas, mas estão condenadas a conviver. A constituição de 1977 serviu exactamente para estabelecer, além da reconciliação, essa convivência, com cedências de parte a parte. Juan Carlos cumpriu essa dificílima missão da melhor maneira. Felipe VI cumprirá decerto a sua com igual sucesso.

El Rey abdicó, viva el Rey!


PS: mais tarde falarei dos que pedem um referendo "para decidir a forma de estado" (usando a rua, claro está).

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