Morreu Santiago Carrillo, o histórico ex-líder do PCE, aos 97 anos. Com ele, desaparece quase toda uma geração que ainda viveu a Guerra Civil, atravessou o regime franquista e participou na Transição para a democracia e para a monarquia constitucional.
Na Guerra Civil, já militante do PCE, ainda muito novo, rezam as crónicas e algumas memórias que teve uma participação activa e não muito feliz - terá feito parte dos esquadrões responsáveis pelas purgas em Paracuellos de Jarama, nesse conflito fratricida em que não havia prisioneiros e ninguém era inocente. Exilou-se entretanto em Paris, e durante anos continuou a seguir o estalinismo oficial, até que a invasão da Hungria em 1956 e a da Checoslováquia em 1968 o fizeram romper com a URSS. Já na altura era o secretário-geral do PCE, substituindo a Passionaria Iabarruri, e derivou então, com Berlinguer do PC italiano, e Marchais, do PC francês, os dois maiores partidos comunistas da Europa ocidental de então, para o Eurocomunismo, aceitando as regras das democracias liberais. Teve oportunidade de demonstrar essas novas convicções, quando na Transicion espanhola, o Rei Juan Carlos e Adolfo Suarez impuseram aos mais cépticos a legalização do PCE, como prova de uma autêntica democracia. Carrillo não desperdiçou a oportunidade e aceitou o novo regime parlamentar e a Monarquia, voltando definitivamente ao seu país. Acabaria por se tornar numa das figuras-chave desse processos, ao fazer com que a esquerda mais radical, a que combatia ferozmente contra os conservadores quarenta anos antes, a aceitar igualmente o novo estado de coisas. Enfrentou o pronunciamento trágico-ridículo de Tejero Molina em 1981, com grande coragem, e haveria pouco depois de deixar o próprio PCE, criando uma nova formação de esquerda. Acabaria por ficar à margem partidária, mas nunca deixando de exprimir as suas opiniões, até ao fim conservando a lucidez (e fumando sempre imenso, o que não o impediu de chegar quase aos cem).
Curiosamente, desaparece no mesmo ano que Manuel Fraga Iribarne, antigo ministro de Franco e seu adversário político da outro lado da barricada, com quem mantinha relações cordiais. 2012 é assim o ano em que as últimas grandes figuras que atravessaram o franquismo e protagonizaram a Transición espanhola desapareceram. Restam o Rei e Felipe González, que já são da geração posterior, e Adolfo Suarez, reduzido ao silêncio por uma doença degenerativa. Fechou-se definitivamente um livro da política espanhola.
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