Acabaram os Jogos Olímpicos, bem à inglesa, misturando pompa com cultura popular. E tivemos a ocasião, provavelmente única, de ver o estandarte de Portugal carregado por um atleta (medalhado) de apelido Pimenta.
Como não podia deixar de ser, acabada a festa, surge a discussão sobre "o que correu mal". Valeram-nos os remadores que nos deram a única medalha (já era tempo dos remadores portugueses, quase sempre do Minho, verem os seus esforços recompensados) para não passarmos outra vergonha de seca medalhística como em Barcelona. O resto foram desilusões sobre desilusões, mesmo que acreditemos que os atletas deram o que podiam. As declarações de Vicente de Moura são absolutamente certas e não têm nada de inesperado.
Sim, o que ele disse, ainda que certamente, como presidente do comité Olímpico português, não possa descartar responsabilidades, é de uma realidade crua mas inegável. Portugal não é uma nação de atletas. não é agora nem era no passado, tanto quanto os meus conhecimentos alcançam. A título de exemplo, vale a pena soccor-nos do inevitável Eça, e do que se dizia no tempo da monarquia constitucional:
(...) Pois é verdade, prefiro toiros. Cada raça possui o seu sport próprio, e o nosso é o toiro (...) É uma grande escola de força, de coragem e de destreza (...) Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele, bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o foot-ball, nem o running, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão sólido… Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada… Tirem a tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo Chiado!
Continuamos sem cricket, o "running" vai-se fazendo um pouco, a ginástica está cada vez mais desvalorizada, o serviço militar obrigatório não passa de uma recordação, e quanto à tourada não faltam "amigos dos animais", que com certeza só viram touros do comboio, a querer acabar com ela. O futebol instalou-se em Portugal e reina sobre todos os desportos, é certo, mas a maioria só o praticou no recreio da escola e nem ao estádio vai, preferindo a conversa de café sobre as arbitragens. Mas enfim, sempre é um desporto no qual temos sucesso, a par do hóquei patins. O ciclismo vai sobrevivendo, e quase tudo o resto é um deserto, sem visibilidade nem apoios.
Vicente de Moura reclamou mesmo um retorno às práticas desportivas da Mocidade Portuguesa, sem a "carga política". Muitos se terão escandalizado, mas a verdade é que essa instituição teve o mérito de fomentar os desportos e de levar inúmeras crianças a praticá-los, que de outro modo não fariam, e de levantar algumas estruturas desportivas, assim como a FNAT/INATEL. Mas essas condicionantes poderão não ser a escolha ideal: os resultados olímpicos dessas épocas foram muitíssimo modestos.
Actualmente, constroem-se inúmeros gimnodesportivos em qualquer freguesia média, mas a prática não aumentou. Os poderes públicos construíram novos estádios mas subtraíram-lhes as pistas de tartan, e lá se vão fazendo algumas ciclovias. E é tudo. Pode-se fazer algum jogging, há ginásios por toda a parte, mas mais paras manter a linha e moldar a silhueta do que com real intuito desportivo. O Estado pouco se importa, porque apenas serve para cortar fitas mas não traz votos. E o povo lá se vai movendo um pouco mais, mas sem real cultura desportiva, como no Reino Unido. Depois não se admirem que só uns poucos estóicos, com real sentido de sacríficio e disciplina, alcançem magros resultados, aqui e ali com uma medalha uma uma "boa participação". Daqui a quatro anos se verá se alguma coisa mudou.
Um comentário:
o "running" está bem vivo em Portugal. Mas apenas como actividade de lazer, já não temos o nível competitivo de outros tempos...
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