segunda-feira, dezembro 21, 2009

Imagens da Roménia - Transilvânia 2

Decididamente a Transilvânia tem uma fama que não corresponde de todo à realidade. Em lugar da precipícios profundos e de gargantas escuras, com lobos de olhar flamejante a uivar, como consta em qualquer lenda vampírica, vêem-se campos de cereais, pequenas colinas e aldeias ao longo da estrada, com casas iguais e por vezes com uma igreja fortificada, herança dos saxões. É o caso de Saschiz (ou Keisd, em alemão), assim como muitas outras.

A Transilvânia era conhecida pelos saxões por Siebenburgen, ou as sete cidades fortificadas. Eram elas Bistritz (Bistrita), Kronstad (Brasov), Hermannstadt (Sibiu), Sächsisch Regen (Reghin), Mediasch (Medias), Mühlbach (Sebes) e Schässburg (Sighisoara), além das supracitadas aldeias.


Sighisoara (Castrum Sex, em latim, Schäßburg em alemão, Segesvár em Húngaro) é uma cidade mesmo no coração da Roménia. Está dividida entre a parte baixa e uma cidadela habitada de onde sobressaem as suas torres, em particular a do relógio, que faz lembrar o de Praga. A "Nuremberga romena" está classificada pela UNESCO como Património da Humanidade. Os seus torreões tardo-medievais protegendo as entradas da cidade, as suas muralhas, as passagens cobertas de madeira e os arcos justificam a distinção. Pelas suas ruas, infelizmente em grande parte com obras e sem pavimento, se nos abstivermos dos inúmeros turistas, podemos imaginar os artesãos e negociantes saxões que aqui habitaram durante séculos (as entradas das casas, com portadas e bancas de madeira, e alguns vendedores ambulantes e de recordações "medievais" também ajudam), ou os que passavam neste próspero centro de comércio, nas rotas entre o Mar Negro, Constantinopla e o Sacro-Império, ao qual veio a pertencer.
As corporações de artesãos dominavam a cidade e a sua economia, de tal forma que as várias torres que formam o seu skyline tinham o nome de cada uma delas: Torre dos Alfaiates, Torre dos Sapateiros, Torre dos Ferreiros, Torre dos Talhantes, etc. Construídas por volta do Séc. XV, chegaram a ser catorze e são o traço mais visível da arquitectura germânica da cidade.


Como não podia deixar de ser, o elemento marcante da cidade é a Torre do Relógio, que vigia a entrada na cidadela com os seus 64 metros. Uma construção possante e de onde, através do balcão a todo o seu diâmetro lá no alto, se vê todo o burgo, tanto a parte velha como a cidade baixa, mais recente, e as colinas que a circundam. Foi construída no Séc. XVI, mas nas várias camadas de reparações acabou por ficar sobretudo com elementos barrocos. Serviu como baluarte, arquivo e de centro do poder municipal. Hoje em dia é um museu de história militar, mas a principal atracção é o seu relógio, instalado nos anos 1600, e retocado ao longo dos séculos. Ao longo do dia, um conjunto de figurinhas alegóricas - anjos, Deuses do Olimpo, entre outros - vão anunciando as horas. O mecanismo pode ser admirado nas escadas que levam ao balcão que circunda a torre, e que liga os seus pisos.




Se as torres são o ex-líbris marcante do burgo, assim como as passagens de madeira e as de pedra, em túnel, sê-lo-ão de forma mais "camuflada", a casa mais conhecida é sem dúvida a amarela, na praça central: ali nasceu Vlad Tepes, o Empalador. Se no Castelo de Bran se fantasiava e forçava a presença do príncipe da Ordem do Dragão, em Sighisoara não é necessário haver subterfúgios: é mesmo a terra natal do inspirador do Conde Drácula. Alvo das fotos dos turistas, a casa é hoje um restaurante, à qual justificadamente não falta clientela. Escusado será dizer que boa parte das recordações prendem-se com o ilustre mas sanguinário filho da terra.


Mais para Sul, chega-se a uma das maiores cidades da região. Sibiu, ou Hermannstadt, como os cartazes recordam por toda a parte, chegou a ser capital do principado da Transilvânia. A cidade velha, na sua parte baixa, está rodeada de muralhas e bastiões fortificados. Mesmo no centro fica a principal praça da cidade, a Piata Mare, dominada pela sua torre do conselho municipal. Quem aqui chegasse e não soubesse qual o país pensaria porventura tratar-se duma cidade alemã ou austríaca, tal o cuidado, o aprumo e a ordem daqueles edifícios construídos entre os sécs. XVI e XVIII, muitos deles barrocos. Uma volta pelos inúmeros restaurantes e excelentes esplanadas do centro revelaria que os preços são bem inferiores aos praticados naqueles países. A razão do cenário tão diferente do comum das cidades romenas, mesmo da Transilvânia, é simples: Sibiu foi Capital Europeia da Cultura em 2007 e recebeu avultados investimentos para a recuperação e conservação dos edifícios históricos. Ainda se vendem muitas recordações e objectos relacionados com a distinção.

A cidade é rica em igrejas, fortificações, casas e ruas medievais, que descem dos largos centrais para a parte mais baixa. Possui uma animada vida cultural e tem duas catedrais, a ortodoxa e a luterana. Apesar da primeira ser naturalmente mais frequentada, é a segunda, implantada num ponto mais central, que domina a cidade com a sua esguia torre gótica. É a herança dos saxões, que apesar de serem hoje em dia uma minoria de resistentes, continuam a marcar a vida de Hermannstadt.

De Sibiu já se avistam de novo os Cárpatos. Tomando a estrada que segue ao longo do Olt, entra-se num desfiladeiro de Turno Rossu, formado pelo vale deste rio, que corta a cordilheira e saí da Transilvânia. Antes, ainda se passa por uma ou outra aldeia, com casas de estilo saxão, como sempre, de telhados inclinados e largo portão de madeira ao lado, povoações compridas dispostas ao longo da estrada, e onde circulam mais carroças do que os omnipresentes Dacias.


2 comentários:

A.Teixeira disse...

Está muito interessante esta sua descrição da Transilvânia.

Não me diga agora que estava a ser irónico e que eu "caí" mais uma vez!

João Pedro disse...

Não, isto são mesmo impressões reais, a não ser haja uma enorme mistificação dos locais e da história.