domingo, agosto 16, 2015

Recordações da política vilarrealense numa semana amarga





As confusões com a campanha do PS custaram a cabeça ao responsável pela mesma, Ascenso Simões. Por coincidência, outro acontecimento, também nos últimos dias, levou-me a recordar os primórdios da carreira política do ex-Secretário de Estado de António Costa.


Nas autárquicas de 1993 (em que o actual líder socialista concorreu à câmara de Loures, sem êxito, com a célebre campanha do burro e do Ferrari), o jovem Ascenso era a aposta do PS para a conquista da câmara de Vila Real, dominada pelo PSD e cujo único presidente desde os anos setenta, Armando Moreira, se retirava. Pelo partido dominante apresentou-se o vereador Manuel Martins, tido como titubeante e pouco popular. Previa-se um combate renhido entre o candidato inexperiente e o homem do PSD. Lembro-me de ver Ascenso, numa tarde de chuva, com uma mini-comitiva atrás, de cabelo cuidadosamente penteado com gel e pesados óculos a entrar no estabelecimento semi-rural onde a minha família se abastecia, com ar simpático mas rígido, claramente pouco à vontade com a função.
Apesar disso, e dado o candidato laranja também não estar à vontade, acreditou-se que o PS conseguiria mesmo roubar aquele bastião laranja, até porque o CDS apresentava uma boa candidatura e tinha as suas ambições. Até António Guterres se deslocou a Vila Real para ajudar o candidato, que acabou o comício com lágrimas de emoção. No fim, o PSD manteve a câmara por uma unha negra, o PS contentou-se em dividir os vereadores com a maioria e o CDS conquistou apenas um lugar na vereação, ficando como fiel da balança (seria a última vez, até hoje, a conquistarem um lugar no executivo local).
Manuel Martins revelar-se-ia um muito razoável presidente da câmara, lançando obras de vulto, como o teatro, uma rede de museus e o parque fluvial, e moderando um pouco o caos urbanístico de que Vila Real sofria - e ainda sofre. Nas autárquicas seguintes, reeditou-se o combate entre Martins e Ascenso, mas o autarca em funções venceria sem dificuldades, arrasando o CDS e tirando votos ao PS. Depois, a história é conhecida: Ascenso tornou-se líder do PS vilarrealense, passou pelo parlamento e chegou ao Governo de José Sócrates tendo António Costa como ministro, até à saída deste para a CM de Lisboa (ficaram célebres as pancadas amigáveis que o transmontano desferiu sobre Costa, com a emoção, na tomada de posse). Tornou-se uma figura respeitada e ouvida nos órgãos nacionais do partido, de tal forma que o escolheram para coordenador geral da campanha eleitoral que se avizinha. Manuel Martins permaneceu na câmara de Vila Real durante vinte anos, até 2013, em que não se recandidatou por atingir o limite de mandatos. O PS aproveitou e conseguiu por fim conquistar um município que havia quase quarenta anos estava nas mãos do PSD, pelas mãos de Rui Santos.


Lembrei-me dos dois antigos adversários por causa da semana nefasta que os apanhou. Ascenso Simões teve de se demitir do cargo de coordenador da campanha depois dos imensos casos que surgiram, com destaque nas pessoas que apareceram nos outdoors sem terem dado autorização. A sua carreira, que indicava até que seria "ministeriável", sofreu agora um rombo enorme. Mas pode não ser o seu fim. Pior só mesmo Manuel Martins, que morreu subitamente a meio da semana, com apenas 73 anos, quando se encontrava de férias. Ninguém poderia adivinhar que tantos anos depois os dois antigos adversários de Vila Real seriam notícia na mesma semana por tão más razões.

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