Nos quarenta anos das eleições para a Assembleia Constituinte, a 25 de Abril de 1975, o Herdeiro de Aécio recorda a previsão de Vasco Gonçalves para o vencedor da contenda, que segundo o primeiro-ministro da altura, seria o MDP/CDE. Tudo porque já firmara um nome desde as eleições de 1969, como aglutinador da oposição democrática, era um símbolo anti-Estado Novo e incluía tanto comunistas como católicos progressistas. O que é certo é que o movimento de José Manuel Tengarrinha ficou em quinto lugar, com menos de 5%, e nas eleições seguintes, e até 1987, coligar-se-ia com o PCP para formar a APU, perdendo toda e qualquer autonomia.
O que é mais incrível é que, segundo nos revela a revista do Expresso da semana passada, até houve sondagens que apontavam para os vencedores (e que podem ser vistas aqui). A tendência de vitória do PS era clara, bem como o segundo lugar para o PPD e o terceiro, e larga distância, para o PCP, e ainda mais a fraca adesão ao MDP. Nestes pontos as sondagens revelaram-se muito fiáveis. Mais curioso é observar que o CDS quase não tem intenções de voto (talvez pelo receio em declarar o apoio a um partido "reacionário"), e o MFA, que nem sequer era um partido, e a Acção Nacional Portuguesa, o partido único do Estado Novo, ainda recolherem alguns apoios. Se no primeiro caso se percebe, porque a sigla se ouviria muito pelos país fora, já a segunda espanta pelo desconhecimento, embora indique um reduto de apoiantes do antigo regime. Claro que ninguém poderia votar em "formações" destas, mas o CDS acabaria por ficar num honroso quarto lugar e tornar-se-ia num dos partidos basilares do regime.
No caso do MDP/CDE, é bom lembrar que parte dos seus apoiantes de 1969 tinham-se deslocado para o PS e para o PCP, secundarizando-o. E apesar de ter dirigentes que pouco tinham a ver com os comunistas, como Helena Cidade Moura, a verdade é que o partido passava por muleta do PCP, constituído sobretudo por intelectuais um pouco mais moderados que o partido de cunhal. Talvez isto tenha dado ilusões a Vasco Gonçalves, cruelmente desfeitas nas eleições. Depois disso, como se disse, o MDP faria parte da APU, até voltar a ser um partido autónomo, mas quase irrelevante, e mais tarde, com algumas entradas e saídas pelo meio, se transformar no Política XXI que viria a ser um dos movimentos formadores do Bloco de Esquerda.
2 comentários:
É sempre um prazer lê-lo João Pedro, e muito mais em temas cujo interesse compartilhamos. O rigor que lhe reconheço também me obriga a certos “preciosismos” que, para evitar passar por chato, guardo apenas para quem julgo que os apreciará.
1) Sobre o MDP/CDE, necessitaria de o corrigir, precisando que em Abril de 1976, o partido não concorreu às primeiras eleições legislativas – o que terá constituído o seu maior erro e que, para mim, terá precipitado, antecipando, aquilo em que ele se veio a tornar. Reapareceu ainda em Dezembro desse ano nas eleições autárquicas, coligado com o PCP (who else?) e a FSP na FEPU, mas já deixara passar a oportunidade de parecer ser qualquer coisa mais do que o satélite comunista que descreve. Aliás, note-se que, na transumância pós-25 de Abril que descreveu entre a CDE, o PS e o PCP, houve alguns comunistas que se deixaram ficar propositadamente para trás, casos de Vítor Dias e Lino de Carvalho (já falecido) que lá permaneceram em “comissão de serviço” e que, durante o PREC, seriam os dirigentes que teriam os “pés assentes no chão” por detrás dos intelectuais como Pereira de Moura ou Tengarrinha.
2) Os militares, apesar da disciplina da sociologia militar, não se notabilizam Mundo fora pela argúcia e rigor com que promovem os seus inquéritos à opinião pública: dão sempre os resultados que a hierarquia deseja. Isso terá sido verdade no Portugal de 1975, como terá sido verdade antes, com os militares paquistaneses, quando estes convocaram as eleições de 1970 ganhas pelos separatistas bengalis, como terá sido verdade depois com os militares indonésios, quando convocaram o referendo sobre Timor em 1999.
3) Faço-lhe notar o aspecto “suspeito” da hipotética sondagem de 1975, publicada no Expresso e transcrita no “Entre as Brumas da Memória”. Com alguma sensibilidade aritmética nota-se que nos valores que aparecem na coluna “em quem vai votar” são sempre múltiplos do valor 2,7: PS 35,1% (13X), PSD 27% (10X), PCP 10,8% (4X), MFA 5,4% (2X). É o género de distorção que costuma acontecer quando as amostras são demasiado pequenas e, por isso, não significativas. Pode também ser que se trate apenas de uma coincidência, mas, para mim, justifica-se a circunspecção...e por isso não lhe atribui qualquer valor.
Obrigado, pelos esclarecimentos. (1) Realmente escrevi como se o MDP em 1976 já se tivesse coligado com o PC, quando, pelo menos oficialmente, isso só aconteceu depois (ignorava que Lino de Carvalho lá tivesse passado), com a FEPU e a APU.
(2) Sobre a falta de argúcia política dos militares, temos dessa época outro óptimo exemplo: António de Spínola.
(3) Curiosa observação, nesse ponto das sondagens, embora acabassem, intencionalmente ou não, por ficar bem perto dos valores dos três partidos mais votados.
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