A insensata medida para taxar os depósitos bancários dos cipriotas sofreu um não consensual do parlamento da metade da ilha que pertence à União Europeia. Já era de esperar que não aceitassem essa imposição, mas a unanimidade na recusa de a acolher torna ainda mais visível o autêntico disparate que seria essa decisão do conselho de Ministros.
Não é só a medida em si, própria de um estádio totalitário que põe e dispõe das finanças dos seus cidadãos, que choca: a forma como a tomaram é quase patética, mas ilustra bem aquilo em que a UE se vem tornando. Uma decisão do que deveria ser um órgão colegial, na realidade tratou-se de uma imposição ao governo de Chipre dos ministros das finanças alemão e holandês, enquanto os outros membros homólogos do "Eurogrupo" entravam e saíam da sala, indiferentes (ou submissos?) à gravidade do que se estava a passar.
Sabe-se que Chipre deve o seu crescimento (ou a sua engorda) recente devido à zona franca, às condições fiscais e aos imensos depósitos que os oligarcas russos lá deixam. Um dos objectivos desta decisão era de diminuir a sua liberdade financeira, e ao mesmo tempo fazer pagar o resgate feito a Chipre através dos russos, sem consentimento da parte deles, claro está. O problema é que não somente se trata de uma imposição intolerável aos depositantes, que para além dos russos abrange os cipriotas com menos recursos, como vai contra resoluções anteriores que garantem depósitos até cem mil Euros. Cereja no cimo deste complicado bolo: Chipre acaba por pagar pelos danos colaterais que sofreu com o perdão parcial da dívida grega, outra decisão tomada pela UE. não somente é prejudicado por isso, como ainda de pagar os juros das decisões comunitárias.
A UE já está a arrepiar caminho, mas como se disse incessantemente nos últimos dias, o precedente está aberto. Com o autoritarismo que se verifica sobre os países com dívida excessiva e em dificuldades económicas, tudo se pode esperar. Chipre é uma meia ilha com menos de um milhão de habitantes, ali na ponta leste do Mediterrâneo, e o "Eurogrupo" pensou que podia impor as medidas que lhe surgissem na cabeça com a visão curta e burocrática e com a arrogância imensa que o caracteriza. Mais uma vez, não previu os perigos de contágio. De tal forma que os bancos da ilha continuam fechados, perante novas ameaças do BCE de fazer cessar a liquidez já para a semana se Chipre não aceitar ovo plano de resgate. O que a euroburocracia não previu, na sua completa incompetência e ignorância geostratégica, é que a mesmíssima posição geográfica e a afinidade cultural como a Grécia e com a Rússia podiam fazer a balança pender para esta última. De facto, com os depósitos dos seus oligarcas ameaçados, e com a guerra que se arrasta na Síria, cujo resultado desfavorável ao actual regime pode obrigá-los a retirar as suas bases navais que aí mantêm (as únicas que têm no Mediterrâneo), os russos podem aproveitar esta situação para ajudar economicamente Chipre em troca de aí instalarem novas bases, numa posição estratégica até mais favorável e estável do que a costa síria (estes dois posts no Estado Sentido explicam bem essa circunstância). E se a UE recusar e lançar novo ultimato (já que a Alemanha parece muito confiante na continuidade de fornecimento de energia por parte da Rússia)? Aí talvez se depare como um pequeno estado rebelde, que pode muito bem, em último caso, fazer a sua secessão do Euro e até da própria UE. A partir daí, seria o caos. Quem acende fogo de forma irresponsável acaba por se queimar.
É pela falta de de visão, conhecimentos e sensatez das classes políticas europeias que o entusiasmo com o Papa Francisco faz ainda mais sentido. Perdida a confiança na política e nas ideologias, será o cristianismo, contra algumas previsões, a salvar-nos uma vez mais.
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