A revolta dos mineiros nas Astúrias (e Aragão, e Castela-Leão), culminada na "Marcha Negra" até Madrid, recorda outros confrontos mais antigos e ilustra bem os problemas sociais e económicos que a Espanha atravessa. E não anuncia nada de bom.
Com os juros a crescer assustadoramente de cada vez que o estado espanhol se tem de "abastecer", o governo de Mariano Rajoy decidiu cortar radicalmente nos subsídios da indústria mineira de carvão sediada no Norte do país, sobretudo nas Astúrias. A medida ameaça encerrar praticamente toda a actividade extractiva e lançar mais de vinte mil pessoas, cujo trabalho depende directa ou indirectamente das minas, no desemprego. Recorde-se que a Espanha já tem 25% de desempregados.
As medidas do governo causaram pânico e fúria nas regiões afectadas. Imediatamente começou a contestação, e houve mesmo confrontos entre mineiros e a polícia de choque, com as primeiros a responder com engenhos artesanais de arremesso de projécteis e foguetes ao gás lacrimogêneo lançado pela guarda.
As escaramuças recordam os anos de chumbo da década de 1930, quando os mineiros, influenciados pelo anarco-sindicalismo e socialismo radical, se revoltaram, ocuparam as cidades e chegaram mesmo a proclamar uma "república socialista" nas Astúrias. A revolta, muito à base de ataques com explosivos, e que não poupou igrejas nem clérigos, seria esmagada pelas forças comandadas por Francisco Franco e as famigeradas tropas marroquinas de elite, célebres pela sua ferocidade. E anunciou a Guerra Civil que se seguiria poucos anos depois.
O tom e os protestos não atingem a dimensão dos anos trinta, é certo. Não há mortes, nem fuzilamentos, nem atentados. E os mineiros não têm o anti-clericalismo de outrora, até exibem imagens de santos Mas há mini-barricadas, arremesso de projécteis, contestação, ameaças de caos social. A "Marcha Negra" dos homens do carvão chegou a Madrid e teve logo o apoio de milhares de manifestantes e de "indignados". E não faltaram confrontos com a polícia e alguns feridos e detidos, embora em abono da verdade não tivessem sido os mineiros a despoletar, mas sim os anarcas anti-sistema que fazem disto o seu modo de vida.
"Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão". O ditado parece fazer sentido neste caso bicudo. No entanto, todos têm a sua razão. Os mineiros, porque a descida dos subsídios ameaça lançar milhares no desemprego. Num país onde isto é um problema crónico, e para pessoas com mais de quarenta anos que sempre trabalharam nesta área, pode ser traumático e cruel. Existe o real perigo de comunidades inteiras perderem o seu trabalho. é o velho erro de se apostar apenas numa actividade económica num mesmo espaço geográfico.
Mas o governo também tem as suas razões. O défice público é imenso e há que cortar em alguma coisa, e se as minas não são rentáveis, até porque o carvão que vem de fora é mais barato, não parece exequível mantê-las em funcionamento. Além do mais, exigências ecológicas e normas da União Europeia obrigam ao progressivo abandono do carvão como fonte de energia até ao fim desta década.
É uma situação complicada de difícil solução. Mais avisado seria talvez o governo diminuir os cortes à indústria do carvão (tendo obrigatoriamente que fazer alguns), diminuindo progressivamente os subsídios, de modo a evitar uma situação ainda mais explosiva e socialmente insustentável. O desemprego exige novas despesas por parte do estado. Já bastam as querelas ideológicas que subsistem desde há décadas, e o ambiente tenso e o medo que se vive no país. Recordar a História, sobretudo a não tão antiga, é imperioso, e aprender com as suas lições ainda mais. Há que usar bom senso. Do governo e dos que se lhe opõem, porque não será com certeza com greves sucessivas e "indignações" inconsequentes que Espanha irá enfrentar os gravíssimos problemas que tem pela frente.
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