quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Entrudo em Lazarim


Dia de Carnaval, Terça-feira Gorda, comemorada nas Ovares e Loulés deste país, com samba, dançarinas semi-nuas e carros alegóricos. O mesmo se passa em Veneza, Nice, Salvador e Nova Orleães.
Mas entre o Douro e Trás-os-Monte as tradições são diferentes, e seguramente mais antigas. Aqui existe o Entrudo, permitem-se excessos mais físicos que visuais, muitas vezes camuflados debaixo de carantonhas, e reavivam-se tradições que, depois dos anos de interdição durante o Estado Novo, se tornaram um chamariz de forasteiros. Como eu.

Em Podence, Macedo de Cavaleiros, onde os caretos infestam as ruas com as suas travessuras e os seus chocalhos e os seus trajes garridos,ocultados por máscaras bizarras, ou em Lazarim, onde são de madeira e os mascarados se vestem de forma mais diversificada e incrível, o Entrudo é uma imagem de marca destes dias frios. Dirigi-me para esta última aldeia, apanhando a estrada para Tarouca, depois de Lamego, e virando à direita após Britiande. Por entre uma paisagem mais de lameiros que de vinhas, atravessa-se a aldeia de Lalim, que já vem da Idade Média (como quase todas, nesta zona), onde a estrada se converte em apertadas ruelas. Mais uns quilómetros e estamos à vista de Lazarim, nas faldas da Gralheira. Para chegar ao centro da povoação há que deixar o carro na borda da estrada, a umas centenas de metros, que o intenso movimento assim o obriga.
 
A festa começou no fim de semana e tem o ponto alto na Terça, com a leitura dos jocosos "testamentos", o desfile e o concurso dos caretos, a queima dos compadres e a comezaina final. Com bombos e banda pelo meio.
Pouca sorte: chego já na altura do cortejo e tenho necessidade de me ir embora ainda com luz do dia. É o suficiente para me inteirar das festividades. Lazarim é antes de mais uma antiga povoação que se alonga pela estrada fora, abrindo-se num largo central e terminando nas ruelas adjacentes. Nas bermas, espalham-se vendedores de cavacas de Resende, cavacórios, vinho da região, recordações da aldeia, postais e até t-shirts alusivas à ocasião.


Os caretos vêm no sentido contrário ao meu, precedidos pela banda que os anuncia. O cortejo é encabeçado por uma espécie de líder dos mafarricos de madeira, montado num burro. Descem até se concentrar no largo, exibindo as suas fatiotas e fazendo barulho, no meio da multidão que os aplaude e fotografa. Na casa brasonada que domina o terreiro está montada uma varanda/palanque à laia de palco do concurso, onde os caretos começam a subir um a um. Aí, apresentam-se e vão retirando as máscaras. A grande maioria é da aldeia, mas mesmo os de fora provocam o gáudio dos assistentes.








Nem todos estão atentos ao concurso. Encostado ao cruzeiro a meio do largo, um homem de fato de ver a Deus, largo capote por cima, lenço ao pescoço e chapéu igual ao que os Gato Fedorento usaram no rap matarruano mal se aguenta de pé, perdido de bêbado. Inclina-se para a frente, descai para trás, e a certa altura tomba mesmo, perante algum riso e a pronta ajuda dos confrades. Há quem aproveite a quadra festiva até à náusea, ou pelo menos, aos limites dionisíacos.





Acabada a exposição dos caretos, os ex-mascarados dispersam-se e o júri retira-se para deliberar. Entretanto, a banda cria ambiente, tocando freneticamente, com bombos e concertinas, cantigas de Quim Barreiros. Apesar do frio (zero graus às 6 da tarde, e vê-se neve nas montanhas ao longe), a animação nas pessoas é visível. Por um Euro, compra-se uma extensão enorme de cavacas de Resende, ideal antes de entrar na Quaresma. Eis o autêntico comércio tradicional, o dos almocreves e das feiras, antes de qualquer loja ou armazém, que hoje nos parecem ser de outro tempo.

O júri demora muito, e como tenho de voltar cedo, saio de Lazarim ainda com a luz da tarde. Ainda há muita gente no largo. Sei que haverá a queima dos Compadres e que a festa acaba em farta comezaina, com caldo de farinha, feijoada e vinho. Óptima maneira de encerrar o dia, para os que ficam. Uma ideia que consola é que a tradição, agora reavivada e cada vez mais conhecida, retomar-se-à para o ano. O tempo também pode andar para trás nas coisas boas da vida.

Este relato diz respeito ao Carnaval de 2006, mas parece que este ano, em que não pude repetir o passeio, a folia voltou em grande escala. Também o Bichos Carpinteiros descreveu o mesmo evento, mas dois dias antes. Ao que parece, sou um dos "duros" que esteve no epicentro da festa. Ou quase.

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