terça-feira, janeiro 20, 2015

Contradições republicanas



Depois das "manifestações republicanas" em França, em que todos "foram Charlie", vários foram os reparos ao repentino amor que a França a o regime republicano começaram a demonstrar pela liberdade de expressão, como se fosse um dado adquirido desde tempos imemoriais. No entanto, e tal como em todos os outros países, a liberdade de expressão francesa é em muitos aspectos mais letra morta do que outra coisa.

De notar, desde logo, que se ouviu por mais do que uma vez que "o terrorismo é contrário aos valores da república". Não deixa de ser irónico, já que a palavra "terrorismo" tem a sua origem no Terror que emergiu com a Revolução Francesa e a 1ª República francesa, o bordão "Liberté, egalité, fraternité", o barrete frígio, etc. Um terrorismo de estado, neste caso, que levou milhares para a guilhotina por não serem reconhecidos pelos tribunais revolucionários como "bons cidadãos". Pergunto-me se muitos dos que exaltam a Revolução Francesa contra a inquisição pensarão bem nisto.

A verdade é que há opiniões que em França são consideradas crime. A negação do Holocausto, por exemplo, já levou alguns negacionistas para a prisão, o que significa que não há liberdade para se negar ou omitir o Holocausto. Da mesma forma, a negação do Genocídio Arménio passou a ser crime no hexágono há poucos anos (há quem diga que estas leis são influência das importantes comunidades judias e arménias de França e do seu peso político e social, e porque não, eleitoral).

Já na Turquia, cujo modelo republicano é em grande parte copiado do de França (embora nos últimos anos Erdogan o esteja a modificar, sobretudo no que toca ao laicismo até há pouco característico do regime), há curiosamente uma lei em sentido contrário: é crime declarar-se que existiu um genocídio do povo arménio - pelos turcos, evidentemente. Os valores republicanos chocam de frente na mesma questão.

Ou seja, pode-se proclamar a liberdade de expressão aos quatro ventos e declará-la como "valor republicano", mas a realidade mostra-nos que também nas repúblicas, e em boa medida na republicana França, há um real condicionamento, por muito imbecil que seja a negação de massacres e genocídios que não deixam a menor dúvida. Mas não é mesmo a liberdade de expressão a possibilidade de ofender e dizer disparates sem se temer ir parar à prisão? Être Charlie é afinal uma moda passageira, ou então o reconhecimento do exercício de liberdade de expressão para apenas alguns assuntos.

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