sexta-feira, setembro 18, 2009

Uma breve e realista imagem da Roménia




Saída há vinte anos de uma longa tirania nacional-comunista (depois de antes e durante a guerra ficar sob alçada de governos autoritários e pró-fascistas), com uma grande instabilidade política nos anos que se seguiram e há dois na União Europeia, a Roménia é um país singular que tarda em desenvolver-se.




Começando pelo aeroporto, dir-se-ia antes um imenso aeródromo, onde a bagagem é despejada num monte no meio de uma sala e os seus proprietários têm de procurá-la em conjunto com os outros passageiros. À saída, quem quiser apanhar um táxi (geralmente um Dácia" com 30 anos) poderá fazê-lo; os preços são à partida baixos, mas é costume que os clientes tenham de dar a volta de quase 360º à cintura de Bucareste, quando não são levados a dar um passeio a Urcizeni ou terras semelhantes pelos façanhudos taxistas, que têm em regra no retrovisor um galhardete do Steaua ou do Dinamo e passam o tempo a reclamar contra os ciganos ou a dizer "Isto precisava era de um Antonescu/Ceausescu em cada esquina!" O nome do ditador varia consoante a idade dos taxistas.



Antes da capital, fale-se do resto do país. Para começar, vêem-se cães por toda a parte, muitos deles com três patas (dizem-nos contudo os indicadores de desenvolvimento que a percentagem de quadrúpedes propriamente ditos tem aumentado muito nos últimos tempos). As estradas são razoáveis nas regiões planas do sul, já que são alcatroadas e há apenas que prestar atenção aos buracos. Em zonas de curvas, apanhar uma carroça ou uma coluna do exército em manobras ou um rebanho de porcos pode ser motivo de demora. As aldeias são pitorescas, com as suas casas de telhados inclinados cobertos de colmo, as suas ruas de terra batida e as suas bermas e poços em frente a cada casa (o saneamento é algo básico); na região mais a leste cada uma tem a sua mesquita de tipo turco; não convém no entanto parar pela possibilidade de se ser alvo de ataque de salteadores armados de bacamarte ou de crianças ciganas lavando os vidros (também na cidade).


Os monumentos são grandiosos: as cidadelas da Transilvânia ostentam uma imponente e germânica silhueta entre a paisagem de colinas. no entanto, o visitante que se aproxime reparará nas ameias tombadas e nos telhados a precisar de reparações, para além das inúmeras famílias ciganas que as habitam. Fardos de palha acumulam-se nas praças interiores. Escapa a esta imagem o famosa Castelo de Bran (mais conhecido como "castelo do Drácula") já que recebeu avultados investimentos para receber os turistas. Nos campos em redor das cidades são mais notórios nas estradas os tractores e as carroças com fardos de palha.




Os resorts do Mar Negro, outrora reservados à elite do Partido, sofreram algumas melhorias. É vedada a entrada até um raio de cem metros das praias a ciganos, turcos, lipovenos e gente que ostente símbolos estrangeiros que não os americanos, da UE ou da NATO (ou pagando bem, russos). Quem tomar banho no mar - com a indumentária permitida - deverá tomar atenção às lanchas da polícia e ao óleo deixado pelos petroleiros que passam perto



Na capital, o trânsito flui demoradamente como qualquer grande cidade europeia, ou talvez mais, visto que 20% dos veículos é de tracção animal, e os restantes automóveis de gama média da marca Lada, na sua maioria anteriores a 1990 (cópias dos Renaults 12).




O tipo de pessoas que passa nas ruas não é muito diversificado: grande parte da população continua a vestir-se com trajes das zonas de origem, visto que dois terços dos habitantes de Bucareste são camponeses, muitos à trazidos quase à força; para deixar esses hábitos ancestrais, muitos usam uniforme militar (uma herança do antigo regime); reconhecem-se ainda skinheads, que por vezes funcionam como sucedâneos das forças policiais sempre que os problemas não tenha a ver com eles, e ciganos, vestidos como tal. A recente modernização do país e a entrada na UE mudou alguns estereótipos e já se vêm pessoas mais novas ostentando as camisolas dos clubes desportivos locais ou alguma roupa copiada aos ídolos O-Zone. Mais do que pessoas, há cães por toda a parte, muitos em matilha, pelo que andar em parques a partir do fim da tarde pode constituir uma aventura suicida. Anualmente há uma média de oitenta mortes na capital por ataques de cães, mas crê-se que o número será maior porque não se tem em conta quem vive na rua.


