segunda-feira, fevereiro 05, 2018

A Morte de Estaline não passa em Moscovo


Se alguém tinha dúvidas quanto ao carácter da "democracia musculada" da Rússia pode perder qualquer ilusão. É demasiado músculo para tão pouca democracia. Depois do principal candidato da oposição, Alexei Navalny, ser afastado da corrida por ter recebido ordem de prisão (por duvidosos desvios de fundos, uma coisa que por coincidência acontece sempre aos opositores de Vladimir Putin quando se tornam mais mediáticos), as autoridades russas proibiram a distribuição do filme "A Morte de Estaline", uma comédia sobre o desaparecimento do Pai dos Povos" e os dias atribulados que se lhe seguiram. Parece que o filme "promove o ódio" e  é "extremista e ofensivo".

Ainda só tive acesso ao trailer do filme, que ainda não chegou a Portugal. Pelo que se vê e lê, a obra, com realização do escocês de nome improvável Armando Ianucci e elenco onde constam Steve Buscemi, Michel Palin e Olga Kurylenko, é uma sátira descabelada e truculenta ao regime soviético e muito particularmente ao estalinismo e à luta pela sucessão, que não ficou muito a dever ao que se passava  na Rússia dos boiardos. Como é óbvio neste tipo de filmes, há grande ridicularização de personagens e de situações reais e exageros constantes. Por isso é que é uma sátira.

Não o entenderam políticos, cineastas, historiadores e demais autoridades culturais russas, que consideraram que o filme era insultuoso e conseguiram impedir a sua exibição. O único cinema que se atreveu a fazê-lo, em Moscovo, viu-se invadido pela polícia que pôs logo ali termo à sessão.

Sempre me intrigou a ausência de cinematografia sobre o período soviético e o estalinismo, em contraponto aos que existem sobre o nazismo e o Holocausto. De certa forma percebe-se: o material necessário, incluindo fontes de arquivo, e mesmo alguns cenários estão na Rússia. A ideia de Estaline como vencedor da "Grande Guerra Patriótica" ainda está muito presente, e não é de bom tom passar filmes que o critiquem explicitamente, e menos ainda que o ridicularizem. Mas isso também mostra o desapego à liberdade de expressão que parece não afectar a maioria dos russos. Imagine-se que filmes que ridicularizassem Hitler e o nazismo eram censurados na Alemanha, ou mesmo aquela cena do Untergang, satirizada vezes sem conta no Youtube, com legendas diferentes consoante o objectivo. Ou que o Capitão Falcão, comédia recente sobre um super-herói do Estado Novo, em que até vemos um Salazar em habilidades culinárias, era considerado "insultuoso" e por isso proibido de ir às telas. Pergunto-me o que se diria nestes países. Ou o que pensariam os admiradores locais de Putin e das "democracias musculadas" (ou "iliberais") se tais coisas acontecessem.


Por mim, tenciono ir ver A Morte de Estaline quando chegar às salas portuguesas. Pela curiosidade que graças às autoridades russas me despertou. E porque tem Michael Palin no elenco (como Molotov), que é razão mais que válida para comprar o bilhete.

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