Há os desaparecimentos públicos e depois há os que, não sendo de notoriedades, nos são mais próximos. A grande diferença para os primeiros é que não temos um resumo da sua vida, as suas memórias ou as suas imagens ali à mão de semear. E aí temos de ser nós a ir buscá-las, a recordá-las com os outro, a comparar recordações e a trocá-las, como cromos de uma caderneta que no fundo é a biografia do que nos deixou.
As memórias privadas são mais íntimas e mais valiosas, e não apenas por causa do evidente valor de proximidade. São-no porque exigem um trabalho de busca e de rememoração que trabalho jornalístico algum, por mais bem feito e intencionado que seja, nos pode dar.
E que fazer quando o desaparecimento atinge uma pessoa na força da idade, de que se diz que tanto poderia dar ainda e que para mais marca aqueles que a rodeiam? Como é que se reage? Como é que aqueles que estão próximos podem preencher o vazio? Quando morre alguém de idade avançada fica a tristeza do momento, a enumeração das suas virtudes, a saudade. Mas nunca é exactamente visto como uma tragédia. Quando desaparece alguém mais novo, há a sensação natural de que uma missão no Mundo ficou por cumprir, e um enorme e doloroso sentimento de perda. Mesmo para quem crê e que sabe que a morte física é apenas uma passagem para algo de diferente.
O tempo apaga a dores, dizem. E se não apaga atenua-as. As recordações mais preciosas ajudam também. A seguir em frente, na vida de todos os dias. Nunca gostei muito dessa frase tecnocrática e prosaica - "a vida continua" - mas em parte é verdade, para os que vão ficando. A vida continua amparada na passagem do tempo, nas recordações e na convivência com o(s que nos são) próximo(s). E na crença de algo superior e na sua sagrada promessa de uma existência diferente e melhor, em que mesmo os mais cépticos no fundo crêem. O resto são as interrogações naturais que esta frágil espécie se coloca desde sempre e para sempre, sem chegar a qualquer conclusão material em vida terrena, por muito que a ciência, em vão, o tente.
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