Londres está em polvorosa. Depois do Jubileu de Isabel II, temos aí os Jogos Olímpicos, abertos com competência, criatividade, bom gosto. E, como em todos os grandes eventos, não faltaram as grandes infra-estruturas emblemáticas, que neste caso, não se ficaram pelos recintos desportivos.
Há poucas semanas ficou completa a London Bridge Tower, mais conhecida como de The Shard, um edifício-pirâmide de vidro com trezentos e dez metros nascido de um esboço de Renzo Piano. O novo arranha-céus, o mais alto do Reino Unido e da União Europeia, fica situado no centro da capital britânica e é mais um marco da Londres do século XXI a par do London Eye, da Tate Modern, do edifício Gherkin e da Millenium Bridge. Abrigará hotéis, restaurantes, escritórios e apartamentos, que a avaliar pelo preço serão provavelmente para conterrâneos do seu grande patrocinador. Como não podia deixar de ser, a fatia de leão dos custos foi assegurada por árabes, no caso, do Qatar.
A inauguração teve lugar a poucos dias da abertura dos Jogos, obviamente com esse propósito. A nova silhueta londrina, que dividiu opiniões, até por estar numa zona central da cidade, veio preencher ainda mais os festejos. Este tipo de afirmação a par de eventos grandiosos não é propriamente original. Em Portugal, por exemplo, a Expo-98 era ladeada pela Estação do Oriente e pela Torre Vasco da Gama. O Porto-Capital Europeia da Cultura pretendia inaugurar a Casa da Música (lamentavelmente isso só aconteceu em 2005).
Mas o exemplo que me ocorreu, até pela forma e pela altura do novo arranha-céus londrino, foi a da inauguração da Torre Eiffell, em 1889. A célebre estrutura metálica parisiense, que se tornou um ícone incontornável da cidade, era a porta de entrada e o símbolo da Exposição Universal de Paris, no ano em que se comemorava o centenário da Revolução Francesa. A época era dominada pela indústria pesada, pelo aço e pela dominação colonial, após a Conferência de Berlim de 1885. A França pretendia reafirmar-se como grande potência internacional, passada que estava a humilhação da guerra contra a Prússia, menos de vinte anos antes, e não hesitou em erguer um gigante de aço pelo seu mais competente engenheiro de pontes, responsável pela estrutura da Estátua da Liberdade e por várias pontes em Portugal, muitas ainda em uso.
A afirmação através de grandes construções e de eventos simbólicos e faraónicos é uma característica dos países que pretendem mostrar o seu estatuto ao Mundo, como vimos com a China há quatro anos, com o Terceiro Reich nos jogos de Berlim em 1936. Mas também podem ser uma forma de re-afirmação e manutenção de um certo estatuto, mostrando que ainda têm um papel internacional de relevo. Paris quis mostrar o quanto estava pujante, na cultura como no domínio da técnica, em 1889. O Reino Unido pretende fazer o mesmo, e a influência parisiense é mais que notória, como se a Shard quisesse ser a Torre Eiffel dos novos tempos, desafiando a velha construção de além-Mancha; aliás, um dos ícones destes Jogos é a Torre Olympic Orbit, uma estrutura metálica da autoria do conhecido artista Anish Kapoor, a fazer lembrar uma Torre Eiffel torta e desengonçada. Referência mais descarada não pode haver.
Não faço ideia se a Shard se vai tornar num ícone londrino, numa cidade que não tem falta deles. Mas pela altura e pela forma, é bem possível. Até porque será o miradouro por excelência da metrópole. Se o Reino Unido está muito longe de ser a grande potência que era até à Segunda Guerra (ou no papel, até à Crise do Suez), Londres pretende afirmar-se como a grande metrópole europeia e até mundial do Século XXI, enfrentando Nova York, Moscovo, Xangai e São Paulo. Está no bom caminho. Mas este novo símbolo de afirmação londrina não deixa de transparecer os sinais do tempo de novos actores da cena internacional: o patrocínio essencial dos fundos do Qatar, um dos novos Tigres Árabes que olham para além do petróleo.
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