quarta-feira, fevereiro 19, 2020

Sobre a "terrível influência das religiões" no debate de ideias


Já me tinha saltado à vista em 2018, por ocasião da mesma discussão, e na altura fiquei calado. Mas voltei a reparar agora. Parece que há muita irritação da parte de alguns defensores da despenalização da eutanásia por haver pessoas que são contra por razões religiosas. Vai daí, lançam-se numa diatribe a favor da "laicidade do estado" (os mais suaves) ou contra "a intromissão das religiões", "os ratos de sacristia" ou a "igreja do cardeal Cerejeira" que "parece querer voltar aos tempos da Inquisição".

Convém relembrar o óbvio: a laicidade do estado significa a separação entre este e as instituições religiosas, não a supressão destas ou a sua hostilização por parte dos poderes públicos. Quanto à inquisição contemporânea e outros delírios, que eu saiba numa sociedade pluralista as religiões têm o seu lugar e as pessoas podem perfeitamente defender os seus princípios baseados na sua fé, políticos incluídos. Por isso sim, há pessoas contra por razões religiosas e isso é perfeitamente legítimo. Assim como a maioria é influenciada por razões políticas ou de outra ordem, e têm igual legitimidade. Aliás é curioso verificar como por vezes a defesa da "liberdade religiosa" para alguns parece ser ou a defesa de apenas determinados cultos ou uma atitude de "sim, tenham lá a fé que quiserem mas exprimi-la em público ou expressar ideias baseadas nela é que não pode ser". Sobretudo numa altura em que tantas opiniões são exprimidas com base em variados conceitos novos e não poucas vezes intrigantes quanto ao contexto - no outro dia lia algo sobre "uma abordagem ao colonialismo do ponto de vista LGBT(?)". Por isso, protestar contra a influência da religião no pensamento dos seus seguidores não é laicidade nenhuma, é apenas desagrado com algo que o emissor não aprecia, mas que numa sociedade aberta (ou diversa, como se diz agora), terá de aceitar, assim como as confissões tiveram de aceitar a legalidade da blasfémia. Caso contrário, não contem comigo para regressar às políticas da 1ª República de má me
mória.

segunda-feira, fevereiro 03, 2020

O novo líder do CDS


Já lá vão uns dias, mas ainda não tinha falado do congresso do CDS. Sim, também houve do o Livre, com aquelas cenas dignas de dó protagonizadas pela deputada Joacine e o seu irreverssível afastamento do movimento, e haverá o do PSD, que com a reeleição de Rio perdeu algum interesse. Mas o do CDS é o que por ora interessou mais. Pela eleição do novo líder, claro, mas também pelo momento muito particular em que se encontra a direita portuguesa.

O CDS já tinha tido pouco mais de quatro por cento, em tempos de oceanos laranjas, em que o cavaquismo tudo dominava, remetendo o PS para uma dimensão modesta, diminuindo o PCP e fazendo desaparecer o meteoro PRD. O CDS sofreu incrivelmente nesses anos, e nem líderes como Adriano Moreira ou o regressado Freitas do Amaral inverteram a situação, até à chegada de Manuel Monteiro. O ex-líder da Juventude Centrista, com o apoio de jovens turcos do partido, de um ou outro notável e da acutilância de O Independente, dirigido por Paulo Portas, venceu o candidato da continuidade, Basílio Horta, representante da democracía-cristã, e o candidato à parte Lobo Xavier, e deu uma guinada directa para a direita, acrescentando ao partido a sigla PP. Há uma clara semelhança no momento actual: Francisco Rodrigues dos Santos, o "Chicão", apoiado por um exército de jotinhas populares e por algumas figuras do pré-portismo (o próprio Lobo Xavier, Ribeiro e Castro, Bagão Félix), venceu a lista da continuidade, de João Almeida, que representava o "portismo" e o sector "liberal" e o candidato da ala democrata-cristã, Filipe Lobo d´Avila, e as candidaturas menos representativas de Carlos Meira (esse grande vianense, impetuoso mas precipitado, sobretudo com as palavras) e Abel Matos Santos, prometendo nova guinada à direita.

A grande diferença em relação aos anos 1990 é que o PSD já não domina o país, antes pelo contrário, e há nova concorrância à direita (à esquerda também, em comparação com esses anos). O caminho do CDS para a direita já não poderá ser feito sem obstáculos, tendo muitos votos da direita liberal mais virados para a Iniciativa Liberal e os da direita "Correio da Manhã" - ou da taberna, se preferirem - orientados para o Chega. Claro que os votos não têm dono senão os respectivos eleitores, mas a verdade é que há tendências para estas novas formações, sobretudo a segunda, embora não provenham todos da direita. O CDS tem um longo caminho a travar, com muitos espinhos, tendo em conta a diminuição de representatividade e os problemas económicos que atravessa. Se não quiser ser apoucado por estes novos partidos e formar no futuro com o PSD uma alternativa à actual maioria, terá muita pedra para partir. Pode começar por estudar exemplos passados, como a forma como Monteiro - que de resto está de regresso - conseguiu fazer o partido crescer (não há Independente mas o Observador também serve alguns propósitos), ou como Paulo Portas ultrapassou as dificuldades financeiras, fazendo campanha eleitoral nas feiras, que se tornou uma das suas marcas eleitorais. Rodrigues dos Santos tem as suas falanges de jotinhas, um discursos mais conservador e apesar de tudo tem mais "aparelho" do que os novos concorrentes (representantes no PE, câmaras municipais, estruturas locais, etc). Tem mais que obrigação de fazer o partido crescer em relação aos péssimos resultados de Outubro. Caso contrário, o CDS não mais será do que um fantasma político.