sábado, março 31, 2012

Dois andares

Finalmente! Consta que há um ano que eles andam por aí, mas só nos últimos dias é que finalmente pude ver os autocarros de dois andares de nova geração que agora circulam pelo Porto. Parece-me que fazem percursos mais periféricos (para reduzirem o número de veículos e não agravarem o trânsito para essas periferias?), ao contrário do que acontecia antigamente. Têm um ar elegante, mas meramente funcional, muito germanizado, o que não admira, já que são da marca alemã MAN.
Claro que são muito diferentes dos velhos autocarros duplos que circularam na cidade até primórdios dos anos noventa. Esses venerandos meios de transporte, construídos pela British Leyland e iguais aos seus irmãos londrinos, marcaram gerações que neles se deslocaram por toda a cidade. A carreira, agora suprimida, que mais os popularizou terá sido certamente a do 78, que atravessava a cidade desde o Castelo do Queijo até ao Hospital de S. João. Era fantástico, talvez devido à idade, subir a Avenida da Boavista e percorrer as perpendiculares lá em cima, no andar superior, com uma grande vista panorâmica, nesses autocarros vermelhos, laranjas ou até, em versões mais antigas, verde-escuros, normalmente com publicidade associada. Prática comum era a dos "gunas", ou miúdos de bairro, subirem para a parte de trás do veículo, uma saliência no vidro traseiro, e deixarem-se ir.
Os novos autocarros, com o seu pragmatismo disciplinar alemão, não têm espaço para gunas nem grande paleta de cores. Não sei como são por dentro nem qual o ângulo de vista superior. Mas servem pelo menos para suprir uma memória viva dos transportes da cidade do Porto. Falta-lhes alguma publicidade, para abater no passivo dos STCP, e novas cores, para cumprirem ainda melhor essa função complementar ao transporte de passageiros.

quarta-feira, março 28, 2012

Verdade e consequência


A busca da verdade é das mais antigas aspirações do Homem, seja através da religião, da ciência das letras, da música e das artes, entre outras. Hoje em dia, a maioria fá-lo-à preferencialmente pela tecnologia, apesar dos seus duvidosos limites. Por isso, quaisquer razões que nos levem na sua busca, ou a pensar em como a avistar, serão sempre proveitosas.
No último fim de semana ouvi vários caminhos para a encontrar. É verdade que o evento que motivou esta busca partiu de uma entidade inspiração religiosa, o que nem por isso retira significado, já que para os cristãos a Verdade é dada pela Revelação de Cristo, mesmo que nem sempre seja muito compreensível à mente humana. Mas também ouvi outras vias: a música e as suas inúmeras interpretações (e outras tantas verdades respectivas), a busca jornalística no apuramento dos factos, a verdade revelada pela caridade e conhecimento dos outros, mesmo quando pareçam insignificantes. Ou ainda descoberta a contrario, quando nos deparamos com o relativismo, o fanatismo e uma busca maquiavélica do poder e sua manutenção, o que será sempre uma distorção da Verdade. E as suas faces, a Aletheia dos gregos, ou o desvelar, a Veritas latina, ou a verdade dos factos, concreta, e a Emunah, a verdade pragmática que estabelece a confiança. Por fim, as suas consequências, como o Amor e a Esperança. Nem sempre fáceis de atingir, porque se alguma coisa aprendi foi que a verdade tem várias dimensões, e quando julgamos lá chegar, temos que continuar a busca, como numa escalada a uma montanha; e quando lá chegamos, nem sempre a reconhecemos, ou queremos reconhecê-la.
Para além de tudo, uma excelente oportunidade de ouvir testemunhos que deveriam forçar os que o ouviram a olhar para as suas próprias misérias comodistas, de conhecer personalidades marcantes (e algo desconcertantes nas suas várias facetas) e de reencontrar outras que inspiraram nos primórdios da blogoesfera.

segunda-feira, março 26, 2012

A Champions vai à Luz


O Benfica tem vivido nas últimas semanas uma autêntica montanha-russa no que diz respeito ao jogo jogado. Perda de muitos pontos e a liderança segura no campeonato, passagem aos quartos de final da Liga dos Campeões e à final da Taça da Liga foram as consequências dessa falta de estabilidade competitiva, culminada com um triste e soporífero empate em Olhão. Mas no meio disto tudo, chegou uma notícia honrosa: o Estádio da Luz vai ser o palco da final da Liga dos Campeões em 2014, um evento só reservado aos melhores. Não é a primeira vez que acolhe finais internacionais. Em 1983, quando a final Taça UEFA se jogava a duas mãos, o Benfica empatou com o Anderlecht, perdendo a oportunidade de ganhar o troféu. Em 1992 o Werder Bremen ganhou a Taça das Taças ao Mónaco, no cenário da Catedral. Em 2004, aquela triste final do Campeonato Europeu de Futebol, organizado por nós e que tinha corrido exemplarmente até aí, a essa tarde em que Charisteas silenciou um país (curiosamente a Grécia era treinada por Otto Rehhagel, que também ganhara ali com o Bremen em 1992). Mas antes de tudo isso houve outra final de campeões europeus em solo nacional: em 1967, o Celtic de Glasgow surpreendia e derrotava o Inter de Milão no Estádio Nacional. Os escoceses, que ficaram conhecidos como Lisbon Lions, tiveram a honra de ser a primeira equipa britânica a alcançar o ceptro de campeões europeus de clubes, quando até aí só clubes latinos o tinham conseguido.

