segunda-feira, dezembro 02, 2013

Não sei se Soares está senil, mas até era preferível que estivesse.


O artigo que Mário Soares escreveu ontem para o Público é uma coisa pavorosa, deplorável, das mais indigentes que me foram dadas a ler nos últimos tempos. Soares já anda a dizer disparates há um tempo, mas isto ultrapassa todas as marcas.

Resumidamente, o ex-PR desfaz-se em elogios ao Papa, dizendo que "fala a toda a gente" e que "detesta a austeridade, imposta pela senhora Merkel", para logo se atirar à Igreja portuguesa, que "que foi colonialista, durante os tempos das guerras coloniais e sempre próxima da ditadura, foi salva pelos socialistas, na maior parte deles não religiosos, porque depois do 25 de Abril impediram que os esquerdistas invadissem o Patriarcado como tentaram fazer", que tem mantido "um silêncio inaceitável sobre o actual Papa", e que o Patriarca, D. Manuel Clemente, "fazia-se passar por um homem desempoeirado e progressista" e que "nunca fala do Papa", apelando a que leia a última Exortação Apostólica  para que a Igreja "não volte a ser o que era..."

Neste arrazoado de linhas, Soares consegue não só criar uma realidade paralela e inexistente, como nega palavras que proferiu há não muito tempo. Aproveitando-se da mensagem da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, que reafirma a doutrina social da Igreja contra a idolatria do dinheiro, Soares escreve uma verborreia com claros intentos políticos, mesmo que para isso tenha de confundir ou negar os factos.
O Papa, condenando políticas económicas provocadoras de desigualdade e pobreza, condena também o consumo excessivo, causa da actual situação no mundo ocidental. Assim, defende também alguma austeridade no dia-a-dia (não para aqueles que têm de menos, evidentemente) e a não resignação perante a tentação dos bens materiais. Concordará Soares com isso?
O "colonialismo da Igreja" durante as guerras parece esquecer as importantes acções do bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, de imensos clérigo e mesmo da Igreja de Roma, quando o Papa recebeu vários líderes africanos, como Amílcar Cabral, mas recusou-se, na sua visita a Fátima, em 1967, a ir a Lisboa. Muito colonialista eram os antecessores de Soares na 1ª república...
 
A parte de "ser salva pelo PS" e da "invasão do Patriarcado" é de um desaforo inacreditável. Há anos, Soares tinha dito que fora graças à Igreja que o PS travara as forças extremistas em 1975. Na altura, a resistência ao domínio esquerdista começou a norte, em grandes manifestações em Aveiro e Braga apoiadas pela Igreja, e o desenrolar dos acontecimentos a partir daí travou os revolucionários mais radicais e contribuiu para a posterior normalização do país. Pelo meio, Soares teve mesmo de se refugiar no Patriarcado de Lisboa, facto que agora pretende inverter descaradamente.

E tudo isto para quê? Para se atirar a D. Manuel Clemente, acusando-o de não "falar do Papa" e de não ser progressista". A primeira "acusação" é outra dos invenções do ex-PR: o Patriarca falou e fala do Papa, e a última aconteceu na última sexta-feira. Mau timming, Soares. Quanto às acusações de "falta de progressismo", lembram aquelas que o PC fazia a militantes "tresmalhados" de "desvios esquerdistas" ou "direitistas". Para Soares, a Igreja tem de ser "progressista" ou então resvala para o fascismo. não lhe ocorre que se trata de uma instituição milenar com uma sólida doutrina que não vai atrás da primeira ideia de progresso que lhe metem à frente. Daí vem, aliás, a solidez do seu edifício moral, jurídico e social. Mas percebe-se: Mário Soares, que em tempos atribuiu o Prémio Pessoa a D. Manuel Clemente, ficou furioso com as Palmas a Passos Coelho e Cavaco na primeira missa daquele como Patriarca e acusou-o de não as ter impedido, quando o próprio estava, segundo confessou, na sacristia a paramentar-se Por isso, e com nítido rancor, atira-se-lhe agora como um touro a um pano vermelho.

Tudo junto, verificamos que o "republicano, laico e socialista" não tem o menor pudor em aproveitar-se da Igreja Católica para fazer campanha política, não hesitando mesmo em alterar factos históricos, fazer acusações absurdas e infundadas e dar indicações à Igreja do que é ou deve ser. Deve ser dos exemplos de menor laicidade que por aí se tem visto.

Há quem chame "senil" a Soares. Espero bem que seja o caso, porque se não estiver, uma avaliação do seu carácter sairia daqui inevitavelmente arrasada.

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