segunda-feira, setembro 14, 2020

Já não se fazem campeões como (nas pandemias de) antigamente

Estava há dias a ver imagens do jogo do campeonato francês entre o PSG e o Marselha, treinado por André Villas-Boas, que acabou com a vitória deste último em pleno parque dos príncipes, e que acabou com uma animada sessão de pancadaria. Mesmo com o regresso de Neymar, Di Maria e de outros que ficaram uns dias fora por terem acusado positivo para o covid (impressionante como esses jogadores recuperaram depressa), mostraram muito pouco e o craque brasileiro ainda levou um cartão vermelho, pelo que mais valia que não tivesse jogado. Como seria de esperar, os marselheses comemoraram à chegada dos seus jogadores, o que não espanta visto o ódio meridional local a tudo o que é parisiense, tanto que até há quem envergue camisolas com o símbolo do Olympique e, no lugar do nome, um lacónico "anti-PSG".

Já é a segunda derrota do Paris Saint-Germain, apenas três semanas após jogar a final da Liga dos Campeões, depois de ter perdido na semana passada em Lens, com uma equipa desfalcada dos melhores jogadores devido à covid (ontem já não tiveram essa desculpa). Mas reparei numa grandessíssima coincidência. É que tinha lido há tempos uma memória que me apareceu do clube dominador do futebol gaulês nos anos 50, o mítico Stade Reims, que em 1957, em plena pandemia da gripe asiática (já aqui estabeleci paralelos entre essa epidemia e a actual), se apresentou precisamente em Lens com a equipa "dizimada" por causa da gripe, tendo de jogar com vários amadores. Ainda assim conseguiu ganhar num terreno adverso, o mesmo em que o PSG, só com profissionais bem pagos, falhou. Ou seja, aqui podemos suspirar pelos "outros tempos": é que já não há campeões franceses com estofo como antigamente.




sábado, setembro 12, 2020

Brechas súbitas em previsões a longo prazo


Só há umas semanas é que vi finalmente AI - Artificial Inteligence, de Spielberg. O filme data do Verão de 2001 e mostra como uma criança-robot pode adquirir emoções e capacidade de amar e sentir afeição pelos outros. É tocante e ao mesmo tempo perturbador, como é sempre que se toca nesta temática.

Mas o filme seria supostamente uma tentativa de antecipar o futuro. A certa altura, e para obter respostas, a criança artificial (Haley Joel Osment, o miúdo-actor daquele tempo) desloca-se pelo ar na companhia de Gigolo Joe (Jude Law no papel de um robot com função correspondente ao nome) até uma cidade abandonada e isolada por causa da subida dos oceanos, nos confins do mundo habitável, que não é outra senão Nova York. Um dos vestígios que restam por sobre as águas são as torres gêmeas do World Trade Center. As mesmas que, ironia cruel, ruiriam em pó e chamas semanas depois do lançamento do filme, passaram hoje 19 anos.
Convenhamos que para um filme supostamente premonitório esse desaparecimento tão precoce do futuro imaginado retira alguma credibilidade, embora mais por má fortuna do que por incapacidade de previsão. Mas tornou reais outros dos medos já tinham sido sublinhados noutros filmes-catástrofe. Veremos é se essa antevisão da inteligência artificial também não resistirá ou se pelo contrário contém algo de premonitório.

sexta-feira, setembro 11, 2020

Vicente Jorge Silva

Fiquei surpreso com o desaparecimento de Vicente Jorge Silva. Costumava ler os artigos dele e já me tinha dado conta de que ultimamente rareavam. Provavelmente um dos jornalistas portugueses mais importantes do último meio século - esteve nos dois jornais que mais leio, o Expresso e o Público, que fundou - influenciou-me também por outra razão.