Agora, a final da prova mais importante de clubes volta a Portugal. Daqui a dois anos e pouco, centenas ou milhares de milhões de espectadores em todo o Mundo estarão com os olhos virados para a Luz. Uma honra que o grandioso estádio do Benfica, herdeiro directo da Velha Luz, já merecia.

quarta-feira, março 21, 2012

Tesouros inesperados 3

Em (A invenção de) Hugo (Cabret), o último filme de Scorcese, ainda em exibição, também há a busca de tesouros, na forma de uma herança desconhecida que é das poucas coisa que o pai do protagonista, um rapazinho que vive no relógio da Gare Montparnasse, lhe legou. Mas mais do que uma herança, acaba por ser um tesouro perdido, que leva à descoberta de traços de mais uns quantos "tesouros" esquecidos por todos, menos pelo homem que os criou. Sempre pensei que George Meliés tivesse sido sempre um homem reconhecido pelo seu trabalho, mas a verdade é que Hugo, dentro do seu registo algo fantástico, conta a história (verdadeira, no que interessa) da queda e redenção do pioneiro do cinema, que chegou a tornar-se um simples comerciante de brinquedos antes do seu trabalho ser redescoberto e reapreciado, acabando mesmo por lhe valer a Legion d´Honneur.

Os tesouros descobertos são os traços da obra de Meliés (interpretado por um Ben Kingsley igual a Medina Carreira), os seus fabulosos desenhos escondidos e a sua obra cinematográfica redescoberta. Contam-se por dezenas os seus filmes, sobretudo fantásticos ou de terror, e os primeiros efeitos especiais. Mas o mais conhecido, e que dá o ponto de partida para a descoberta do tesouro cinematográfico de Meliés, é mesmo Voyage dans la Lune, esse ícone do primitivo cinema de aventuras e ficção científica que se tornou um ex-líbris do realizador francês. A sua utilização em alguns videoclips prolongou a sua popularidade ao longo das décadas. E ao ver as suas imagens, é impossível deixar de pensar na homenagem que os Smashing Pumpkins e os Queen lhe fizeram.





A propósito dos Queen, outro ponto de ligação: Sacha Baron Cohen, que interpreta o papel do desastrado guarda da estação de Montparnasse, fará de Freddy Mercury num biopic, ao que parece ainda este ano. Seja o que for, deve ser surpreendente.

segunda-feira, março 12, 2012

É preciso que uma ou duas coisas mudem...


...para que tudo fique na mesma (cortesia de Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

(Ainda existirá o heliporto no topo?)
 
Athletic renascido

Na Taça UEFA, agora oficialmente Liga Europa (ou euroliga para os amigos), observaram-se alguns resultados interessantes, como a surpreendente vitória do Sporting sobre o novo-rico Manchester City. Mas o jogo mais fantástico, pelo futebol jogado e pelo resultado, terá sido o em casa do vizinho do City: o Manchester United-Athletic de Bilbao. Em Old Trafford, os bascos estiveram a perder e reagiram com três golos, acabando por vencer a partida por 3-2. Com o treinador argentino Marcelo Bielsa, o Athletic parece estar de novo em forma, com uma nova geração de jogadores, sempre bascos (embora alguns de segunda geração, com origens raciais diferentes), comandados pelo gigante Llorente. Pode ainda conseguir um lugar na Liga dos Campeões do próximo ano e vai à final da Copa do Rei (troféu de que chegou a ser o maior detentor, com 23 títulos) para enfrentar o favorito Barcelona. O jogo da segunda mão com a equipa de Alex Ferguson, na "catedral" de San Mamés, promete ser um embate memorável.