As compras fazem-se mais em mercados do que em lojas. Uma novidade recente são os DVDs, mas ainda não têm grande saída, já que os respectivos leitores são quase inexistentes, por isso a maior parte da população ainda recorre a cassetes VHS e Beta.



O símbolo de Bucareste é, como se sabe, o enorme Palácio do Povo. Construído por Ceausescu para reunir todos as grandes instituições administrativas do país, com as escadas de degraus à medida dos passos do Conducator e as famosas torneiras de ouro, abriga hoje não só as câmaras do Parlamento mas também a residência oficial do presidente e de todos os membros do governo - concubinas incluídas - e também dos ex-presidentes, e ainda salas para conferências, sedes de bancos e, nas caves, depósitos de armas e munições, não se dê o caso de haver outra revolução como em 1989. Tem também um imenso salão de baile onde Elena Basescu, filha do presidente e recentemente eleita deputada europeia, costuma dar as suas festas privadas.




A vida nocturna vive dos bares situados invariavelmente em caves, normalmente antigos abrigos subterrâneos, muitos dos quais proibidos a mulheres (outra situação que tem mudado com a entrada na UE), ciganos, turcos e húngaros. As bebidas normais costumam ser a cerveja artesanal feita na própria casa, cujo estranho sabor faz suspeitar dos seus componentes, vinho, aguardentes de castanha e licores variados de teor elevado de álcool. Os preços em Euros podem chegar até 1,50€ pelas bebidas mais caras, quase inacessíveis ao comum da população. Refira-se que a moeda romena, o Leu, vale cerca de 2,5 cêntimos, e que as notas de valor mais elevado chegam aos mil Lei.




Quase posta de parte no regime comunista, a religião voltou em força desde 1990. Da quase proibição passou-se para a quase obrigatoriedade, e os soldados que vão em missão juram pela pátria e pela Santa Igreja Ortodoxa Romena, com a protecção de São Constantino Brancoveanu. Também as cerimónias públicas têm sempre a benção da igreja.




O tempo no Verão é soalheiro, mas a indústria pesada e os poços de petróleo em constante laboração fazem com que uma permanente nuvem de poluição envolva as principais cidades, pelo que o sol raramente se vê em Bucareste. Um problema acrescido à frágil indústria turística romena, como tantos outros, mas cujos desenvolvimentos recentes dão motivos de esperança num futuro melhor.

5 comentários:

A.Teixeira disse...

Interessantíssimo, João Pedro. E já agora, permita-me a laracha de sugerir que a todos aqueles jornalistas que escrevem artigos com a famosíssima expressão "Portugal na cauda da Europa" devia ser proporcionada uma estadia de uma semana nessa Roménia que descreve, para no local "extraírem ideias" como os devíamos "apanhar"...

João Pedro disse...

Bom, tenho de pedir desculpas, afinal fiz um retrato moderadamente paródico do país; não é assim tão rude como o descrevo, mas há coisas que são tal e qual. E a história da"cauda da Europa" desapareceria logo do léxico a todos aqueles que dessem um passeio por algumas cidades romenas.

A.Teixeira disse...

Pelos vistos, caí que nem um "patinho"...

Pelo menos que o facto fique lavrado em confissão, que às vezes fica-nos bem fazermos nossos os versos iniciais de Fernando Pessoa no "Poema em Linha Recta"...

:)

nuno castro disse...

pois, bem me parecia. é que não sei de que Bucareste você estava a falar, mas foi com certeza do mesmo onde estive há pouco tempo.

quanto a portugal na cauda da europa...melhor não começarmos pela roménia.

nuno castro disse...

errata

mas "não foi"