Karol
João Paulo II, o Papa, morreu enfim. Anos de agonia e sofrimento físico - que não moral ou psicológico - acabaram ao princípio da noite de sábado. O homem com o nome de nascimento Karol Wojtyla fechou os olhos. A sua obra, porém, permanece, e o seu legado terá de ser administrado de forma séria e corajosa. Tão corajosa como a forma como este polaco de sorriso sereno (e com o seu quê de traquinas) serviu Deus e as suas convicções até ao fim.
Uma coragem a que não deve ser alheio o facto de ter sido privado dos seus pais ainda muito novo, e, pior ainda, de se encontrar no epicentro da pior guerra da história da humanidade. Na sua Polónia, onde assistiu aos horrores do nazismo e do Holocausto, e à tentativa de destruição dos povos eslavos e judeus, seguida da ditadura comunista, devidamente vigiada por Moscovo. A experiência (e resistência) vivida sob o totalitarismo, aliada à sua eleição, inspirou o movimento revolucionário Solidarnosc e tornou-o uma das figuras-chave na queda das "democracias populares" de Leste.
Além do comunismo, o Papa atacou igualmente outros sistemas aviltantes do ser humano, como o capitalismo selvagem e o materialismo sem rosto. Pronunciou-se sempre contra a guerra, em especial a invasão do Iraque. Lutou contra a pena de morte e as violações aos direitos humanos em todo o mundo, não hesitando em dizê-lo em frente aos responsáveis. Estabeleceu pontes entre todos os credos, pediu publicamente, de forma humilde, perdão por todas as situações em que a Igreja não protegera o ser humano, como nas perseguições religiosas, em especial face aos judeus; ele, que vira o horror diante de si, disse na Terra Santa, sobre o Holocausto: "Nunca Mais".
Viajou por todo o Mundo, indo de encontro às pessoas, aos mais desfavorecidos, àqueles que precisavam de esperança, aos que sofriam. Perdoou a quem o tentou matar, não se encolheu perante os que o insultavam publicamente, como o radical reverendo Paisley, no Parlamento Europeu. Esteve junto de figuras menos recomendáveis, como Fidel, Pinochet ou Tarek Aziz, porque a sua luta era contra sistemas e injustiças, não contra as pessoas, e por isso mesmo não se afastava de ninguém.
Situações houve em que parecia desfasado do seu tempo, como a recusa total do ordenamento das mulheres ou de métodos de controlo da natalidade. Mas uma Igreja que esteve parada durante séculos não pode mudar radicalmente em apenas 50 ou 60 anos. Será através dos tempos que as mudanças se farão, se necessárias forem, sem ceder nos seus pontos fundamentais a influências externas, em especial de quem nem sequer partilha a Fé Cristã. E jamais se poderia pedir a um único Papa que reformasse por completo a Igreja, sobretudo se rodeado por uma Cúria com ideias difusas e algo fechada, num universo de mais mil milhões de católicos. Acima de tudo, pedir que o João Paulo II renunciasse a alguns dos princípios por que sempre pugnara seria a maior das vilezas e a mais pungente desonestidade intelectual.
A forma como resistiu sempre às doenças que o minavam, ao inevitável avançar da idade, para continuar a sua peregrinação e ir ao encontro dos que dele necessitavam, é simplesmente notável. Muito se falou na possibilidade da sua renúncia (hipótese com que eu próprio concordava), por visível incapacidade. Mas o que o Papa pretendia era mostrar que também na velhice e na doença , tantas vezes escondidas e tidas como sinal de vergonha e de opóbrio num mundo reservado áqueles que têm "sucesso" e imagem vitoriosa, havia dignidade e esperança. E foi essa a sua última grande vitória. Até ao fim manteve-se firme no seu posto, cumprindo a sua missão no Mundo, e recusando mesmo ser transferido para um hospital, preferindo uma morte digna e natural, como sempre defendera, em lugar de prolongar por escassos dias uma vida artificial.
Deus sabe quem tomará os destinos da Igreja. E recebeu agora João Paulo II, que toda a vida O serviu da melhor maneira que pôde e soube. O Papa que veio da Polónia ganhou definitivamente o seu lugar na história. E a Igreja permanecerá sólida e firme sobre a Terra, defendendo a dignidade do Ser Humano e a Palavra de Cristo.
segunda-feira, abril 04, 2005
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2 comentários:
Caro BS, o texto sobre o Papa que apareceu há tempos na "Tasca da cultura é dos mais lúcidos que já vi, sobretudo se vindo de um não católico.
Excelente texto. Efectivamente, com virtudes e defeitos, foi um homem que marcou a história mundial.
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