segunda-feira, março 14, 2005

Amadeus recordado




A RTP-1 passa hoje o filme Amadeus, de Milos Forman. Curiosamente, já esta semana o
Babugem tinha publicado um post sobre o novo DVD da obra, os vinte minutos a mais e o raro reconhecimento recíproco entre público e crítica por uma obra tão grandiosa. Não podia estar mais de acordo: o filme é uma obra-prima, com efeitos visuais e sonoros fabulosos, mudanças de ritmo impecáveis, e interpretações magistrais de F. Murray Abraham e Tom Hulce (dois actores um pouco esquecidos, sobretudo o segundo). Dado a contar histórias sobre personagens marginais, de mentalidade questionável e relativamente obscuras (casos de Larry Flint e Andy Kauffman), Forman dedicou-se então ao genial compositor de Salzburgo, de dados biográficos incertos, que morreu aos trinta e seis anos muito longe do reconhecimento póstumo. A personagem central é no entanto Salieri (Abraham), o compositor da Corte de Viena. O seu talento musical, que sempre pretendeu que fosse um dom divino, é totalmente esmagado pelo de Mozart, embora ele seja o único que o na realidade o reconhece. Daí advêm a inveja profunda, a renegação de Deus, as tentativas de minar o trabalho daquele que o trucida com a seu génio, dádiva divina que a ele, Salieri, lhe fora negada.
Forman lança também a dúvida sobre se a morte de Mozart terá sido ou não responsabilidade do músico italiano. O final parece desmentir tal culpa, mas a vontade, a intenção, estão lá, e disso se penitenciará Salieri para o resto da sua vida.
Pelo meio, assiste-se às famosas tropelias de Wolfgang, às suas partidas infantis, à relação imatura com a sua mulher, Constanze, à vida desregrada e à permanente e severa censura do seu pai, Leopold, bem como aos ambientes da corte imperial de Joseph II, filho de Maria Teresa e melómano amador. E também a algumas óperas do compositor, em especial D. Giovanni, composta e revelada ao público em Praga, na Boémia natal de Forman. Tudo sob a inimitável risada de Mozart, pueril, sarcástica, com o seu quê de inocência mefistofélica.
A coincidência TV-DVD não se fica por aqui. Quando assisti ao filme, há escassos meses, e por VHS, mal acabei de o ver, dei uma vista de olhos ao Euronews: o canal noticioso mostrava a reabertura solene do La Scala de Milão, depois de uns anos de obras, com a mesma obra que estreara o tatro no Séc. XVIII: Europa Riconosciuta, do compositor italiano...Salieri. Murmurava-se, no final, que seria a reabilitação do rival de Amadeus. Mas outros, franzindo o sobrolho, declaravam secamente, entre termos como "assassino" e "Mozart", que Salieri só seria tocado de novo num teatro relevante daí a mais duzentos anos. Não por ser um "compositor menor", note-se, mas pela maldição a que está votado por grande parte dos melómanos. O seu nome dificilmente se livrará desta conotação lendária, embora possa ser suavizada. Prova-se mais uma vez que a música faz parte do domínio dos sentidos, da loucura, do génio, e de inúmeros ódios e paixões. E é, evidentemente, mais um caso em que a Vida imitou a Arte.

Um comentário:

A. Narciso disse...

Um excelente filme!!!
Abraço