Madre Teresa é oficialmente santa. Popularmente já o era. a canonização limitou-se a dar o devido reconhecimento, confirmadas as condições, a alguém cujo halo de santidade já há muito era reconhecido, até em vida. No fundo, juntar as palavras "Madre Teresa" e "santa" acabam por ser uma redundância.
Reparei no entanto que não houve reportagem sobre esta canonização que não trouxesse o "outro lado" de Madre Teresa, ou seja, os aspectos supostamente mais negativos da fundadora da congregação das Missionárias da Caridade. Alguns fariam sentido, outros eram puro preconceito, ou pior, pura birra ideológica. A principal fonte destas críticas é um livro, já com uns vinte anos, da autoria do célebre Christopher Hitchens, intitulado brilhante e provocatoriamente The Missionary Position, citado e exemplificado de forma acrítica e veladamente laudatória. O cronista anglo-americano aparece como um analista imparcial, fidedigno, obrigatório.
Sintomático como a crítica a Madre Teresa contrasta tão flagrantemente com a ausência de críticas a Hitchens, desaparecido em 2011. Mas a resposta não é muito complicada. Hitchens era um jornalista e colunista provocador, que escrevia bem e com verve. As críticas a Madre Teresa a que me refiro acima surgem em órgãos de comunicação social, que, como é óbvio, tenderão a valorizar um "deles", um elemento da classe jornalística, para mais mediático e apreciado pela forma como escrevia. Mesmo muitos daqueles que estão longe das suas ideias o apreciam, como é o caso de Pedro Lomba, que até o guiou num périplo aquando da última vinda do polemista a Portugal. Convém lembrar que Hitchens era um ateísta fanático até à medula (no que era reprovado até pelo seu grande amigo Martin Amis), que considerava que a religião "envenenava tudo" e que o ateísmo e o secularismo "eram urgentes". Por isso mesmo apoiou a invasão ao Iraque em 2003, reiterou essa ideia anos mais tarde mesmo quando o desastre era visível e afirmou mesmo que por ele poderiam fazer o mesmo ao Irão. A razão? Para "espalhar o secularismo" (mas não refere a Coreia do Norte, por exemplo). Aqueles que invocam as cruzadas como exemplo dos males das religiões ficariam certamente confundidos. Daí este ataque cerrado a Madre Teresa e à generalidade das religiões.
Apesar disso, ou até devido a isso, Hitchens continuou a ser muito apreciado pelas redacções do mundo fora. A sua verve, mesmo que por vezes fosse inspirada no esvaziamento de uma garrafa de Whisky, como o próprio confessou, a sua condição de enfant terrible, tornavam-no popular, e era considerado "corajoso" (sabe-se lá porquê, já que se fosse despedido de uma qualquer coluna de opinião, o máximo que lhe poderia acontecer, viria logo outra contratá-lo). E para os media, o que é que é mais atractivo? Um tipo talentoso e provocador que escreve para a Vanity Fair e para a The Atlantic, ou uma freira idosa que vive nos bairros miseráveis de Calcutá entre moribundos, doentes e velhos, rodeados de miséria e imundície? Não é preciso ir muito longe para ser perceber qual é o principal objecto de estima.
Mas como li num qualquer artigo há não muito tempo, o bem raramente tem uma boa imagem, um cheiro agradável e mais raro ainda é que a sua prática seja algo susceptível de dar um qualquer prazer imediato. Ou seja, contraria grandemente as modas contemporâneas e não é passível de ser atractivo. Não que o ser humano tenha de ser intrinsecamente abjecto, mas praticar o bem é realmente difícil. Por isso, Madre Teresa, mesmo com as suas falhas, dúvidas e pensamentos, merece a canonização: é a imagem da prática do bem de forma gratuita, nas situações e locais mais desaconselháveis. Sim, é tão mais fácil ser-se fashion, lido e estimado na opinião mediática. Mas o caminho do bem é certamente mais pedregoso. Por isso, e por mais fora de moda que o seu exemplo possa estar, Madre Teresa merece infinitamente mais respeito e consideração do que qualquer dos seus detractores.
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