As manifestações em toda a França, e em particular em Paris, foram impressionantes, é verdade. A união daquela quantidade de chefes de estado, das famílias das vítimas (e dos sobreviventes) e de toda a massa popular que seguia atrás é reveladora, e a cerimónia na sinagoga tocante, e um bom sinal para os próximos tempos. Mas parece-me que funcionou mais como escape emocional e símbolo do que como acção de real eficácia (e com a tecla da "república" a ser sempre exageradamente repisada, mas disso falarei mais tarde). Aquilo confortou o mundo ocidental, mas não persuadiu certamente os jihadistas de tentarem futuras acções, nem terá demovido os que os apoiam.
Houve outras reacções, menos noticiadas e mais significativas. A da condenação dos atentados por movimentos como o Hezbollah e mais ainda pelo Hamas, por exemplo (e como algumas reservas, pelo Irão, num progresso assinalável desde a Fatwa lançada a Salman Rushdie, precursora deste tipo de violência reactiva e punitiva). Talvez signifique alguma abertura politica e de espírito, já agora, por parte desses movimentos, mas só o futuro o dirá.
E enquanto no hexágono milhões saíam à rua contra o terrorismo e em defesa da liberdade de expressão, na Nigéria morriam centenas de pessoas às mãos do Boko Haram, o "estado islâmico" da África central, com recurso a crianças bombistas suicidas. Parece impressionante como naquele país os horrores se sucedem sem que nada ou quase nada seja feito para os travar. Morreram quase cem vezes mais pessoas do que em França, e no entanto ninguém marchou por elas. Como se um morador de uma cubata em aldeias no meio de África fosse um ser menos valioso. E por muito que as acções da França no Mali contra os jihadistas sejam louváveis e necessárias, fica-se a pensar se não terão intervindo mais para proteger os manuscritos de Timbuktu do que os povos locais. Defender a cultura e o património é fulcral, mas defender as pessoas é ainda mais. Há demasiadas zonas no mundo onde os crimes da semana passada de Paris se fazem sentir diariamente. Perguntem a tantos nigerianos, malianos, paquistaneses, filipinos, povos da Mesopotâmia...Não há apenas um "Estado Islâmico", há vários, na Sahel, na Somália ou no sul das Filipinas - onde por acaso o Papa está a chegar. Convinha prestar-lhes alguma atenção. e pensar que o sofrimento que impõem nessas paragens pode muito bem espalhar-se como uma epidemia.
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