No meio dos epitáfios que todos os dias vemos de personalidades mais ou menos relevantes, saltaram-me à vista duas mortes de que só soube vários dias depois e que, embora noticiadas, passaram em modestas colunas dos jornais, sem grandes notas.
Um era António José de Brito, filósofo e professor da universidade do Porto, morto aos 85 anos. Era uma referência para grupúsculos de extrema-direita em Portugal, até porque seria o único fascista auto-classificado em Portugal. Considerava-se "fascista totalitário", ou um "funesto fascista", à original maneira italiana e mussoliniana, em parte monárquico (mas não tradicionalista, como já ouvi não sei onde, senão não seria da direita revolucionária), e publicou um conjunto de obras que fizeram doutrina entre a minúscula extrema-direita intelectual pensante (já que a maior parte, como sabemos, é absolutamente iletrada e bronca e passa mais tempo a com barras de ferro nas mãos do que com livros). Alguém que não tinha medo de se considerar aquilo que hoje em dia é um insulto seria no mínimo um espírito livre, por muito que o modelo político que defendia o negasse.
Do outro lado do mundo e da ideologia política, e também com uma carreira muito diferente, Vo Nguyen Gap foi um dos maiores cabos-de-guerra dos últimos cem anos. Mero professor de história, desde a juventude que fazia parte de organizações revolucionárias contra a presença francesa na Indochina. Desenvolveu como ninguém as técnicas de guerrilha, e assim combateu os japoneses na Segunda Guerra; mais tarde, comandou os vietnamitas na guerra da independência contra os franceses, que venceria em definitivo, em 1954, na batalha de Dien Bien-Phu, em que apesar de tecnologicamente estar em inferioridade, contava com voluntários em massa, e a sua táctica, que cortou o caminho a eventuais reforços. E nos anos 60 e 70, como comandante supremo das forças do Vietname do Norte e ministro da defesa, seria o mentor da guerrilha dos Vietcong, que apesar das enormes perdas humanas, venceria o muito mais poderoso exército norte-americano e o Vietname do Sul, num conflito que dispensa apresentações, tantas foram as vezes que o levaram às salas de cinema, até à unificação do Vietname sob o regime comunista que vigora até hoje, embora com óbvias diferenças na economia. Depois disso, comandou com êxito a intervenção no Cambodja, que acabou com o hediondo regime dos Khmers Vermelhos de Pol Pot, e ainda resistiu às posteriores retaliações da China. Há tempos vi um referência sua e perguntei-me que idade teria. Morreu há dias, aos 102 anos. Para além de ser um brilhante general (e várias vezes capa da revista Time), Giap, que nem formação militar de base tinha, merece ser também recordado, muito embora fosse a figura mais admirada de um regime tirânico, por ser um dos responsáveis pelo fim dos Khmers Vermelhos, dos mais genocidas que o mundo já conheceu.
Nem Brito nem Giap eram propriamente amigos da liberdade ou da exaltação do ser humano, colectivistas como eram. Ainda assim, paz às suas almas.
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