sexta-feira, julho 03, 2015

Grécia, um país em contradições



A dois dias do referendo relâmpago para se saber se os gregos votam a favor ou contra as propostas do Eurogrupo, noto com alguma perplexidade o apoio quase fanático ao actual governo grego, enquanto que se ignoram as especificidades daquele país. O primeiro-ministro Tsipras é considerado um "humanista", que luta "pela dignidade do seu povo", contra os "agiotas" e a "ditadura neoliberal" da UE e do Euro. E não faltam manifestações de "solidariedade com o povo grego", como se o povo grego não estivesse dividido e fosse de ideias monolíticas.
Aqueles que em boa parte se dizem "solidários com o povo grego" estão-mo na realidade com o seu governo e respectiva ideologia, mais do que verdadeiramente com os gregos. Toda esta discussão aliás voga em torno das simpatias ideológicas os estratégicas.

A Grécia é aliás um país de contradições. Fala-se de solidariedade, mas os gregos não são exactamente o povo mais solidário. Recordem-se as condições que Papandreou impôs para não vetar a entrada de Portugal e Espanha na CEE, em 1985. Ou as queixas que eu próprio ouvi de romenos e búlgaros, antes de entrarem na UE, da forma sobranceira como os gregos os tratavam por terem ficado do lado de cá da Cortina de Ferro e de serem mais abastados. E claro, não esquecer a querela com a vizinha Macedónia (ou FYROM, as suas iniciais em inglês).

E é precisamente com a Macedónia que reside outra contradição. Permanece, na Grécia e fora dela, a imagem romântica do berço da Democracia. Não sendo mentira (e aliás este blogue deve-lhe o seu nome), convém recordar que a Democracia abrangia a cidade-estado de Atenas, e não tudo o que constitui território grego. Esparta, por exemplo, estava longe de ser uma democracia. Um dos argumentos que muitos gregos evocam agora é precisamente o civilizacional, o de se tratar de uma guerra entre o "berço da Democracia" e entidades "não-democráticas". O problema é que a mesma Esparta é por vezes invocada como motivo de orgulho. Mais ainda: a Grécia impediu durante largos anos a vizinha República da Macedónia de usar esse nome - ainda hoje os países da UE referem-se-lhe oficialmente como "Antiga República Jugoslava da Macedónia" - com receio de irredentismos e de perda do seu próprio território macedónio, que abrange Tessalónica, e porque se considera a directa herdeira da memória de Alexandre, o Grande. Convém no entanto relembrar que a democracia ateniense acabou definitivamente por causa, precisamente, do domínio da Macedónia, iniciado já antes por Filipe II, e que até aí os macedónios eram considerados "bárbaros" pelos atenienses.

Contradições e complicações num país caótico cuja referência é mais Constantinopla que Atenas, que prefere a Igreja Ortodoxa aos deuses do Olimpo, e que terá de  decidir o que quer na UE, se quer ficar no Euro e o que fará para o conseguir.

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