terça-feira, novembro 17, 2009

Os alemães e a National Mannschaft


O funeral de Robert Enke deu-se há dias, com um velório em pleno estádio do Hannôver 96, uma sentida homenagem presenciada por dezenas de milhares de pessoas. Segundo li, tratou-se do funeral com maior assistência desde o de Konrad Adenauer, em 1967. Só esta revelação é assombrosa. Adenauer era o refundador da Alemanha, o homem que lhe devolveu o orgulho, a dignidade, e que a colocou de novo na cena internacional. Para além disso, foi um dos "pais" da CEE e um dos pacificadores da Europa.

Como se percebe então esta onda fúnebre à volta do malogrado ex-guarda-redes do Benfica? Primeiro, por causa das brutais circunstâncias da sua morte. Depois, porque um homem popular, novo, com mulher e uma filha recentemente adoptada, e que estava a ser bem sucedido profissionalmente, não conseguiu ultrapassar os seus problemas psiquiátricos. O facto de ser um futebolista bastante conhecido (precisamente o tipo de pessoas que ninguém imagina a cometer suicídio) também contribuiu para a onda de choque.



Sem estar muito a par do assunto, julgo que terá igualmente a ver com a importância que a Selecção Alemã tem para os teutões e para o seu amor-próprio. As suas façanhas estão desde o pós-guerra ligados directamente ao próprio percurso da Alemanha (leia-se sobretudo RFA). Não quer dizer que os altos e baixos correspondam sempre à sensibilidade do país, senão o 3-0 que os suplentes da nossa Selecção lhes aplicaram no Euro-2000 seriam um péssimo sinal para eles (muito embora os peritos em simbologia sempre pudessem ver naquela esclerosada equipa um vestígio do envelhecimento dos alemães).


Em 1954, uma laboriosa equipa alemã venceu na final do Mundial de futebol desse ano, na Suíça, os "invencíveis magiares", a super-favorita Hungria comandada por Ferenk Puskas e que até esse jogo tinha atropelado tudo o que tinha encontrado pela frente, RFA incluída. A dimensão épica desse triunfo, que ficou conhecido como "O Milagre de Berna", e que deu até origem a um filme, devolveu muito do orgulho e moral a um país destruído, e contribuiu simbolicamente e em boa parte para a ascensão económica e política na Europa dos anos cinquenta, mostrando que os alemães se podiam erguer das cinzas e alcançar os maiores feitos.

Em 1974, a Alemanha voltou a ser campeã, em casa. Pouco antes tinha havido o caso Günter Guillaume, assessor de Willy Brandt que se descobriu ser um espião da RDA. O escândalo levou à demissão do Chanceler, abalou a sua Ostpolitik e criou certa euforia na RDA. A vitória nos relvados alemães, sob o comando de Franz Beckenbauer, atenuou esse mau-estar político.


Em 1990, o ano da Reunificação, a Alemanha voltou a consagrar-se como campeã do Mundo, em Itália. Estava-se a poucos meses de 3 de Outubro, a data em que dois países voltaram a ser um só. Nessa altura, as duas selecções ainda não estavam unidas, e a da RDA (que nunca se aproximou do sucesso da sua vizinha ocidental, nem de outros países do Pacto de Varsóvia) dava os últimos passos. Mas como já se sabia de antemão o que ia acontecer dentro de meses, pode-se considerar este triunfo como sendo já de toda a Alemanha. Uma taça que coroou desportivamente a Reunificação e que acidentalmente se tornou um símbolo do novo país, espalhando a euforia naquele Verão de 1990.


Ou seja, em momentos decisivos dos últimos 50 anos, a Mannschaft obteve o máximo título mundial, levando o orgulho a um país que dele precisava. Provavelmente as circunstâncias das épocas também terão dado um novo alento e novas forças às equipas, mostrando assim a força de vontade germânica. A união entre a equipa nacional e os alemães em geral solidificou-se. As provas de carinho e as muitas bandeiras desfraldadas no mundial de 2006, também na pátria de Goethe, foram um sinal disso mesmo. A Selecção é um espelho das conquistas e da ultrapassagem de obstáculos que os alemães tiveram de enfrentar, e de certa maneira são uma fiel representação do país e dos seus sucessos. Daí esse pesar pela morte violenta e chocante de um dos seus jogadores, que pesou mais do que a de muitos estadistas e outras figuras públicas.


Isto é obviamente apenas uma opinião de sociólogo de café, que vale o que vale - provavelmente muito pouco. Mas achei interessante fazer as devidas observações e comparações para perceber a onda fúnebre por Enke, que não teve paralelo, por exemplo, com o que os húngaros sentiram por Miki Fehér. Daria azo a outra reflexão entre os magiares e o seu apreço pela bola, muito em baixo desde os anos sessenta. Mas isso seria outra discussão. Por ora, deixemos os alemães chorar Enke. A sua memória dar-lhes-à força para o próximo Mundial na África do Sul?

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