sábado, março 10, 2012

Degelo

Depois da derrota em Guimarães, do nulo em Coimbra (este injusto e condicionado) e de mais uma habitual proençada no jogo contra o Porto que pode muito bem ter sido decisivo para o título, o Benfica lá se redimiu e eliminou o Zenit de S. Petersburgo, acabando com a malapata de resultados que tinha começado precisamente sob o frio da cidade dos czares. Os russos, praticando um puro cattenacio, não tinham plano b, e depois de sofrerem o golo de Maxi não souberam minimamente reagir. Na segunda parte nem esboçaram um gesto de ataque, enquanto o Benfica ia desperdiçando ocasiões de golo, até que a fechar a esperança Nelson Oliveira pôs fim ao pouco nervosismo que ainda subsistia. Não houve Medvedev, Bruno Alves ou Gazprom que valessem aos russos. A alegria voltou à Luz, recuperou-se prestígio europeu e ganharam-se mais uns milhões de euros. Para os quartos, Jesus queria uma equipa inglesa, mas como é improvável ficaria contente com o vencedor da contenda Inter-Marselha (o Apoel traz menos emoção e com o Basel já jogámos esta época). Com sorte, chegamos às meias e depois seja o que Deus quiser (desde que se caia de pé).

Medvedev, o presidente cessante da Rússia vendo abismado a sua equipa a levar um banho de bola na Luz. Como se não bastassem os protestos públicos e a saída do cargo...

quarta-feira, março 07, 2012

Les Aventures de Tintin d´après Spielberg





Falei há dias dos filmes do ano passado. Um dos mais aguardados era a adaptação de Tintin ao grande ecrã por Steven Spielberg, e que teve uma nomeação discreta nos últimos Óscares, se excluirmos a rábula de Billy Crystal, disfarçado de Tintin numa cena da sua costumeira apresentação dos filmes.


Já vão uns tempos desde que o vi, mas voltei a recordá-lo a propósito dos filmes do ano passado. O grande projecto de Spielberg de levar ao grande ecrã uma adaptação do herói belga que se visse era um enorme desafio. A ideia já existia há mais de trinta anos, desde que o realizador americano conheceu Hergé, mas com a morte do desenhador belga o projecto ficou na gaveta durante décadas. Até que, depois de árduo trabalho e muito marketing, saltou para as telas.


Convenhamos que não é fácil adaptar BD ao cinema (a maioria das experiências é deplorável), quanto mais uma personagem com a carga mítica de Tintin, tão europeu, por americanos. Entendeu pegar-se em dois álbuns que se completam, O Segredo do Licorne e O Tesouro de Rachkam, o Vermelho (provavelmente os que conseguem aliar menor carga ideológica a maior dose de aventura), e acrescentar O Caranguejo das Tenazes de Ouro. Talvez fosse a abordagem mais correcta, por muito que gostasse de ver O Ceptro de Ottokar adaptado. Misturou-se tudo, criaram-se cenas novas, alterou-se o carácter de algumas personagens e filmou-se em motion-capture, com os actores a gesticular e a falar antes de serem revestidos pela imagem das personagens.

O resultado é satisfatório, confesso. As imagens da primeira parte no filme recriam uma Bruxelas fiel à época pós-Segunda Guerra (e aos álbuns), visível nos pequenos mercados de rua, na arquitectura e nos automóveis. Há ritmo, humor e aventura q.b. Os efeitos especiais são eficazes e a técnica encontrada para não pôr em cena personagens em carne e osso que eventualmente desvirtuassem os originais.


Mas à parte isto, devo dizer que vi mais o dedo de Spielberg que de Hergé. Até assisti a uma sessão dobrada em português e sem recurso a 3-D, para evitar uma visão mais "americanizada". Mas Spielberg, apesar de todos os esforços em contrário (ou não), estava quase sempre lá. Não sei se será propositado ou não. Mas Hergé parece ser o mero e longínquo inspirador das aventuras do filme e das suas personagens, como se tudo o resto fosse uma adaptação livre de um qualquer romance esquecido e jamais reeditado. Estamos a falar de um mundo muito europeu, que partiu de uma inspiração católica e desconfiada do Novo Mundo, e para um americano não será tão fácil de reproduzir. Apesar dos esforços, ainda não é o Tintin dos álbuns, se é que isso é possível. É um Tintin de Spielberg, e provavelmente continuará a ser em próximas sequelas. Hergé ficou nos quadradinhos. O encontro entre a banda desenhada e o cinema é das empresas mais difíceis e constrangedoras da existência humana dos últimos cem anos. Quando alguém o consegue, merece uma coroa de louros. Spielberg esteve lá perto, mas usou uns esboços já existentes para construir uma obra sua. Talvez se aproximasse mais se tivesse utilizado a banda sonora mais fiel às aventuras do repórter belga.




Já houve outras tentativas de levar Tintin ao cinema. Esta adaptação do Caranguejo das Tenazes de Ouro, de 1947, em bonecos de trapo, é a primeira, e provavelmente a mais terna.