terça-feira, janeiro 26, 2021

Depois das presidenciais

Notas:

Marcelo ganhou. Esmagou. Não tem o melhor resultado de sempre em presidenciais mas é o primeiro a vencer em todos os concelhos. Tudo isto praticamente sem campanha. O seu mandato sai reforçado. Na noite eleitoral revelou enfim o seu programa, coisa que não tinha feito nas semanas anteriores, e teve o único verdadeiro discurso presidencial. Resta saber se vai actuar como noutras coabitações com um partido diferente no segundo mandato - em competição hostil com o governo, como vimos sobretudo com Soares e Cavaco.

Ana Gomes consegue o segundo lugar mas não a segunda volta. Difícil colocá-la entre vencedores ou perdedores. Em teoria é vencedora, porque alcança o segundo lugar apenas com os apoios oficiais de PAN e Livre, e é talvez responsável por impedir que Ventura fique em segundo. Mas teve uma campanha pouco substantiva, nunca conseguiu ter um assunto-âncora, triando talvez a justiça, e sem aspirações dentro do PS ou a lugares de relevo, não se sabe o que ganhará realmente depois disto.

André Ventura tem um resultado agridoce (mais doce do que acre, é verdade). Obtém um resultado excelente em números, cilindra a esquerda nalguns dos seus feudos, particularmente no Alentejo, fica em segundo em quase todo o interior, queda-se a pouca distância de Ana Gomes. E no entanto esta diferença para a diplomata tem peso, já que esse era o objectivo primordial declarado, a ponto de o obrigar a demitir-se. Claro que na prática o dano será nulo, porque voltará à liderança já a seguir por aclamação. Mas ao ouvir aquele discurso alucinado, a colocar a Iniciativa Liberal na extrema-esquerda e a afirmar-se como "enviado de Deus", fica-se na dúvida se está demasiado deslumbrado ou se é conversa para galvanizar a assistência. Convém lembrar que os votos das presidenciais não são deles nem duradouros, como aprendeu Manuel Alegre ("o meu milhão de votos") e Basílio Horta, que em circunstâncias parecidas teve 14% dos votos, para meses depois o CDS alcançar pouco mais de 4%. E que o desafio das autárquicas, completamente diferentes de eleições nacionais, penaliza agudamente os novos ou pequenos partidos. O Bloco que o diga.

Apostei que João Ferreira teria um resultado superior ao de Marisa. Acertei por pouco. Teve também mais do que Edgar Silva, há cinco anos, o que não é consolo nenhum. O resultado de Ferreira é menos que medíocre, incipiente (e inferior a Ventura) no Alentejo, coloca em causa o futuro do seu partido junto de populações que lhe eram tradicionalmente fieis e mais até, coloca em risco a sua ascensão a futuro secretário geral do PCP, quando era o mais bem colocado para isso. A rever: teve a campanha com maior orçamento de todas, o que demonstra que, principalmente em tempos de pandemia, não vale a pena andar com grandes gastos.

Marisa Matias é a outra grande derrotada da noite. Não só tem um resultado substancialmente inferior às candidaturas que encabeçou, há cinco anos e nas últimas europeias, como perde aquele particular  combatezinho com o PCP para ver quem tem mais votos. É possível que tenha perdido um pouco para Ana Gomes, mas pareceu sempre estar a cumprir um papel que lhe tinham pedido. Perdeu o efeito novidade e também o de ser mais simpática que Catarina Martins e as manas Mortágua. Talvez não influencie assim tanto o futuro do Bloco, que já caiu e já se reinventou, mas a avaliar pelo discurso da "coordenadora", causou alguma preocupação entre a esquerda radical.

Tiago Mayan. Sou suspeito, mas acho quase impossível não o considerar um dos vencedores da noite. Partiu para a corrida como um elemento apoiado pela Iniciativa Liberal desconhecido do grande público, entrou nas entrevistas tímido e a calcular as palavras, mas aos poucos ganhou confiança, não teve receio de afrontar quem quer que fosse (até houve quem o considerasse demasiado ríspido), explanou as suas ideias e a sua ideologia e ganhou muito com isso. Não sendo uma votação fabulosa, é superior ao que as sondagens lhe davam (as primeiras atribuíam-lhe 1%), sem dispôr de grandes gastos nem figuras de primeira água a apoiá-lo. Ganhou o seu próprio espaço e o seu partido, mais estruturado e menos fulanizado que o Chega e com mais aura de novidade que o Bloco, ganhará certamente com isso. 

Vitorino de Rans - fica em último mas consegue novamente um resultado honroso, não muito abaixo do de 2016, salvo que agora não ganhou em Rans. É sem dúvida uma personagem que consegue atrair a atenção, a simpatia - e alguns votos. Resta saber se vai fazer alguma coisa com esta popularidade. É bom lembrar que tem o seu próprio partido, o RIR, que tem estabelecido ligações a outras pequenas formações. Desconfio que as suas candidaturas não vão ficar por aqui.

Abstenção: muito grande, mas não extrema. Um obrigado a todos os delegados às mesas e a todos os que trabalharam no processo eleitoral.



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