Falando ainda de cinema
O Aviador está visto. Ao contrário da opinião reinante, que o considerou "apenas um bom filme", ou pior que isso, creio sinceramente que daqui a umas décadas será recordado como "um clássico do seu tempo". Leo está muito mais crescido, é um actor de corpo inteiro, e começa a dar razão a quem o disse em tempos que era um prodígio. A carinha laroca e juvenil não o ajuda muito em relação à crítica (Jude Law sofre do mesmo problema), mas é crível pensar que daqui a uns anos
esse preconceito estará definitivamente posto de lado. Cate, a Musa, está ao seu nível; Katharine Hepburn tem uma recriação (e quem sabe, uma sucessora) que certamente apreciaria. Os demais secundários também cumprem, sobretudo num elenco tão rico que inclui Kate Beckinsale, Jonh C. Reily, Alec Baldwin, Allan Alda, Ian Holm, Willem Defoe (curto papel, mas mais importante do que parece) e principalmente o referido Law, num fantástico Errol Flynn. Cint pode ser um justo vencedor da estatueta reservada ao melhor realizador do ano, mas se tivesse voado para Scorsese, tal não seria razão para cóleras excerbadas - além de que corrigiria uma antiquíssima injustiça.
Próximas fitas: Sideways, em princípio, mas também se fala de Ray. E pelo caminho, Kinsey ficou igualmente visto. Interessante como explicação científica e social dos hábitos sexuais numa América que despertava, ainda a virar a cara e de credo na boca, para essas matérias. Os mais púdicos achá-lo-ão algo escatológico, embora a escatologia seja, necessariamente, um dos elementos essenciais do filme. É pena, de qualquer forma, que não focassem mais a reacção pública que o Relatório Kinsey provocou naqueles dias e naquelas paragens. Sob toda a análise científica, há uma profunda análise social que fica aquém do pretendido.
Por falar em filmes que não atingiram as expectativas: o Babugem disserta sobre Shattered Glass (verdade ou mentira, na versão portuguesa), filme que andou pelas salas aí por alturas da última Páscoa e que narra a história verdadeira do jovem e promissor Stephen Glass na New Republic, do seu apogeu e descoberta de que a maioria dos seus artigos era, no fim de contas, meras falsificações ou mistificações puras. Algumas reportagens de Glass (Hayden Christensen, o novo Anikin Skywalker) eram sublimes, como a do hacker pré-adolescente contratado por uma empresa de informática, mas alguém - uma publicação rival - compreendeu que no caso, 2 + 2 não era igual a 4 e iniciou uma prolongada investigação que descobriu toda a série de embustes com os quais o repórter deslumbrava a sua redacção.
Por entre um percurso sinuoso e a descoberta cada vez mais evidente das mentiras de Glass, além das habituais investigações jornalísticas próprias de uma publicação de sucesso (com uma redacção, aliás, toda ela extremamente jovem, aparecendo Chloë Sevigny à cabeça), constroi-se um enredo sólido, começando numa personagem que podia ser qualquer um de nós,e que cativa pela sua boa disposição, bonomia e genialidade. Mesmo quando se começa a perceber que Glass inventou as suas histórias, olha-se para ele como alguém com uma imaginação fértil, que se meteu ali de livre vontade e que se vai embrenhando numa espiral de muitas mais mentiras, optando pela fuga para a frente. É um mistificador com génio, o que temos ali, alguém que para entreter a opinião pública e os leitores se atreveu a mentir, mas em nenhum momento se vê um criminoso, um escroque.
A grande falha é sem dúvida o desaparecimento de Glass depois da sua saída da New Republic, o não se saber o que realmente passou na cabeça do repórter, o que pensava quando se atirou aos mirabolantes "furos" jornalísticos de que era autor, a verdadeira reacção quanto à descoberta das suas "petas". Fica-se sem saber se a personagem principal é mesmo Stephen Glass ou o seu director (Peter Sarsgaard), que irá ao cerne da questão até descobrir toda a verdade; conseguimos entrar no espírito deste último, mas não da personagem à volta da qual o filme gira. Como se o embuste se prolongasse, sem explicação plausível.
De qualquer maneira, aconselhável a todos, sobretudo se trabalharem numa redacção de um jornal. Resta dizer que Stephen Glass não desperdiçou o seu talento e escreveu um livro autobiográfico, em que apenas alterou os nomes das personagens, relatando todos os factos, e, graças a uma espantosa reviravolta, conseguindo de certa forma voltar à tona.
um dos filmes mais badalados dos últimos tempos, Finding Neverland, chegou a ser considerado "o filme do ano". Passe o óbvio exagero, até porque a obra até tem o seu quê de despretensioso, vê-se sem problemas de maior, com Jonhy Depp e Kate Winslet em papeis competentes (mas nada que desse para ganhar o óscar), para não falar do rapazinho amargurado filho desta última, e algumas cenas onde não se distingue bem o real do imaginário (a recriação de Peter Pan em casa de Winslet), alguma dose de magia, encanto, ternura, etc. Mas fica a curiosidade: o realizador, Marc Forster, aqui num registo de um lirismo suave e infantil, tornou-se conhecido pelo seu filme anterior, Monsters Ball (que deu o óscar a Halle Berry), cru, violento, misturando sexo, morte e remorso, completamente o oposto do seu trabalho mais recente. Haverá apenas um ponto em comum, a redenção e o amor que rompe por entre a desconfiança e o ódio, mais evidentes em Monster´s Ball. Mas fica a curiosidade: em que é que assentará a próxima obra do realizador, que parece estar no caminho do sucesso? Podemos uma continuidade de um destes dois filmes, ou nova surpresa? Estaremos perante um novo Kubrick - não na mesma dimensão, claro está- cujas obras constantemente variavam em gênero? Fica a questão, a resolver um dia destes numa qualquer sla de cinema.
terça-feira, março 08, 2005
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Um comentário:
Tenho muita curiosidade em ver o Mar Adentro.
Segui com interesse o caso real.
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