Há muito que o papel de mau da fita é particularmente apreciado (e desejado) no cinema. Distingue-se sempre pela complexidade da composição, pela personagem cativante ou sinistra, pelo interesse criado no espectador, em contraste com um vago tédio que as personagens "boas" causam. E não faltam intérpretes que se especializaram nos papéis dos maus da fita.
Estou-me a lembrar assim de repente de John Malkovitch (do Valmont de Ligações Perigosas até Con Air vai uma lista interessante), Alan Rickman, Kevin Bacon ou James Woods, isto para nos cingirmos à cinematografia mais visível de Hollywood.
Na semana passada desapareceram dois nomes que honravam a nobre arte do vilão cinematográfico.
Nuno Melo tinha uma carreira que passou pelo teatro e pela TV, por programas cómicos do Herman e por diversas sitcoms e novelas. Também se distinguiu no cinema, sobretudo em filmes de Edgar Pêra, e muito particularmente em O Barão, adaptação do conto de Branquinho da Fonseca graças ao qual ganhou o prémio da Sociedade Portuguesa de Autores. Aí, num filme a preto e branco carregado de sombras, surgia como uma personagem autoritária, ameaçadora, vampírica, um tirano que nas suas terras de atrás do sol posto (no caso, o Barroso) vergava pelo medo que inspirava todos os que o rodeavam.
Nuno Melo passou por muitos outros papeis, tanto de "vilão" como de comédia. Ainda há uns meses, num casamento memorável, discutia a carreira do actor com a Joana, sua filha, sem sabermos que já cá não estaria menos de um ano depois. As pessoas reconhecem-nos de outros trabalhos, mas se há interpretação que ficará na história, será sem dúvida a do Barão.
Ainda mais vampírica e ligada a papeis de mau da fita é a carreira de Christopher Lee. Aliás, ele era o protótipo do actor que é reconhecido como um eterno vilão, embora na realidade fosse muito popular. Drácula, Frankentsein, Múmia, vilão de James Bond (Scaramanga, o Homem da Pistola Dourada), criado pelo seu primo Ian Fleming, Jedi caído no "lado negro" em A Guerra das Estrelas, participante frequente nos bizarros filmes de Tim Burton, Saruman, o feiticeiro negro das adaptações cinematográficas de Tolkien, papel mais recente que lhe trouxe nova notoriedade...Recentemente vimo-lo num dos últimos filmes de Scorcese, Hugo, e em Comboio Nocturno para Lisboa, em que representava um padre português. Para além disso, teve uma vida digna da sua carreira cinematográfica: descendente de aristocratas italianos e cantores líricos, primo de Ian Fleming, viveu em França e na Suíça na adolescência, combateu na II Guerra em África, sobretudo na Líbia e esteve na invasão aliada a Itália, assistindo à terrível batalha de Monte Cassino. Só depois é que se dedicaria à carreira de actor. Pelo meio, conheceu algumas personagens que mais tarde representaria. Era mesmo o único actor de O Senhor dos Anéis e O Hobbit que tinha conhecido pessoalmente o autor das obras, J.R. Tolkien. E já com certa idade ainda participou e até editou em nome próprio discos de heavy metal, com registos de ópera pelo meio. Uma vida preenchidíssima, que merecia uma biografia, e não apenas para os apreciadores do sedutor e carismático papel de mau da fita.
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