Uma hora e pouco de viagem e deu para ver numerosos incêndios, sobretudo no Marão, onde helicópteros atacavam as chamas que ocupavam toda uma ravina. Noutros pontos era mais complicado, mesmo para meios aéreos. O ar estava completamente esfumaçado, formando um nevoeiro denso e sufocante.
A partir de amanhã a chuva deve ajudar a afastar todos estes fogos malsãos e a dar tréguas às populações e bombeiros. Entretanto, nas caixas de comentários vêem-se sobretudo coisas como "era apanhar estes incendários e fazê-los pagar na mesma moeda", "enquanto não apanharem os culpados não temos paz", ou as variantes ideológicas, como "a culpa é das celuloses que plantam eucaliptos/madeireiros/gente paga pelos partidos adversários/exploração mineira, etc" (riscar o que não interessa). Não tenho dúvidas de que haverá por aí muita mão criminosa e alguns interesses pelo meio (se bem que tenha dificuldade em perceber isso do ponto de vista dos reacedimentos: como é que num terreno irrespirável e queimado, com pouco combustível, alguém tenta reacender um fogo, para mais correndo um risco tão grande?), sobretudo quando os fogos deflagram de madrugada. Mas temo que isso também sirva para desculpar a negligência grosseira de muito portuguesinho que põe-se a fazer trabalho de campo quando não pode, senão até a fazer queimadas, a atirar o cigarro para a berma da estrada, onde cresce mato seco, ou, como aconteceu na Madeira, a lançar foguetes quando tal estava proibido.
Mas seja crime, seja negligência, não pode estar aí a causa única. Os portugueses do Sul não são melhores nem piores e aí os incêndios rareiam mais. Ouvindo a entrevista a Henrique Pereira dos Santos, um dos grandes especialistas na matéria, volto a ouvir a mesma explicação: a agricultura tal como era feita até há 60, 70 anos quase desapareceu. A migração para o litoral e o estrangeiro desertificou boa parte do interior do país, que tirando uns breves anos com a recepção de "retornados" de África, perdeu imensa população. E quanto mais para a "raia" com Espanha, pior. Cingindo-me ao Norte e Centro, olhando para os censos a cada década (na Wikipedia), veja-se por exemplo Vinhais, que tinha 26 mil habitantes em 1960 e agora tem menos de 8 mil; o Sabugal tinha quase 40 mil e agora pouco passa os 10 mil; e Montalegre, de 32 mil para 9 mil. A pastorícia quase desapareceu, os campos foram invadidos por mato, e por mais que se ouça que "os proprietários têm de limpar os seus terrenos", olhem para a densidade populacional e para a faixa etária que caracteriza esses concelhos e vejam se é possível.
Dificilmente se conseguirá inverter nos próximos anos o declínio populacional e o ordenamento do território nessas regiões envelhecidas e escassamente habitadas. Até lá, e mesmo que haja melhorias, como já tem havido (apesar de tudo isto ficou longe da trágida de 2017), o fogo só dará tréguas em anos de maior pluviosidade e sem invernos secos. E continuarão a ouvir-se os resmungos contra "os verdadeiros culpados". Como sempre, as soluções são bem mais complexas e não envolvem polícia.
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