segunda-feira, outubro 02, 2006

It ´s not the economics, stupid
A semana blogoesférica ficou alvoroçada com o anúncio de que Pedro Arroja iria colaborar regularmente com o Blasfémias. Já tinha ouvido uns tímidos elogios ao economista radicado no Porto, mas a ideia que tinha dele vinha de uma entrevista que deu à saudosa Grande Reportagem, que conservo algures, em Maio ou Junho de 1994 (inclino-me para a segunda hipótese, já que a capa era sobre o Dia D), feita por Fernanda Câncio, que em boa hora a disponibilizou na íntegra.
Recordava-me sobretudo da passagem em que ele defendia que os votos deviam poder ser vendidos, e "não deitados fora", e que "os pobrezinhos sairiam beneficiados". Ou da defesa de um partido nortenho encabeçado por...Pinto da Costa(!!!). Se já tinha ficado altamente deagradado com as ideias do senhor, ainda mais fiquei ao reler a entrevista, nas opiniões sobre a escravatura ("Eu não quero dizer que a escravatura era aceitável, mas não foi má para os negros em termos económicos"), a pena de morte ("O que se concluiu é que por cada pessoa executada na cadeira eléctrica havia sete crimes que deixavam de ser cometidos. Então o que é que é desumano?"), apresentando conclusões contrárias à maioria dos estudos, que provam que o crime é mais elevado exactamente devido à pena de morte. E não só: ao longo da conversa, Arroja debita uma falta de ética, um apego aos números sobre qualquer outra realidade, uma asséptica ideia do mundo ("O que é que é sagrado para si?" "Nada. Nada."), e aquela crença fanática, e simultaneamente determinista, científica, de que a pura economia de mercado sem qualquer intervenção estadual é infalível, e que o mercado prevalece sobre qualquer forma de política e forma de governo, inquinando inclusivamente a escolha democrática feita pelos cidadãos. O neoliberalismo em pleno estado de pureza, escarrapachado, cristalino.
Alguns chamarão a isto de "liberdade". Eu recuso-me a confundir esta dogmática economicista com o primeiro valor da trilogia francesa, que aliás Arroja não deve apreciar. A Liberdade não pode caír na anarquia moral, na dissolução dos valores de uma sociedade, e mais ainda, de uma civilização, que nos é proposta pelos neoliberais de laboratório. Podem os blasfemos considerá-lo "um dos mais importantes defensores da Liberdade que Portugal conheceu nas últimas décadas". Tenho, como aqui já disse, respeito e apreço pelo blogue em questão, do qual aliás conheço vários elementos, embora a maior parte das vezes discorde deles. Por isso lamento que venham com proclamações bombásticas que roçam a idolatria do referido economista, e que acabam por caír no ridículo. Não serei, certamente, assíduo leitor dos futuros escritos do Dr. Arroja. Perdoem-me, mas o megafone ultraliberal acaba por tirar a paciência a um santo.
PS: o maradona deixa aqui a sua própria visão da coisa. Ó Carlos, essa de ser comparado a um Quindim não devia passar impune.

2 comentários:

Carlos Loureiro disse...

Caro João Pedro,

Julgar alguém (ou as suas ideias), do modo severo como o fazes, apenas pelas respostas publicadas numa entrevista dada há doze anos parece-me um bocadinho exagerado. É quase como julgar definitivamente a qualidade da equipa do SLB apenas pelo jogo que fez em Copenhaga. Mas, obviamente, quem sou eu para te recomendar algumas leituras adicionais...

João Pedro disse...

Poderei ter sido algo duro coma pessoa em questão. Mas a entrevista, mesmo que possa estar datada, não foi rebatida pelas discussões que se verificaram nos últimos dias. E fica-se com a ideia de que o essencial do pensamento de Arroja está ali plasmado, sem que haja qualquer mal-entendido ou deturpação.
Espero naturalmente que ele se explique melhor, ou que as suas ideias tenham evoluido ou ganho algum senso.