Quando tinha aí 16 anos estive nas manifs contra as globais, uma decisão da então ministra da Educação Manuela Ferreira Leite. Foram milhares e milhares de alunos do liceu a desfilar pelo Porto, qual cortejo da queima das fitas liceal. Recordo-me de ir na parte da frente do ajuntamento, de chegar à igreja de Santo Ildefonso e de ver lá em baixo multidões a descer a rua dos Clérigos. Pelo meio apareceram uns cartazes contra a ministra particularmente obscenos, demasiados maus até para uma porta de quarto de banho público. Esses cartazes surgiram na capa do Público do dia seguinte, o que levou o então director, Vicente Jorge Silva, a escrever em editorial a célebre frase "estaremos perante uma geração rasca?". Por ter estado nesses acontecimentos e fazer parte dessa geração é que me senti directamente visado, e durante bastante tempo, pode dizer-se, não ia com a cara do jornalista, até que me passou. As acções foram rascas, é verdade, mas a geração, quero crer, não. A expressão ainda hoje é utilizada.
Vicente Jorge Silva era um apaixonado pelo cinema e concretizou o sonho de realizar uma longa metragem, Porto Santo. O filme não teve grande sucesso (o próprio Público o afirma hoje, a saudosa Grande Reportagem também achou isso na altura), mas à guisa de homenagem fica aqui o único excerto que encontrei da fita, que alguma televisã bem podia passar um dia destes:



sábado, setembro 05, 2020

O novo (e surpreendente) discípulo da China

 Lê-se e não se acredita, nesta altura do campeonato pandémico. O estado de Victoria, na Austrália, vai prolongar o estado de emergência por seis meses. Não é semanas, é meses, e só porque o parlamento chumbou a vontade do executivo que era de MAIS um ano. Isso depois de vermos cenas de cidadãos a serem selvaticamente presos pela polícia por terem tido de sair de casa por algum motivo, ou de, há poucos dias, uma mulher grávida ser detida na sua própria casa por escrever comentários contra o lockdown vigente.

Na Austrália tanto criticaram a China no início e agora têm uma política ainda mais restritiva. A diferença é que na China vigora um regime totalitário, e na Oceania um (suposto) regime democrático, o que torna as coisas ainda mais graves. Já é suficientemente mau que o bloqueio continue por meio ano (e se antes disso não houver mais casos? Prolongá-lo-ão?). A retaliação contra quem se lhe opõe é digna de qualquer regime autoritário. Ao mesmo tempo, sabe-se agora que o país vai enfrentar a sua maior recessão dos últimos sessenta anos, com uma queda brutal do PIB. Ainda assim, a segunda região mais populosa, com algumas dezenas de casos de covid pelo meio, pretende andar mais meio ano em estado de emergência. A China está mesmo a ganhar a parada e não é na economia: é no modelo político.


A mão americana na desestabilização das relações China-Austrália |  AbrilAbril

quarta-feira, setembro 02, 2020

Lugares verdadeiramente históricos

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Os lugares e monumentos, testemunhas do passado e da História, moldaram o povo que somos hoje.


Falo, como já certamente repararam, daquele casarão amarelo torrado à esquerda. Ali começou Jorge Mendes a sua carreira de agente futebolístico, quando, ao explorar a discoteca Alfândega, conheceu o jovem guarda-redes Nuno Espírito Santo, que, entre investidas nos bares da Rua Direita e farto dos humores de Pimenta Machado, queria mudar de ares. Mendes tratou de tudo, levou-o num processo turbulento de Guimarães para o Deportivo da Corunha e mais tarde para o Porto, e ainda hoje Nuno, agora treinador do Wolverhampton, é representado por ele. Não fosse esse encontro e as carreiras de Cristiano Ronaldo, Mourinho, Di Maria, James Rodriguez e tantos outros seriam provavelmente diferentes.

Já agora, na casa em ruínas à esquerda, em baixo, nasceu o "Presidente-Rei" Sidónio Paes, uma das figuras mais marcantes da 1ª república. Deixou como legado à terra que o viu nascer um bolo de amêndoa e ovos que é altamente aconselhável.

Não interessa nada, mas a meio, entre a Rua Direita, a torre do relógio e a muralha em frente ao rio vemos a matriz de Caminha, do séc. XV, um dos mais belos edifícios religiosos em Portugal, com o seu exterior gótico e, dentro, um tecto de madeira em estilo mudéjar, com inúmeros motivos marinhos.