Noutra república, mais a oeste, o caso do momento não é a liberdade de expressão, embora também tenha a ver com terrorismo.
O atentado de 1994 em Buenos Aires contra o edifício onde funcionava a Associação Mutual Israelita Argentina já tinha vindo à baila há pouco tempo, na altura do Mundial do Brasil, que coincidiu com os vinte anos da acção terrorista que matou 84 pessoas e feriu mais de duzentas, além de destruir totalmente o edifício. Inquéritos posteriores levaram à pista iraniana, e a justiça argentina acabou por acusar o regime iraniano de planificação e autoria moral do atentado, que teria sido executado por membros do Hezbollah, o movimento político e militar libanês que funciona como "braço" do Irão naquele país. Em 1992 já tinha havido um atentado contra a embaixada israelita em Buenos Aires, reivindicada pelo Hezbollah.
Há dias, Alberto Nigran, o procurador argentino responsável pela investigação do atentado de 1994, revelou que o governo de Cristina Kirchner tinha encoberto as investigações (e permitido que o próprio Irão tivesse parte relevante em novo inquérito) e contactado directamente os acusados para facilitar a venda de petróleo iraniano. Revelações mais detalhadas seriam prestadas pelo magistrado no congresso argentino, mas na véspera da audição morreu no seu apartamento, oficialmente vítima de "suicídio". Isso sem que houvesse qualquer intenção de se matar, nem uma nota explicativa, e em que as pistas já apuradas também não conferem. E tendo em conta que se apresentava para revelações graves e pormenorizadas visando a própria presidência, o caso toma foros de escândalo. Poucos negam que a morte seja altamente suspeita, e ninguém acredita que tenha sido suicídio. A própria Cristina Kirchner mostrou-se convencida disso, para depois o negar.
O caso lembra-me outras duas situações de tempos passados: o caso Irão-Contras, por causa do envolvimento iraniano e na suposta negociação subterrânea, em que altos responsáveis norte-americanos venderam armas ao Irão para financiar os Contras da Nicarágua, já depois da crise dos reféns na república islâmica (ou até durante a prisão dos reféns, já que há quem aponte a morte de Amoro da Costa e Sá Carneiro como resultantes do conhecimento que o então ministro da defesa tivera do negócio). E também o caso da tentativa de assassínio de Carlos Lacerda, em 1954, que levaria à prisão de elementos da guarda pessoal de Getúlio Vargas, à tentativa de derrubar o presidente brasileiro e que culminou com o suicídio deste, a 24 de Agosto de 1954 - o dia 24 de Agosto parece carregar desastres sem fim, como a Matança de S. Bartolomeu e a erupção do Vesúvio que arrasou Pompeia, para além de ser o dia em que nasceu este vosso criado. Vem-me à cabeça por ser um caso de assassínio que implica o chefe de estado, ou membros próximos dele. Mas posso estar a ser influenciado por ter lido há pouco o livro Agosto, de Rubem Fonseca, que relata exactamente os acontecimentos que levaram ao suicídio de Getúlio, e pelo filme recente do mesmo nome, com Tony Ramos no papel do velho presidente.
Certo é que se me parece improvável - e indesejável - que Kirchner se suicide, mas não me parece nada implausível que sofra uma pressão tal ou que este acto inspire um movimento de indignação tal que a leve a deixar a presidência, ou quando dela sair, a deixar definitivamente a sua carreira política. Até porque a situação económica não ajuda. Um caso tão grave e misterioso como este era tudo o que Kirchner, salvo se for extremamente estúpida, não desejaria.
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