Voltando às eleições francesas, e à sua primeira volta, houve um resultado que não deixou de surpreender quem sobre ele se debruçou, já que a maioria dos eleitores e analistas estava mais virada para a segunda volta. A candidata e líder do Partido Comunista Francês (PCF), Marie-George Buffet, teve a irrisória votação de 1,93% dos votos, bastante abaixo, por exemplo, do candidato da Liga Comunista Revolucionária.
A queda do PCF tem-se vinda a acentuar ao longo dos anos, mas nunca os comunistas tinham tido um resultado tão humilhante. Se tormarmos em conta que o PCF já conseguiu ser o partido mais votado e esteve em mais do que um governo, o facto é ainda mais espantoso. O velho partido nasceu em 1920, em Tours, de uma cisão da SFIO (Section Française de L´Internationale Ouvrière). Apoiou, com socialistas e radicais, o governo da Frente Popular de Leon Blum, em que pela primeira vez se introduziu o sistema de férias pagas. Teve um importante papel na resistência à ocupação nazi. Depois da Guerra, tornou-se o partido mais votado, voltando a fazer parte de sucessivos governos. Mas com o apoio à invasão da Hungria, em 1956, perdeu inúmeros militantes e muita da intelectualidade que o compunha, e que progressivamente se afastava da URSS. Não soube aproveitar o Maio de 1968, que apanhou o partido desprevenido. Nos anos 70, chefiado por George Marchais, rompe com a URSS e abraça o Eurocomunismo. Em 1981, voltará ao governo, com a vitória de Miterrand nas presidenciais, mas sairá em 84, em ruptura com os socialistas. O declínio do partido é bem visível, e eleição após eleição, os votos diminuem, até à irrelevante soma atingida agora.
Diga-se ainda que uma imprensa regional e local muito extensa, e o seu órgão oficial, l'Humanité, fundado por Jean Jaurés, teve e tem ainda uma importante massa de fieis leitores. O PCF ainda tem um número interessante de militantes, embora longe de outros tempos. A sua sede nacional é um edifício dos anos 60/70 concebido por Óscar Niemeyer. E ao lado do "nosso" PCP, até é um partido renovado e com alguma abertura, e menos complexos estalinistas. Mas a intelectualidade e os artistas desapareceram, e parte do eleitorado das "classes operárias" mudou o seu sentido de voto e a sua confiança para outros movimentos de esquerda radical ou para a extrema-direita, alimentando o crescimento contínuo da Frente Nacional. Assim, o outrora pujante PCF é apenas uma sombra do partido que era peça importante de vários governos. A desintegração, a não adaptação aos novos tempos, a queda do bloco comunista (ainda que já tivesse havido um importante afastamento) e o afastamento dos intelectuais foram duros golpes, cujos resultados estão bem expostos na votação quase escondida de Marie-Georges Buffet.
2 comentários:
É muito interessante esse resumo da história do PCF que, conjuntamente com o PCI, foi um dos maiores partidos comunistas da Europa ocidental. E a história que descreve, de uma organização que se encerra progressivamente mais numa verdadeira aldeia entrincheirada de Astérix, até obter 2% dos votos numa primeira volta de umas eleições presidenciais, faz questionar, dada a evolução recente dos partidos francês e italiano e os graus de afinidades dos dois países, quanto do “centralismo democrático” e da partilha da mesma designação, escondeu realidades sociais e intelectuais abissalmente distintas por detrás do “franchise” “partido comunista”…
Muito distintas, mesmo. E em Itália os grupos que mantêm a palavra "comunista" no deu nome conseguem, no seu conjunto, muitos mais votos que o PCF.
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