segunda-feira, junho 16, 2014

Impressões do Mundial do Brasil


Vamos então ao assunto do momento, o Mundial de futebol. Tentei escapar à revoada de notícias inúteis sobre as ninharias da Selecção, e a ementa da Selecção, e quem passa a roupa, o que fazem os jogadores nos tempos livres, etc, etc. E também não tenho paciência para os constantes anúncios televisivos. Mas agora que a competição começou, é impossível uma pessoa manter-se indiferente. Até porque o que interessa, os jogos, têm sido aliciantes.

Claro que não se pode deixar de parte toda a polémica e protestos que tem havido contra a competição. O Brasil na sua ascensão económica e como membro dos BRICs, tinha de organizar um grande evento mundial que é o que fazem as potências emergentes. Na sua gula de evidência, conseguiu a organização não de um, mas de dois eventos seguidos: o Mundial de futebol deste ano e os Jogos Olímpicos de 2016. Podia ser também uma óptima oportunidade de fazer importantes reformas urbanas e de transportes, mas não é o que acontece. O investimento tem ido quase todo para a construção de estádios, pagos em boa parte com dinheiros públicos, ao contrário do que era assegurado no início, com custos muito para além dos iniciais, e com atrasos inacreditáveis, com o recinto da estreia a levar os últimos retoques a horas do primeiro jogo (são coisas destas que levam às derrapagens orçamentais). Quando algum brasileiro vier, como agora parece ser moda, falar no seu crescimento económico e destratar Portugal como "a favela da Europa", por exemplo, entre outros remoques mais ou menos imbecis, atirem-lhe com os inauditas situações da sua vergonhosa organização e comparem com o que aconteceu no Euro-2004 - construímos estádios a mais e gastamos mais do que deveríamos, mas ao menos correu tudo na perfeição, com os equipamentos prontos a meses do torneio. Além de que há estádios que se tornarão complicadíssimos elefantes brancos. E, como se viu, todas as promessas de novas redes de transportes ficaram no papel, e pelo meio, ainda foram despejadas inúmeras pessoas das suas casas. O mínimo que se poderá dizer é que o Brasil está longe de poder organizar grandes eventos de forma satisfatória, sobretudo agora, em que o seu crescimento económico arrefeceu.

Ainda assim, é incompreensível que haja pessoas a protestar contra o campeonato já depois do seu começo, querendo que não se realize. Que fizessem isso no ano passado, percebe-se. Que aproveitem para relembrar promessas não cumpridas, é normalíssimo. Mas queiram perturbar o evento no seu decurso? Quereriam que o Brasil tivesse feito todo o investimento para nada? E como ficaria a credibilidade do país caso não houvesse mesmo prova? Ou são inconscientes ou traidores. Os adeptos do "quanto pior melhor" estão em toda a parte, ou não se distinguissem lá pelo meio algumas bandeiras anarcas.
Mas políticas e estádios a cheirar a tinta à parte, a verdade é que a competição em si tem valido a pena. É claro que a forma como o Brasil ganhou logo a abrir a uma valorosa Croácia sem Mandzukic levanta todas as desconfianças, mais a mais quando a FIFA está sob qualquer suspeita (a história da escolha do Qatar como sede do Mundial em 2022 aí está para o comprovar). Ainda assim, tenho as minhas dúvidas que mesmo com o factor casa e alguns empurrões amistosos, o Brasil ganhe o certame. Já teve equipas melhores, e que não ganharam (sim, estou a pensar em 1982), e falta-lhe uma dupla avançada como as dos anos noventa - Romário/Bebeto ou Ronaldo/Rivaldo. Neymar não tem maturidade nem carisma para ser a grande figura da equipa, Hulk nem sempre está para isso, Fred é bom mas não é fabuloso, o meio-campo não tem um patrão, um capitão à altura; a defesa, e a baliza, ao contrário do que é tradicional, é de alta qualidade, mas por vezes anula-se. E um Brasil mais sólido cá atrás do que na dianteira nunca conseguiu grandes proezas.

Depois, o já famoso Espanha-Holanda, que acabou com a demolição do tiki-taka pela laranja mecânica, às mãos de uns fabulosos Robben e Van Persie. Esta Holanda bipolar (tanto faz grandes proezas numa competição como cai com estrondo na seguinte) promete, à Espanha já prenunciam o fim de um ciclo, mas convém ir com calma: afinal de contas, os espanhóis já começaram a perder noutras provas que acabaram por ganhar. Se bem que levar cinco não seja assim muito habitual, e aí recordamo-nos que a França e a Itália foram corridas da fase de grupos no Mundial em que entravam como detentoras do título.

De resto, pude ver uma Itália competente e experiente, embora não deslumbrante, uma Inglaterra voluntariosa e honesta, mas ainda verde, um Uruguai aflitivamente apático e algo envelhecido (nem o fantasma de 1950, tão recordado, lhes serve de alguma coisa), uma Colômbia que promete cumprir o que ficou pelo caminho há vinte anos e mais um punhado de selecções que prometem. Há pouco acabou o Argentina-Bósnia, no magnífico cenário do Maracanã, ideal para uma equipa estreante como os balcânicos. Os albicelestes ganharam bem, Messi marcou um bom golo, mas não deslumbraram (pudera, Enzo Pérez não jogou) e não posso considera-los como candidatos à vitória na prova. Já os bósnios mostraram atrevimento e raça, próprios de um país recente, têm a obrigação de mostrar o que valem ao Mundo, a união fortalecida pela provação da guerra e contra Irão e Nigéria têm todas as possibilidades de passar.

Amanhã entra Portugal em cena, na sua antiga capital colonial de Salvador da Bahia, contra os alemães, mas disso prefiro falar depois.

Entretanto, o cenário mais bizarro da prova fica até ver entregue ao jogo entre a Itália e a Inglaterra: em Manaus, no coração da Amazónia, ouviu-se o God Save the Queen a poucos quilómetros de piranhas e caimões, e tipos vestidos com cotas de malha e a cruz de S. Jorge a tirar fotos com índias. Desta nem Fitzcarraldo não se lembrou.

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