Quem conhece bem Vila Real sabe que as principais "instituições" da cidade estão na sua maioria na Avenida Carvalho Araújo, ou nas ruas adjacentes. Ao alto da Avenida está o tribunal; cá em baixo, no lado oposto, a câmara municipal, antigo solar do Séc. XVIII. À esquerda da câmara, o liceu Camilo. A meio, a Sé, e ao lado o antigo convento de S. Domingos, restaurado e aproveitado como Conservatório Regional. Em frente, a Gomes, o mais conhecido e reputado café da cidade, célebre pelos seus covilhetes. entre a câmara e a Sé, a casa onde nasceu Diogo Cão, e entre o conservatório e o tribunal, o seminário maior. Entre a Gomes e o tribunal, o antigo Palácio dos Marqueses de Vila Real, casa do Séc. XVI, agora posto de turismo. Nas ruas traseiras, compondo o miolo tradicional, várias igrejas, em especial a Capela Nova, obra de Nasoni e um dos símbolos da cidade, o antigo café Excelsior, a "Casa dos Brocas", da família de Camilo e referida no Amor de Perdição, e a Casa Lapão, que produz as conhecidas cristas de galo. Mais acima, junto ao Pioledo, a Igreja do Calvário, acima do antigo campo pelado de futebol do SC Vila Real, e abaixo deste o Jardim da Carreira, o passeio público da cidade. Nos arredores fica o grande ex-líbris da cidade e da região: o Palácio de Mateus.
Claro que os tempos mudam, aparecem outras novidades que acabam por se institucionalizar e estabelecer-se como elementos representativos de uma dada comunidade. Em Vila Real, o teatro municipal, do lado de lá do rio, impôs-se como referência cultural na região, com espectáculos lotados e grande afluência de público. Em frente, o novo shopping mudou os padrões de consumo e apresenta uma estética bem melhor do que a maioria das grandes "superfícies comerciais", com uma frente envidraçada de onde se pode ver a união entre o Marão e o Alvão.
Acontece que estes novos edifícios acompanharam também as modificações no circuito da cidade, com novas rotundas, sentidos, semáforos e regras para a circulação, que desvirtuaram o velho percurso que durante mais de cinquenta anos foi o cenário das corridas de Vila Real. O circuito começava perto das margens do Corgo, num local onde ainda são visíveis bancadas de pedra e em que lamentavelmente se perdeu a vista do rio por causa das hediondas construções em altura, seguia em direcção ao cruzamento frente ao quartel e daí para a Timpeira, onde curvava antes da primeira ponte. Seguiam-se as curvas em Abambres e a subida para Mateus, de onde se inflectia de novo para a cidade, passando junto à Araucária, atravessando a ponte metálica sobre o Corgo e fazendo a "curva da salsicharia", antes da meta.
As corridas datam já de 1931, mas o circuito só adquiriu o formato conhecido alguns anos depois. Os financiamentos provinham da câmara municipal, do ACP, da Comissão de Turismo da Serra do Marão e do próprio preço dos bilhetes. Por ali passaram Vasco Sameiro, os irmãos Oliveira, Stirling Moss, o conde de Monte Real, Nicha Cabral, etc. Humberto II, o último Rei de Itália, esteve na corrida em 1951 para apoiar os pilotos italianos em competição. O público acorria em magote, fazendo a chatíssima estrada do Marão, ou de comboio, pela linha do Corgo, que serpenteia entre o douro vinhateiro. As corridas mantiveram-se em alta até aos anos setenta, quando começou o seu declínio, que levaria à suspensão em 91.
A travessia da ponte metálica(colecção Manuel Taboada)
Só me recordo das provas dos anos oitenta, apenas com corredores nacionais. Encarrapitado nos muros de pedra da Timpeira, sob o sol de Julho, via em baixo os carros a fazerem as curvas com roncos calorosas e velocidades assustadoras. O circuito era ainda o original, ainda não havia IP-4 e a linha do Corgo seguia até Chaves.
Nestes últimos 15/20 anos, muita coisa mudou. O IP-4 construíu-se (e já está obsoleta), os comboios até à "bila" rareiam, o SC Vila Real joga no Monte da Forca, a UTAD e os estudantes entraram nos hábitos da região, a cidade alargou muito a sua dimensão, por vezes da pior forma, e o circuito tornou-se impraticável para corridas da lado da cidade.
Mas as competições regressaram no último fim-de-semana, com novo figurino e um percurso mais curto, entre a ponte da Timpeira e a rotunda que vira para a ponte metálica. Estive lá, nesses dias de fim de semana prolongado, mas pouco vi das corridas, excepto meia dúzia de bólides e outros tantos clássicos a passar. Ainda assim, gostei de ver uma quantidade de gente interessada, e de novo o entusiasmo pelo circuito, ainda que cortado a meio. E bem lembrada a homenagem a Manuel Fernandes, antiga glória das corridas, que nunca cheguei a conhecer, embora tivéssemos parentes comuns, e que morreu há dois anos com um tumor cerebral. Embora para muitos também se devesse homenagear Sidónio Cabanelas, outros dos "heróis" das corridas, assassinado há uns vinte anos por uma encomenda-bomba nos seus escritórios da actual Rodonorte.
Para o ano voltam à cidade, e parece que também o grande prémio do circuito da Boavista (o grande rival urbano do de Vila Real) irá para Vila Real. Alvíssaras! Há instituições que reaparecem, mesmo que mutiladas.
Um comentário:
Vim aqui parar por acaso e gostei da descrição da terra do meu avô materno Manuel António Alves de Figueiredo e, a propósito da Igreja do Calvário, deixo aqui uma informação pouco conhecida (julgo eu) relacionada com a procissão e o andor do Senhor do Calvário: http://genealogia.netopia.pt/1212/pessoas.php?id=1026167 e ainda com a família Cramez da Casa Lapão
http://genealogia.netopia.pt/1212/pessoas.php?id=1063965
Parabéns pelo blog!
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