segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Acção-reacção

As caricaturas dinamarquesas e, principalmente, as suas repercussões, continuam a ser o assunto de discussão na blogesfera e tema de abertura nos noticiários.
Disse há dias que tudo já se tinha dito sobre a questão, mas enganei-me redondamente: muito havia para dizer, incluíndo os maiores disparates. Para começar, as sempiternas acusações à Europa "acobardada" e "sem saber o que fazer", em comparação com os EUA. O "acobardamento" é uma acusação gasta, com as inevitáveis cenários de destruição. Já a indecisão quanto ao que há a fazer é real, mas face a um problema desta complexidade e magnitude é difícil ter ideias claras. Os EUA também não serão o melhor exemplo do momento: não só foram os primeiros a criticar as caricaturas, como as últimas acções no Médio Oriente não lhes dão grande legitimidade para se afirmarem como paladinos na "guerra civilizacional". Que é outro dos grandes equívocos da torrente de declarações que se tem ouvido. Sem querer contrariar as razões de preocupação de todos os fanáticos e radicais que incendeiam embaixadas e bandeiras (ou de quem o permite) e clamam que "isto é tudo uma conspiração sionista", como ainda ontem o fez o Ayattolah Kamenei, começo a ficar farto daqueles que vêm não só com declarações grandiloquentes sobre a "guerra que já começou", ou a impossibilidade de acreditarmos que no Islão são todos terroristas, sem excepção. Além de Pacheco Pereira, que adora abrir as hostilidades, temos este texto, que é um bom exemplo do que falo, e ainda uma enorme quantidade de neo-defensores da liberdade de imprensa e de admiradores de Hutington, à esquerda como à direita. Além de estranhos revisionismos, tentando provar que "o Al-Andaluz é um mito", mais pelas razões políticas que pelas socio-culturais.

Como sempre, surge aquela expressão cada vez mais vazia de sentido e de que todo e qualquer ser opinativo se arroga: o "politicamente correcto". Esta semana, vi no Acidental uma troca de palavras em que duas pessoas se acusavam mutuamente de promover o seu oposto, o"politicamente correcto": um, em relação à falta de respeito dos cartoonistas perante os muçulmanos; outro, sob a temeridade em condenar as violentas recções contra a Dinamarca. ao que parece, somos todos muito "politicamente incorrectos", quer sustentemos uma opinião ou outra, ou o seu contrário.

Depois, claro, o "choque de civilizações", a deles contra a nossa. A ideia, além de ser demasiado generalista e simplista, (embora em relação a outras ameaças, como o aquecimento global, as preocupações destes opinantes caiam sem estrondo), é perigosa. Basta pensar que a civilização "deles" não abrange, no caso concreto, apenas os países árabes, mas também o Irão, um dos mais metidos ao barulho, o Paquistão, vastas populações da Índia, ou a Indonésia. Um panorama demasiado vasto para declaraçõezinhas de guerra pelos jornais. E a Bósnia, ou a Albânia, maioritariamente muçulmanas, bombardeiam-se?

Os partidários desta não tão novel ideia fazem constantes referências a Chamberlain e à sua política de apaziguamento frente aos nazis. A invocação, normalmente necessária, tende a ser saturada pelas excessivas comparações. É que se houve uma ameaça nazi, ela deveu-se à humilhação que os adversários da Alemanha lhe impuseram. Pela lógica das ideias, para se expurgar a ameaça não se pode apenas recorrer ao rearmamento: há que primeiro pensar se os muçulmanos, ou os árabes, ao menos, não se sentirão humilhados, e se não será isso que atrai o radicalismo. Não faltam causas, desde a absurda e inútil guerra do Iraque, aos apoios dúbios dos países ocidentais a ditaduras do Médio Oriente quando isso lhes convinha. Evidentamente, votam em extremistas como o Hamas de forma democrática, como possível desforra, ou porque não vêm outras alternativas credíveis.

Tudo isso não obsta a que operações militares possam ter lugar se necessário, como no Golfo em 1991, ou no Afeganistão. A hipótese de um ataque cirúrgico ao Irão não pode ser liminarmente afastada, pese embora a sua extrema dificuldade. Mas há que fazê-lo, se não houver alternativas, de forma a não não cometer os erros do Iraque, com uma ocupação mal disfarçada de "libertação", e a não provocar uma reacção tempestuosa do mundo muçulmano (já imaginaram a aliança improvável dos sunitas com os xiitas numa luta comum contra "o Grande Satã"?). O problema é que se vê aqui uma sede de guerra preocupante sobretudo pelo facto dos seus defensores não serem extremistas ou lunáticos. E também porque sabemos que uma escalada de um lado leva à radicalização do outro. era bom, já que se invoca o apaziguamento, que se lessem as páginas do seu grande adversário, o nunca demais lembrado Winston Churchill, sobre a forma como os derrotados da 1ª Guerra foram tratados. É que a paz a todo o custo pode ser uma cobardia e uma tontice, mas a guerra a todo o custo é uma monstruosidade.

Ah, e sobre o Profeta Maomé (ou Muhamad, no original), uma vez que ele deixou vasta prole no mundo árabe, e que esta também se espalhou pela Península Ibérica, quantos descendentes seus haverá em Portugal?

3 comentários:

Freddy disse...

Viste as minhas caricaturas? Essas sim, as polémicas...

Última Hora: Violentissima operação na blogosfera portuguesa... Zona Franca lança OPA sobre Abrupto

sabine disse...

Boa análise! :)

João Pedro disse...

Obrigado pela leitura, Sabine.
Freddy, é óbvio que vi as caricaturas. E a tua OPA também. andas por caminhos perigosos. pergunto-me se o Abrupto (ou a tentativa de) não te levará à bancarrota, ainda por cima com os visados das caricaturas atrás.